Crise China–Japão: disputa por Taiwan chega ao Conselho de Segurança da ONU

Japanese Prime Minister Sanae Takaichi shakes hands with Chinese President Xi Jinping ahead of their talks in Gyeongju, South Korea, October 31, 2025. Credit: Kyodo/REUTERS.
A primeira-ministra japonesa Sanae Takaichi aperta a mão do presidente chinês Xi Jinping antes de conversas em Gyeongju, Coreia do Sul, em 31 de outubro de 2025. Crédito: Kyodo/via REUTERS/Foto de arquivo.

A escalada entre China e Japão em torno de Taiwan chegou oficialmente ao Conselho de Segurança da ONU, marcando um novo patamar de tensão no Leste Asiático. Pequim acusa Tóquio de ameaçar uma “intervenção armada” na ilha, enquanto o governo japonês insiste que apenas reforça seu compromisso com a estabilidade regional e a “ordem internacional baseada em regras”. Por trás da troca de acusações formais, está uma disputa muito mais ampla: o papel de Taiwan na arquitetura de segurança do Indo-Pacífico e a redefinição das alianças na região.

Num ambiente internacional já pressionado pela rivalidade entre China e Estados Unidos, a entrada mais assertiva do Japão na equação taiwanesa adiciona uma camada de incerteza. As declarações da nova liderança japonesa, sinalizando que o destino de Taiwan é “vital” para a segurança do Japão, foram recebidas por Pequim como provocação direta. A resposta chinesa, levando o tema à ONU, mostra que a disputa saiu do campo bilateral e foi projetada para o centro do sistema multilateral.

Como a crise começou: de declarações a crise diplomática

A atual fase de tensão começou com declarações da nova primeira-ministra japonesa, enfatizando que o Japão não poderia “permanecer neutro” num conflito militar sobre Taiwan e que a ilha seria parte fundamental da segurança do arquipélago japonês. Na prática, Tóquio reforçou publicamente o que, em parte, já vinha sendo discutido em documentos estratégicos: a ideia de que um eventual ataque chinês a Taiwan colocaria o próprio Japão em risco direto.

Pequim reagiu com dureza, acusando o Japão de “interferência em assuntos internos chineses” e de “reviver o militarismo” que marcou a primeira metade do século XX. Em seguida, a diplomacia chinesa passou a:

  • Convocar o embaixador japonês para prestar esclarecimentos;
  • Denunciar as falas japonesas como incentivo ao separatismo em Taiwan;
  • Elevar o tom em comunicados oficiais, vinculando a postura japonesa à presença militar dos EUA na região.

A resposta japonesa também foi firme. O governo de Tóquio reiterou que não reconhece Taiwan como Estado independente, mas defende o status quo e a resolução pacífica da questão. Ao mesmo tempo, expandiu coordenação política e militar com Estados Unidos e outros parceiros regionais, como Coreia do Sul, Austrália e Filipinas.

O atrito político evoluiu rapidamente para uma crise diplomática mais complexa, com impacto econômico e de segurança.

A ida ao Conselho de Segurança: o que a China busca na ONU

Ao levar a disputa com o Japão ao Conselho de Segurança da ONU, a China tenta obter três objetivos principais:

  1. Enquadrar a narrativa internacional
    Pequim quer fixar a ideia de que qualquer envolvimento japonês em Taiwan é uma violação da soberania chinesa. Ao falar em “ameaça de intervenção armada”, busca deslocar a percepção: de uma postura defensiva japonesa para uma postura agressiva, invertendo a lógica presente em boa parte da imprensa ocidental.
  2. Constranger alianças pró-Taiwan
    A China sabe que muitos países não reconhecem Taiwan como Estado, mas mantêm laços econômicos e de segurança indiretos ligados à ilha. Expor o Japão no Conselho de Segurança é também um recado aos demais aliados dos EUA: aproximar-se demais de Taiwan tem custo diplomático, inclusive em fóruns multilaterais.
  3. Marcar posição contra a “internacionalização” de Taiwan
    Ao insistir que a questão taiwanesa é “assunto interno”, Pequim tenta limitar o espaço de manobra de atores externos. Quanto mais o tema aparece em foros globais – OTAN, G7, ou o próprio Conselho de Segurança –, mais ele se converte num problema de segurança internacional, e não apenas numa disputa de soberania.

Ainda que seja improvável que a China obtenha uma resolução dura contra o Japão, devido às divisões entre os membros permanentes do Conselho, o simples fato de levar o tema ao organismo serve para consolidar sua narrativa e testar o posicionamento dos demais.

A posição do Japão: defesa própria ou projeção de poder?

Do lado japonês, o discurso oficial é de que qualquer alinhamento com Taiwan ocorre sob o guarda-chuva da autodefesa e da preservação do status quo no Estreito de Taiwan. Três elementos são centrais na argumentação de Tóquio:

  1. Geografia e risco direto
    O arquipélago japonês está muito próximo de Taiwan, e toneladas de comércio japonês passam diariamente pelo Estreito. Um conflito ali afetaria diretamente o abastecimento de energia, cadeias de suprimento e a própria segurança física das ilhas japonesas.
  2. Aliança com os Estados Unidos
    O tratado de segurança Japão–EUA continua sendo o pilar da defesa japonesa. O aumento da cooperação trilateral com EUA e Coreia do Sul, as manobras conjuntas no Pacífico e os exercícios navais com outros parceiros reforçam a percepção, em Pequim, de um cerco estratégico. Para Tóquio, porém, são mecanismos de dissuasão.
  3. Reinterpretação da Constituição pacifista
    Já há alguns anos, o Japão vem reinterpretando sua Constituição, que em tese limita o uso da força a fins estritamente defensivos. A flexibilização desse entendimento permite a chamada autodefesa coletiva, ou seja, agir militarmente em apoio a aliados em determinadas situações. A questão taiwanesa entra justamente nesse debate: até que ponto defender Taiwan seria extensão da autodefesa japonesa?

Assim, enquanto a China acusa o Japão de “intenção belicista”, Tóquio tenta se apresentar como ator responsável, preocupado com a estabilidade e com a manutenção das rotas comerciais abertas.

Guerra de narrativas, sanções e alertas de viagem

A crise também se desenrola no campo econômico e social, com medidas que aumentam a temperatura, mesmo sem envolver diretamente o uso da força militar.

1. Pressões econômicas

  • Sanções e restrições: A China pode impor barreiras a determinados produtos japoneses, aumentar inspeções alfandegárias ou dificultar investimentos, como forma de pressionar o governo japonês.
  • Impacto nas cadeias produtivas: Dada a interdependência entre as duas economias – principalmente em setores como automotivo, tecnologia e eletrônicos – medidas desse tipo têm poder de desestabilizar mercados e gerar ruído entre empresários japoneses.

2. Alertas de viagem e opinião pública

Ambos os lados recorrem a alertas de viagem recomendando cautela a cidadãos que viajem para o outro país. Ainda que sejam, em parte, gestos simbólicos, eles alimentam percepções negativas entre as populações, reforçando estereótipos e nacionalismos.

Na prática, esse tipo de movimento:

  • Afeta relações acadêmicas, intercâmbios e turismo;
  • Dá munição para discursos de linha dura, tanto em Pequim quanto em Tóquio;
  • Reduz a margem política para acordos discretos, já que a opinião pública se torna mais sensível a qualquer gesto de “conciliação”.

Taiwan no centro: peça-chave da segurança do Indo-Pacífico

Nenhuma análise dessa crise faz sentido sem considerar o papel de Taiwan. A ilha é:

  • Um ponto estratégico de controle marítimo e aéreo no Indo-Pacífico;
  • Um grande centro de produção de semicondutores, vitais para a economia mundial;
  • Um símbolo político da disputa entre modelos de governança – democrático, no caso de Taiwan, e autoritário, no caso da China continental.

Para Pequim, Taiwan é parte inalienável do território chinês. Para boa parte do Ocidente, qualquer mudança forçada do status de Taiwan representa ameaça à ordem internacional e às regras de não alteração de fronteiras pela força.

O posicionamento do Japão a favor da estabilidade no Estreito é visto por Pequim como passo adicional na “internacionalização” de Taiwan, num momento em que:

  • A OTAN menciona o Indo-Pacífico em documentos estratégicos;
  • Países europeus enviam missões navais de “liberdade de navegação” para a região;
  • Várias democracias seguem reforçando laços econômicos com Taiwan, mesmo sem reconhecimento diplomático formal.

Impactos para a segurança regional

A disputa entre China e Japão sobre Taiwan tem repercussões muito além dos dois países.

  1. Pressão sobre aliados dos EUA
    Países como Coreia do Sul, Austrália e Filipinas se veem pressionados a alinhar discursos e estratégias. Uma postura mais dura do Japão em relação a Taiwan tende a puxar esses aliados para posições similares ou, no mínimo, a reforçar sua cooperação com Washington.
  2. Corrida por capacidades militares
    O aumento da tensão incentiva gastos em defesa: modernização de frotas navais, aquisição de mísseis de longo alcance, reforço de sistemas de defesa aérea e desenvolvimento de tecnologias de dupla utilização (civil e militar). Isso alimenta um ciclo de desconfiança: cada avanço de um lado é visto como ameaça pelo outro.
  3. Risco de incidentes militares
    Quanto mais próximos e frequentes se tornam os exercícios e patrulhas de diferentes marinhas e forças aéreas na região, maior o risco de incidentes – colisões, sobrevoos perigosos, interpretações equivocadas de movimentos – que podem escalar rapidamente, mesmo sem intenção política clara.

Reações globais: entre a cautela e o alinhamento

A ida da disputa ao Conselho de Segurança obriga outras potências a se posicionar, ainda que de forma sutil.

  • Estados Unidos tendem a apoiar politicamente o Japão, reforçando ao mesmo tempo a importância de manter canais de diálogo abertos com a China para evitar acidentes.
  • Países europeus, em geral, criticam ações que aumentem o risco de conflito em Taiwan, mas evitam confrontar diretamente Pequim em todos os pontos, equilibrando interesses econômicos e valores políticos.
  • Países do Sul Global, incluindo muitos asiáticos, buscam uma posição de maior equilíbrio, defendendo a resolução pacífica e o respeito à Carta da ONU, mas sem aderir a blocos de forma explícita.

Esse quadro reforça a percepção de um mundo mais fragmentado, em que crises regionais têm impacto global, mas as respostas são condicionadas por múltiplos interesses econômicos e geopolíticos.

Cenários possíveis: do congelamento ao risco de escalada

A evolução da crise pode seguir diferentes caminhos nos próximos meses:

  1. Congelamento controlado
    O mais provável no curto prazo é que o conflito permaneça em nível diplomático, com trocas de acusações, advertências e medidas econômicas pontuais, mas sem ruptura total de relações. Seria uma espécie de “guerra fria localizada” no Leste Asiático.
  2. Escalada retórica com incidentes militares
    Um incidente naval ou aéreo envolvendo forças chinesas e japonesas, ou até navios dos EUA, poderia elevar o risco de confronto, mesmo que limitado. Nessa situação, o Conselho de Segurança se tornaria ainda mais central como espaço de contenção.
  3. Reaproximação pragmática
    A pressão de setores econômicos e o custo de uma ruptura mais profunda podem incentivar Pequim e Tóquio a buscar canais discretos de diálogo para reduzir o tom, mantendo as divergências, mas administrando-as.

Conclusão: Taiwan como espelho da nova ordem mundial

A disputa entre China e Japão sobre Taiwan, agora levada ao Conselho de Segurança da ONU, é mais do que um conflito bilateral. Ela sintetiza:

  • A competição entre grandes potências no Indo-Pacífico;
  • A reconfiguração de alianças tradicionais, como a parceria Japão–EUA;
  • A disputa sobre quem define as regras da ordem internacional e como elas se aplicam a questões de soberania e integridade territorial.

Para observadores de política internacional e geopolítica, a forma como China e Japão administrarão essa crise – combinando firmeza, pressão econômica, iniciativas militares e diplomacia – será um indicador importante da capacidade do sistema internacional de conter tensões num contexto de multipolaridade crescente.

Taiwan, mais uma vez, deixa de ser apenas um ponto no mapa e se afirma como uma das principais linhas de fratura da ordem mundial do século XXI.

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