Europa entre a guerra e a diplomacia: o contra-plano europeu ao acordo EUA–Rússia para a Ucrânia

Militares ucranianos preparam um obuseiro autopropulsado M109A5 para disparar contra tropas russas perto de Pokrovsk, na região de Donetsk, em 21 de novembro de 2025
Militares ucranianos preparam um obuseiro autopropulsado M109A5 para disparar em direção a posições russas perto da cidade de Pokrovsk, na região de Donetsk, em 21 de novembro de 2025. Foto: Anatolii Stepanov/Reuters

A guerra na Ucrânia entrou em uma nova fase delicada. Enquanto a Rússia avança em frentes importantes no leste e no sul do país, representantes de Washington e Moscou trabalham em um plano de paz que provoca desconfiança em capitais europeias. Paralelamente, líderes da União Europeia correm para formular um contra-plano que preserve os interesses de Kyiv e evite a impressão de que o futuro da guerra está sendo decidido às suas costas.

Ao mesmo tempo, os próprios europeus tentam equilibrar a defesa da integridade territorial ucraniana com o cansaço social, econômico e político gerado por um conflito prolongado, caro e de desfecho incerto.

Avanços russos e a pressão do campo de batalha

No terreno, a situação é desfavorável para a Ucrânia. Tropas russas têm obtido ganhos graduais, mas consistentes, em regiões estratégicas como Zaporizhia e na área de Donetsk, incluindo o entorno de Pokrovsk. Esses avanços não significam um colapso imediato das defesas ucranianas, mas reforçam a sensação de que Moscou mantém a iniciativa militar.

Cada quilômetro conquistado pela Rússia tem peso político: quanto mais território controlar, mais forte será sua posição em qualquer mesa de negociação. Isso alimenta receios em Kyiv e em várias capitais europeias de que um plano de paz desenhado sob pressão do campo de batalha possa consolidar, de facto, ganhos territoriais russos.

O plano EUA–Rússia: paz ou congelamento de conflito?

Nos bastidores, diplomatas norte-americanos e russos vêm discutindo um esboço de acordo que, segundo interlocutores europeus, seria visto como demasiadamente favorável a Moscou. Em linhas gerais, o arranjo cogitado incluiria:

  • Reconhecimento tácito de parte das conquistas territoriais russas, pelo menos no curto prazo;
  • Um cessar-fogo com linhas de contato aproximadas da situação atual no front;
  • Algum tipo de compromisso sobre o futuro status da Ucrânia em relação à OTAN, possivelmente afastando, por ora, a perspectiva de adesão plena;
  • Garantias de segurança ambíguas, sem equivaler aos compromissos de defesa mútua que valem para membros da Aliança Atlântica.

Para Washington, o plano teria algumas vantagens:

  • Redução de custos militares e financeiros;
  • Foco em outras prioridades estratégicas;
  • Um “acordo possível” em vez de uma vitória completa, considerada improvável em curto prazo.

Já para muitos na Europa, esse caminho representa o risco de um “conflito congelado” nos moldes da Geórgia ou de outras zonas cinzentas pós-soviéticas: sem guerra total, mas sem paz verdadeira – e com a Rússia mantendo influência e pressão constante sobre a Ucrânia e o leste europeu.

A reação europeia: um contra-plano para não ser coadjuvante

Frente a esse cenário, líderes europeus vêm se movimentando com rapidez. À margem da cúpula do G20 em Joanesburgo, chefes de Estado e de Governo da União Europeia divulgaram uma declaração conjunta reafirmando o apoio à soberania e à integridade territorial da Ucrânia, deixando claro que qualquer solução duradoura deve ser aceitável para Kiev.

Mais do que um gesto simbólico, essa declaração é a base política para um contra-plano europeu, que pretende incluir:

  • Reafirmação da necessidade de respeito às fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia;
  • Compromissos de longo prazo com a reconstrução econômica do país;
  • Garantias de segurança mais concretas, ancoradas em mecanismos europeus e atlânticos;
  • Condicionamento de eventual alívio de sanções à Rússia a passos verificáveis rumo a uma paz justa.

Ao defender esses princípios, a UE tenta evitar dois riscos simultâneos:

  1. Aceitar um acordo visto como imposto de fora, no qual o papel europeu seria meramente periférico;
  2. Ser responsabilizada, interna e externamente, por prolongar a guerra caso rejeite um plano apoiado por Washington.

Alemanha, Trump e o recado de Merz

Nesse contexto, a posição da Alemanha ganha destaque. Em declaração recente, o chanceler alemão Friedrich Merz afirmou ter deixado claro, em uma longa conversa telefônica com Donald Trump, o compromisso da Europa com a Ucrânia.

Esse episódio é simbólico por vários motivos:

  • Mostra que Berlim tenta atuar como ponte entre Washington e o restante da União Europeia, evitando rupturas;
  • Indica que parte da liderança europeia está disposta a confrontar a ideia de um “acordo rápido a qualquer preço”;
  • Expõe as diferenças de abordagem entre uma visão mais transacional da guerra – que busca reduzir custos e encerrar o conflito com concessões – e a visão europeia de que ceder demais agora pode encorajar novos revisionismos no futuro.

Para Merz e outros líderes europeus, um acordo que legitime conquistas territoriais obtidas pela força enviaria um sinal perigoso não apenas à Rússia, mas a outros atores que observam a resposta ocidental a esse tipo de agressão.

Cansaço de guerra x credibilidade estratégica

Apesar da retórica firme, a Europa enfrenta pressões internas significativas. A guerra prolongada trouxe:

  • Custos econômicos elevados, em especial em energia, defesa e reconstrução;
  • Pressão sobre orçamentos nacionais, com governos tentando equilibrar gastos militares e demandas sociais;
  • Crescente fadiga de opinião pública, com parcelas do eleitorado questionando o nível de apoio contínuo a Kyiv.

Essa fadiga é explorada por forças populistas e eurocéticas, que defendem um acordo mais rápido, mesmo com concessões, em nome da “paz” e da “estabilidade económica”.

Ao mesmo tempo, a União Europeia sabe que sua credibilidade estratégica está em jogo. Desde o início da invasão em grande escala, o bloco se apresentou como defensor da ordem internacional baseada em regras, do respeito à soberania e da resistência à agressão russa. Se, no momento decisivo, aceitar um acordo visto como assimétrico, corre o risco de minar a própria narrativa.

A equação de segurança: OTAN, UE e o futuro da Ucrânia

Qualquer plano de paz duradouro para a Ucrânia passa por uma pergunta incontornável: qual será o seu arranjo de segurança a longo prazo?

Algumas possibilidades em debate no meio diplomático e estratégico incluem:

  • Modelo “Israel”: garantias robustas de armamento, financiamento e cooperação militar, sem formalizar um compromisso de defesa mútua como o artigo 5º da OTAN;
  • Modelo “Finlândia antes da OTAN”: neutralidade formal ou limitada, mas com forte integração econômica e política ao Ocidente;
  • Caminho gradual para a adesão à OTAN: não descartado por muitos na Europa, mas visto com extrema resistência por Moscou e com cautela por alguns aliados.

A União Europeia, por sua vez, já deu passos concretos oferecendo à Ucrânia o estatuto de país candidato à adesão. Isso é importante, mas não resolve o problema militar e de segurança imediata. Por isso, o contra-plano europeu precisa articular economia, segurança e política externa em um pacote coerente.

Dinâmica de poder: quem define os termos da paz?

No fundo, a disputa em torno do plano EUA–Rússia e do contra-plano europeu não é apenas sobre detalhes técnicos de um acordo, mas sobre quem tem a palavra final na definição da paz.

Algumas tensões estruturais ficam evidentes:

  • Os Estados Unidos continuam sendo o principal fornecedor de ajuda militar à Ucrânia, o que lhes dá enorme peso político;
  • A Europa é a mais diretamente exposta às consequências de longo prazo da guerra – em segurança, energia e estabilidade regional;
  • A Ucrânia, que suporta os custos humanos mais altos, luta para não ver seu destino decidido por outras capitais.

A tentativa europeia de formular um contra-plano é, portanto, também uma afirmação de autonomia estratégica: a ideia de que a segurança do continente não pode ser simplesmente um subproduto dos cálculos de Washington e Moscou.

Cenários possíveis para os próximos meses

Diante das movimentações atuais, é possível imaginar alguns cenários:

  1. Convergência gradual entre o plano EUA–Rússia e o contra-plano europeu
    Por meio de negociações discretas, europeus e norte-americanos poderiam alinhar suas posições, aproximando o texto de um acordo que Kyiv possa aceitar sem a sensação de capitulação. Isso exigiria concessões de todos os lados.
  2. Acordo parcial e “conflito congelado”
    Se a prioridade for apenas um cessar-fogo rápido, é possível que se chegue a um entendimento que reduza a intensidade dos combates, mas deixe em aberto questões essenciais de território e segurança – o que manteria a instabilidade por anos.
  3. Impasse diplomático e continuação da guerra
    Caso os planos sejam incompatíveis e Kyiv rejeite propostas vistas como excessivamente desfavoráveis, a guerra pode prosseguir, com a Rússia tentando ampliar ganhos militares e o Ocidente calibrando até onde está disposto a ir em apoio à Ucrânia.

Conclusão: o teste da unidade europeia

A elaboração de um contra-plano europeu ao acordo EUA–Rússia para a Ucrânia é mais do que um exercício diplomático. É um teste da unidade e da coerência estratégica da União Europeia.

Se o bloco conseguir apresentar uma proposta sólida, que combine apoio real à Ucrânia, salvaguardas de segurança e viabilidade política, poderá reforçar sua posição como ator central na arquitetura de segurança europeia pós-guerra. Se, pelo contrário, se dividir internamente ou aceitar, a contragosto, um arranjo desenhado fora da Europa, corre o risco de legitimar uma paz frágil e de longo prazo instável.

Entre o cansaço da guerra e o medo de uma paz mal construída, os líderes europeus caminham em terreno estreito. O desfecho dessa disputa diplomática dirá muito sobre que tipo de poder a Europa pretende ser: mero espectador das grandes barganhas entre Washington e Moscou, ou protagonista capaz de influenciar o rumo da segurança no seu próprio continente.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*