Zelensky abre porta para negociar plano de paz de Trump, mas enfrenta desconfiança interna e europeia

Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky durante reunião em Kiev, olhando para o computador após ataque russo a Ternopil
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky participa de reunião por videoconferência em Kiev após o ataque russo a Ternopil, que deixou 31 mortos, incluindo seis crianças, em 21 de novembro de 2025.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, sinalizou que está disposto a negociar diretamente com Donald Trump sobre o plano de paz apoiado pelos Estados Unidos para encerrar a guerra na Ucrânia. Essa abertura ao diálogo, porém, vem cercada de desconfiança dentro da própria Ucrânia e de forte cautela em capitais europeias, que temem um acordo acelerado, construído à margem dos aliados e às custas da soberania ucraniana.

O plano de paz em disputa

O plano de paz apoiado por Trump é apresentado como uma “rota rápida” para acabar com a guerra. Porém, na prática, ele implicaria concessões profundas por parte da Ucrânia em três frentes principais:

  1. Território
    • A Ucrânia teria de aceitar perdas territoriais adicionais no leste e no sul, consolidando, no papel, parte dos ganhos militares da Rússia.
    • Isso significaria legitimar mudanças de fronteira obtidas pela força, algo sensível não só para Kiev, mas para toda a arquitetura de segurança europeia.
  2. Capacidade militar
    • A proposta inclui limitações rígidas ao tamanho e ao armamento das Forças Armadas ucranianas.
    • Na prática, criaria uma espécie de zona tampão desmilitarizada diante de um vizinho que não dá sinais de reduzir sua capacidade militar.
  3. Segurança e relação com a OTAN
    • A Ucrânia teria de abandonar de maneira definitiva a ambição de integrar a OTAN.
    • Em troca, receberia garantias de segurança alternativas, apresentadas como “equivalentes” à proteção da Aliança, mas cheias de condições e brechas que geram dúvidas sobre sua eficácia real.

Além disso, o plano prevê o uso de recursos financeiros vinculados à Rússia para a reconstrução da Ucrânia, sob forte tutela externa. Isso deixaria Kiev ainda mais dependente de decisões políticas de outros países sobre como, quando e onde esse dinheiro seria liberado.

Zelensky entre a preservação da dignidade e o risco de perder um parceiro-chave

Ao se pronunciar sobre o plano, Zelensky adotou um tom ambíguo, mas calculado:

  • Disse estar disposto a dialogar e a “trabalhar” sobre a proposta apoiada pelos Estados Unidos.
  • Ao mesmo tempo, reafirmou que não aceitará termos que violem a soberania e a dignidade da Ucrânia.

Em termos políticos, o dilema é claro:

  • Se aceitar o plano como está, corre o risco de ser visto como o presidente que institucionalizou a perda de territórios e a limitação permanente do poder militar ucraniano.
  • Se rejeitar totalmente, pode enfrentar uma redução ou condicionamento do apoio americano em um momento de desgaste militar, crise econômica e fadiga social após anos de guerra.

Zelensky busca, portanto, uma posição intermediária: mostrar abertura à negociação para não ser acusado de “bloquear a paz”, mas deixar claro que não vai simplesmente assinar um texto escrito fora de Kiev.

Autoridades ucranianas negam ter aceitado os termos

Logo após as primeiras sinalizações de diálogo, autoridades ucranianas vieram a público negar que Kiev tenha aceitado os termos do plano.

  • Integrantes do governo afirmam que não há acordo fechado, nem compromisso com cláusulas que limitem de forma irreversível a soberania ucraniana.
  • A mensagem interna é que qualquer texto ainda está em fase de discussão e que a Ucrânia pretende apresentar correções, exigências e condições próprias.

Essa postura revela duas pressões que atuam sobre o governo ucraniano:

  1. Pressão externa, principalmente dos Estados Unidos, em busca de um desfecho político que possa ser apresentado como “solução” para a guerra.
  2. Pressão interna, de uma sociedade que tem pagado um preço altíssimo em vidas, destruição e deslocamentos, e que vê com desconfiança qualquer proposta que pareça premiar a agressão russa.

Zelensky sabe que, se for percebido como excessivamente flexível, pode enfrentar desgaste político e social dentro do país, em um contexto já marcado por sacrifícios e frustrações.

Europa em alerta: nada sobre a Ucrânia sem a Ucrânia – nem sem a Europa

Enquanto Kiev tenta equilibrar diálogo e resistência, líderes europeus observam o plano com extrema cautela. Em diversas capitais, a sensação é de que:

  • O texto foi concebido de forma centralizada, com forte protagonismo de Washington,
  • Deixando a Europa mais como espectadora do que como coautora de uma solução para uma guerra que acontece em seu próprio continente.

Os principais temores europeus incluem:

  1. Um precedente perigoso
    Se a Rússia conseguir, por meio da força, consolidar ganhos territoriais e ainda impor limitações ao rearmamento do país que atacou, outros atores poderão se sentir encorajados a testar a mesma lógica em conflitos futuros.
  2. Fragilização da segurança europeia
    Um acordo que não leve plenamente em conta a OTAN e a União Europeia, e que seja excessivamente dependente da vontade política de um único governo em Washington, enfraquece a autonomia estratégica europeia.
  3. Risco de divisão entre aliados
    Se a Ucrânia, sob intensa pressão, aceitar termos que a Europa considera inaceitáveis, pode haver fissuras na frente ocidental, com discursos de “traição” de um lado e de “ingratidão” de outro.

Por isso, líderes europeus vêm cobrando que a Ucrânia não tome decisões isoladas e que qualquer negociação seja precedida de consultas estreitas com os parceiros do continente.

O cálculo político e estratégico de Zelensky ao negociar com Trump

Para Zelensky, falar com Trump sobre o plano de paz é menos um gesto de submissão e mais uma tentativa de manter algum controle sobre o processo. Há vários objetivos estratégicos nessa decisão:

  1. Evitar o rótulo de “intransigente”
    Ao demonstrar disposição para dialogar, o presidente ucraniano tenta evitar que a responsabilidade por um eventual fracasso das negociações recaia exclusivamente sobre Kiev.
  2. Ganhar tempo
    Negociar, apresentar objeções, envolver europeus e outros parceiros ajuda a diluir prazos artificiais e evitar que a Ucrânia seja encurralada em uma decisão rápida, tomada sob forte pressão.
  3. Alterar o conteúdo do plano
    A ideia é tentar:
    • reduzir ou condicionar concessões territoriais;
    • fortalecer as garantias de segurança;
    • vincular qualquer compromisso a planos robustos de reconstrução e integração econômica com o Ocidente.
  4. Falar com o público dos EUA
    Ao dialogar com Trump, Zelensky também envia uma mensagem à população americana: a Ucrânia não está recusando a paz, mas sim tentando evitar uma paz que consagre a violência como método legítimo de mudar fronteiras.

Vários tabuleiros de negociação ao mesmo tempo

Enquanto prepara sua interlocução com Trump, a Ucrânia age em diferentes frentes:

  • Canal direto com os Estados Unidos
    Buscando ajustes em pontos sensíveis do plano e tentando converter a disposição ucraniana ao diálogo em contrapartidas concretas em segurança, armamentos e reconstrução.
  • Coordenação com a Europa
    Reuniões, telefonemas e consultas constantes para tentar construir uma posição comum ou, ao menos, reduzir o risco de que a paz seja desenhada sem a participação efetiva da União Europeia e dos principais aliados europeus.
  • Gestão da pressão russa
    Moscou acompanha de perto as discussões e tenta explorar a situação para ampliar o preço de qualquer recusa ucraniana, sugerindo que, quanto mais tempo passar, piores serão as condições de Kiev.
  • Administração da frente interna
    A população está exausta: há desgaste econômico, perdas humanas, destruição de infraestrutura e episódios de crise política. Qualquer acordo visto como “capitulação” pode provocar protestos e instabilidade.

O que está realmente em jogo

Por trás do debate sobre o plano de paz, está uma disputa muito maior:

  1. O tipo de paz que emergirá da guerra
    A questão central é se o conflito resultará em uma paz baseada em princípios – como soberania e integridade territorial – ou em uma paz puramente pragmática, que congela a situação criada pela força das armas.
  2. Quem define o futuro da segurança europeia
    O processo mostrará se a segurança do continente será decidida principalmente em acordos entre grandes potências ou se países como a própria Ucrânia e os membros da União Europeia terão voz decisiva.
  3. O equilíbrio nas relações entre EUA e Europa
    A condução desse plano pode aproximar ou afastar os dois lados do Atlântico, influenciando a forma como o Ocidente lidará com crises futuras.

Cenários possíveis

A partir do cenário atual, alguns desdobramentos se destacam:

  1. Ajuste do plano e acordo parcial
    A Ucrânia consegue renegociar itens centrais, reduz concessões irrecuperáveis e obtém garantias de segurança minimamente sólidas. Zelensky tenta apresentar isso à população como um compromisso duro, mas necessário, para preservar o Estado e evitar uma guerra interminável.
  2. Rejeição do plano e prolongamento da guerra
    Se o texto for considerado inaceitável e não houver espaço real para sua alteração, Kiev pode rejeitá-lo. Isso poderia dificultar o apoio de alguns parceiros, ao mesmo tempo em que a Rússia tenta ganhar vantagem militar e política com a continuidade do conflito.
  3. Construção de uma alternativa com maior protagonismo europeu
    Europa e Ucrânia podem articular uma contraproposta que combine cessar-fogo com princípios mais claros de justiça e segurança. O desafio, nesse caso, será convencer Washington a embarcar em um formato menos centrado na lógica de “encerrar rápido” e mais preocupado com a sustentabilidade do acordo.

Conclusão

Ao declarar que está disposto a negociar com Donald Trump o plano de paz apoiado pelos Estados Unidos, Zelensky não está simplesmente cedendo. Ele tenta navegar em uma situação em que:

  • A Ucrânia depende de apoio externo para continuar resistindo;
  • A sociedade ucraniana não aceita uma paz que pareça capitulação;
  • A Europa teme ser deixada de lado em um acordo que redesenhará a segurança do continente;
  • E os Estados Unidos buscam um desfecho que responda tanto a interesses estratégicos quanto a pressões internas.

Negociar, nesse contexto, não é sinônimo de submissão automática, mas sim parte de uma disputa intensa por qual será o formato da paz – e quem terá direito de defini-la.

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