A guerra na Ucrânia entrou em uma nova fase delicada. Enquanto a Rússia avança em frentes importantes no leste e no sul do país, representantes de Washington e Moscou trabalham em um plano de paz que provoca desconfiança em capitais europeias. Paralelamente, líderes da União Europeia correm para formular um contra-plano que preserve os interesses de Kyiv e evite a impressão de que o futuro da guerra está sendo decidido às suas costas.
Ao mesmo tempo, os próprios europeus tentam equilibrar a defesa da integridade territorial ucraniana com o cansaço social, econômico e político gerado por um conflito prolongado, caro e de desfecho incerto.
Avanços russos e a pressão do campo de batalha
No terreno, a situação é desfavorável para a Ucrânia. Tropas russas têm obtido ganhos graduais, mas consistentes, em regiões estratégicas como Zaporizhia e na área de Donetsk, incluindo o entorno de Pokrovsk. Esses avanços não significam um colapso imediato das defesas ucranianas, mas reforçam a sensação de que Moscou mantém a iniciativa militar.
Cada quilômetro conquistado pela Rússia tem peso político: quanto mais território controlar, mais forte será sua posição em qualquer mesa de negociação. Isso alimenta receios em Kyiv e em várias capitais europeias de que um plano de paz desenhado sob pressão do campo de batalha possa consolidar, de facto, ganhos territoriais russos.
O plano EUA–Rússia: paz ou congelamento de conflito?
Nos bastidores, diplomatas norte-americanos e russos vêm discutindo um esboço de acordo que, segundo interlocutores europeus, seria visto como demasiadamente favorável a Moscou. Em linhas gerais, o arranjo cogitado incluiria:
- Reconhecimento tácito de parte das conquistas territoriais russas, pelo menos no curto prazo;
- Um cessar-fogo com linhas de contato aproximadas da situação atual no front;
- Algum tipo de compromisso sobre o futuro status da Ucrânia em relação à OTAN, possivelmente afastando, por ora, a perspectiva de adesão plena;
- Garantias de segurança ambíguas, sem equivaler aos compromissos de defesa mútua que valem para membros da Aliança Atlântica.
Para Washington, o plano teria algumas vantagens:
- Redução de custos militares e financeiros;
- Foco em outras prioridades estratégicas;
- Um “acordo possível” em vez de uma vitória completa, considerada improvável em curto prazo.
Já para muitos na Europa, esse caminho representa o risco de um “conflito congelado” nos moldes da Geórgia ou de outras zonas cinzentas pós-soviéticas: sem guerra total, mas sem paz verdadeira – e com a Rússia mantendo influência e pressão constante sobre a Ucrânia e o leste europeu.
A reação europeia: um contra-plano para não ser coadjuvante
Frente a esse cenário, líderes europeus vêm se movimentando com rapidez. À margem da cúpula do G20 em Joanesburgo, chefes de Estado e de Governo da União Europeia divulgaram uma declaração conjunta reafirmando o apoio à soberania e à integridade territorial da Ucrânia, deixando claro que qualquer solução duradoura deve ser aceitável para Kiev.
Mais do que um gesto simbólico, essa declaração é a base política para um contra-plano europeu, que pretende incluir:
- Reafirmação da necessidade de respeito às fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia;
- Compromissos de longo prazo com a reconstrução econômica do país;
- Garantias de segurança mais concretas, ancoradas em mecanismos europeus e atlânticos;
- Condicionamento de eventual alívio de sanções à Rússia a passos verificáveis rumo a uma paz justa.
Ao defender esses princípios, a UE tenta evitar dois riscos simultâneos:
- Aceitar um acordo visto como imposto de fora, no qual o papel europeu seria meramente periférico;
- Ser responsabilizada, interna e externamente, por prolongar a guerra caso rejeite um plano apoiado por Washington.
Alemanha, Trump e o recado de Merz
Nesse contexto, a posição da Alemanha ganha destaque. Em declaração recente, o chanceler alemão Friedrich Merz afirmou ter deixado claro, em uma longa conversa telefônica com Donald Trump, o compromisso da Europa com a Ucrânia.
Esse episódio é simbólico por vários motivos:
- Mostra que Berlim tenta atuar como ponte entre Washington e o restante da União Europeia, evitando rupturas;
- Indica que parte da liderança europeia está disposta a confrontar a ideia de um “acordo rápido a qualquer preço”;
- Expõe as diferenças de abordagem entre uma visão mais transacional da guerra – que busca reduzir custos e encerrar o conflito com concessões – e a visão europeia de que ceder demais agora pode encorajar novos revisionismos no futuro.
Para Merz e outros líderes europeus, um acordo que legitime conquistas territoriais obtidas pela força enviaria um sinal perigoso não apenas à Rússia, mas a outros atores que observam a resposta ocidental a esse tipo de agressão.
Cansaço de guerra x credibilidade estratégica
Apesar da retórica firme, a Europa enfrenta pressões internas significativas. A guerra prolongada trouxe:
- Custos econômicos elevados, em especial em energia, defesa e reconstrução;
- Pressão sobre orçamentos nacionais, com governos tentando equilibrar gastos militares e demandas sociais;
- Crescente fadiga de opinião pública, com parcelas do eleitorado questionando o nível de apoio contínuo a Kyiv.
Essa fadiga é explorada por forças populistas e eurocéticas, que defendem um acordo mais rápido, mesmo com concessões, em nome da “paz” e da “estabilidade económica”.
Ao mesmo tempo, a União Europeia sabe que sua credibilidade estratégica está em jogo. Desde o início da invasão em grande escala, o bloco se apresentou como defensor da ordem internacional baseada em regras, do respeito à soberania e da resistência à agressão russa. Se, no momento decisivo, aceitar um acordo visto como assimétrico, corre o risco de minar a própria narrativa.
A equação de segurança: OTAN, UE e o futuro da Ucrânia
Qualquer plano de paz duradouro para a Ucrânia passa por uma pergunta incontornável: qual será o seu arranjo de segurança a longo prazo?
Algumas possibilidades em debate no meio diplomático e estratégico incluem:
- Modelo “Israel”: garantias robustas de armamento, financiamento e cooperação militar, sem formalizar um compromisso de defesa mútua como o artigo 5º da OTAN;
- Modelo “Finlândia antes da OTAN”: neutralidade formal ou limitada, mas com forte integração econômica e política ao Ocidente;
- Caminho gradual para a adesão à OTAN: não descartado por muitos na Europa, mas visto com extrema resistência por Moscou e com cautela por alguns aliados.
A União Europeia, por sua vez, já deu passos concretos oferecendo à Ucrânia o estatuto de país candidato à adesão. Isso é importante, mas não resolve o problema militar e de segurança imediata. Por isso, o contra-plano europeu precisa articular economia, segurança e política externa em um pacote coerente.
Dinâmica de poder: quem define os termos da paz?
No fundo, a disputa em torno do plano EUA–Rússia e do contra-plano europeu não é apenas sobre detalhes técnicos de um acordo, mas sobre quem tem a palavra final na definição da paz.
Algumas tensões estruturais ficam evidentes:
- Os Estados Unidos continuam sendo o principal fornecedor de ajuda militar à Ucrânia, o que lhes dá enorme peso político;
- A Europa é a mais diretamente exposta às consequências de longo prazo da guerra – em segurança, energia e estabilidade regional;
- A Ucrânia, que suporta os custos humanos mais altos, luta para não ver seu destino decidido por outras capitais.
A tentativa europeia de formular um contra-plano é, portanto, também uma afirmação de autonomia estratégica: a ideia de que a segurança do continente não pode ser simplesmente um subproduto dos cálculos de Washington e Moscou.
Cenários possíveis para os próximos meses
Diante das movimentações atuais, é possível imaginar alguns cenários:
- Convergência gradual entre o plano EUA–Rússia e o contra-plano europeu
Por meio de negociações discretas, europeus e norte-americanos poderiam alinhar suas posições, aproximando o texto de um acordo que Kyiv possa aceitar sem a sensação de capitulação. Isso exigiria concessões de todos os lados. - Acordo parcial e “conflito congelado”
Se a prioridade for apenas um cessar-fogo rápido, é possível que se chegue a um entendimento que reduza a intensidade dos combates, mas deixe em aberto questões essenciais de território e segurança – o que manteria a instabilidade por anos. - Impasse diplomático e continuação da guerra
Caso os planos sejam incompatíveis e Kyiv rejeite propostas vistas como excessivamente desfavoráveis, a guerra pode prosseguir, com a Rússia tentando ampliar ganhos militares e o Ocidente calibrando até onde está disposto a ir em apoio à Ucrânia.
Conclusão: o teste da unidade europeia
A elaboração de um contra-plano europeu ao acordo EUA–Rússia para a Ucrânia é mais do que um exercício diplomático. É um teste da unidade e da coerência estratégica da União Europeia.
Se o bloco conseguir apresentar uma proposta sólida, que combine apoio real à Ucrânia, salvaguardas de segurança e viabilidade política, poderá reforçar sua posição como ator central na arquitetura de segurança europeia pós-guerra. Se, pelo contrário, se dividir internamente ou aceitar, a contragosto, um arranjo desenhado fora da Europa, corre o risco de legitimar uma paz frágil e de longo prazo instável.
Entre o cansaço da guerra e o medo de uma paz mal construída, os líderes europeus caminham em terreno estreito. O desfecho dessa disputa diplomática dirá muito sobre que tipo de poder a Europa pretende ser: mero espectador das grandes barganhas entre Washington e Moscou, ou protagonista capaz de influenciar o rumo da segurança no seu próprio continente.

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