Japão aposta alto em novo pacote de estímulo e reacende debate sobre risco fiscal

Primeira-ministra Sanae Takaichi fala sobre o novo pacote de estímulo do governo em 21 de novembro de 2025
A primeira-ministra Sanae Takaichi apresenta e comenta o novo pacote de estímulo econômico do seu governo em 21 de novembro de 2025. Fonte: Gabinete do Primeiro-Ministro do Japão

O governo japonês deu um passo ousado na tentativa de reanimar a terceira maior economia do mundo. A administração da primeira-ministra Sanae Takaichi aprovou um pacote de estímulo de 21,3 trilhões de ienes – cerca de 136 bilhões de dólares – para enfrentar o fraco crescimento, a pressão sobre o consumo e a perda de dinamismo industrial. A iniciativa, porém, reacendeu um debate antigo e sensível em Tóquio: até que ponto o Japão pode continuar expandindo gastos públicos em um cenário de dívida já extremamente elevada?

Enquanto o gabinete vende o plano como um investimento necessário para “proteger o nível de vida” e “garantir o futuro econômico do país”, economistas, opositores e parte do próprio establishment financeiro japonês alertam para o aumento do risco fiscal e para a possibilidade de a conta, mais cedo ou mais tarde, chegar na forma de juros mais altos, pressão sobre o iene e menos margem de manobra no longo prazo.

O que está dentro do pacote de 21,3 trilhões de ienes

O novo pacote de estímulo combina medidas de curto prazo para aliviar o custo de vida com iniciativas estruturais voltadas a competitividade, inovação e segurança econômica. Entre os eixos principais, destacam-se:

  • Apoio ao consumo das famílias:
    • Subsídios temporários para energia e combustíveis, para amortecer o impacto da inflação e da desvalorização cambial sobre o bolso da população.
    • Programas de auxílio a famílias de baixa renda, com foco em alimentação, educação e custos básicos.
  • Incentivos à indústria e à inovação:
    • Apoio financeiro e fiscal para empresas investirem em tecnologia, automação, digitalização e inteligência artificial.
    • Estímulos à relocação de cadeias produtivas consideradas estratégicas, reduzindo dependência excessiva de fornecedores externos, especialmente em setores sensíveis.
  • Investimentos em infraestrutura e resiliência:
    • Projetos de modernização de infraestrutura física e digital, incluindo redes de transporte, energia e conectividade.
    • Medidas para reforçar a segurança energética, a resiliência a desastres naturais e a capacidade de resposta a choques externos.
  • Orçamento suplementar robusto:
    Para viabilizar o pacote, o governo propôs um orçamento suplementar que precisa ainda ser aprovado pelo Parlamento. Ele inclui novos gastos e realocação de recursos, além de mecanismos de financiamento que, na prática, ampliam ainda mais o papel do Estado como motor da economia.

A mensagem do gabinete é clara: em vez de cortar, o governo pretende gastar mais agora para evitar um ciclo vicioso de crescimento anêmico, queda de confiança e desaquecimento prolongado da atividade.

Um velho problema: a dívida pública gigante

O grande ponto de tensão em torno do pacote não está apenas no seu tamanho absoluto, mas no contexto em que ele é lançado. O Japão é um dos países mais endividados do mundo em termos de dívida pública em relação ao PIB, com um nível que já supera com folga 200% da economia nacional.

Por décadas, Tóquio seguiu uma estratégia que combinou:

  • Gastos públicos elevados para sustentar demanda e estabilidade social;
  • Política monetária ultraexpansionista, com juros baixos ou negativos e compra massiva de títulos públicos pelo Banco do Japão;
  • Um ambiente de inflação baixa ou deflacionária, que facilitava a manutenção de juros reduzidos sem pressões inflacionárias explosivas.

Esse modelo permitiu ao país carregar uma dívida gigantesca sem entrar em colapso, mas ao custo de uma dependência crescente de estímulos estatais e de um sistema financeiro acostumado à presença constante do Banco do Japão como comprador de última instância.

O novo pacote reacende a pergunta: até que ponto esse arranjo é sustentável, especialmente em um mundo em que juros ao redor do globo subiram, pressões inflacionárias se tornaram mais frequentes e tensões geopolíticas exigem mais gastos com defesa e segurança?

O equilíbrio delicado entre crescimento e responsabilidade fiscal

Para defensores do plano, o cálculo é simples: o Japão não pode se dar ao luxo de uma recuperação fraca ou de uma recaída em estagnação prolongada. Nessa visão, não agir seria mais arriscado do que expandir os gastos agora.

Alguns argumentos pró-estímulo incluem:

  • A necessidade de proteger o consumo interno, num país com população envelhecida, salários que demoram a reagir e famílias pressionadas pelo custo de vida.
  • A urgência de fortalecer a competitividade industrial em um cenário de disputa tecnológica acirrada, reconfiguração de cadeias de suprimentos e concorrência crescente de outras economias asiáticas.
  • A percepção de que, com a economia global desacelerando e incertezas se acumulando, o Estado precisa atuar como amortecedor para evitar choques mais severos.

Do outro lado, críticos alertam que:

  • Cada novo pacote de estímulo torna mais difícil a futura consolidação fiscal, porque cria gastos que se tornam politicamente difíceis de reverter.
  • A dependência de juros estruturalmente baixos e de compras de títulos pelo Banco do Japão aumenta a vulnerabilidade do sistema a qualquer mudança brusca na política monetária.
  • A confiança dos mercados na capacidade do Japão de gerenciar sua dívida pode ser abalada se não houver, ao menos no horizonte, um plano crível de ajuste.

Em resumo, o governo está fazendo uma aposta de alto risco: usar mais dívida hoje para tentar gerar crescimento e receita no futuro, na esperança de que a economia mais forte facilite, lá na frente, um ajuste menos doloroso.

O papel do Banco do Japão e o fantasma dos juros

Qualquer discussão sobre risco fiscal no Japão esbarra necessariamente no papel do Banco do Japão (BoJ). Nos últimos anos, a autoridade monetária atuou como uma espécie de escudo, mantendo juros muito baixos e comprando grande volume de títulos do governo.

Isso teve dois efeitos principais:

  1. Aliviou os custos imediatos da dívida, permitindo que o governo se financiasse com taxas historicamente baixas;
  2. Criou uma relação simbiótica entre política fiscal e política monetária, na qual o espaço para o BoJ subir juros de forma agressiva é limitado pelo impacto que isso teria sobre os custos de financiamento do Estado.

Com o novo pacote, essa interdependência se aprofunda. Se, por um lado, o estímulo pode ajudar a manter a economia aquecida, por outro ele mantém a pressão sobre o BoJ para não apertar demais as condições monetárias. Um aperto mais forte poderia:

  • Aumentar o custo de rolagem da dívida;
  • Provocar volatilidade no mercado de títulos;
  • Enfraquecer ainda mais a confiança na capacidade de gestão fiscal do país.

O governo Takaichi, portanto, navega em um ambiente em que qualquer movimento em uma ponta (gasto público) precisa ser cuidadosamente calibrado com a outra ponta (política de juros e compras de títulos).

Segurança econômica, geopolítica e estímulo

Outro fator importante por trás do pacote é a dimensão geopolítica e de segurança econômica. O Japão está em um ambiente regional marcado por:

  • Ascensão da China e disputa de influência no Indo-Pacífico;
  • Aumento dos gastos militares de países vizinhos;
  • Reconfiguração de cadeias de produção de tecnologia, semicondutores, defesa e energia.

O estímulo, nesse contexto, não é apenas uma política anticíclica. Ele também é um instrumento para:

  • Fortalecer setores estratégicos da indústria japonesa;
  • Incentivar a produção doméstica de insumos críticos;
  • Apoiar empresas na transição tecnológica e na redução de vulnerabilidades externas.

Ou seja, parte do gasto público é apresentada como investimento em resiliência nacional, o que politicamente ajuda o governo a justificar o aumento do risco fiscal diante de uma população preocupada com segurança e estabilidade.

Reação política e social ao pacote

No plano interno, a reação ao pacote é mista:

  • O governo argumenta que o plano é necessário para proteger o padrão de vida dos japoneses, especialmente diante de uma inflação que, embora moderada comparada a outros países, incomoda um país acostumado à estabilidade de preços.
  • A oposição critica o que chama de “cheque em branco” e cobra transparência sobre o impacto de longo prazo na dívida, defendendo maior seletividade e foco em reformas estruturais em vez de mais gasto corrente.
  • Economistas independentes se dividem entre os que veem o pacote como um “mal necessário” e os que alertam para o risco de acumular problemas para as próximas gerações.

A opinião pública, por sua vez, tende a apoiar medidas que aliviem o custo de vida, mas demonstra preocupação com a sensação de que o país vive há décadas em um estado permanente de exceção econômica, no qual estímulos se sucedem sem romper, de forma decisiva, o ciclo de crescimento fraco.

O que está em jogo para o futuro da economia japonesa

O novo pacote de 21,3 trilhões de ienes é mais do que um número impressionante. Ele é um sinal da estratégia escolhida pela liderança japonesa: enfrentar os desafios de hoje com mais gasto público, esperando que isso compre tempo e traga crescimento suficiente para lidar com a dívida amanhã.

Os principais riscos e oportunidades podem ser resumidos assim:

  • Oportunidade: se bem direcionado, o estímulo pode impulsionar inovação, reforçar setores estratégicos, proteger o consumo e dar fôlego à economia em um momento de incerteza global.
  • Risco: se o impacto sobre o crescimento for modesto e temporário, o país pode acabar com uma dívida ainda maior, com menos espaço para reagir a crises futuras e com mercados mais atentos à sustentabilidade fiscal.

No fundo, o Japão está fazendo uma escolha que muitos outros países avançados também enfrentam, mas em grau mais extremo: até onde é possível usar o Estado como motor permanente da economia sem perder a confiança dos investidores e da própria população?

A resposta não virá de um único pacote, mas da combinação entre resultados concretos – em crescimento, emprego, inovação – e a capacidade do governo de, em algum momento, apresentar um caminho crível de ajuste. Até lá, o país seguirá equilibrando-se na linha tênue entre a necessidade de estímulo e o medo de um futuro em que o peso da dívida limite severamente a liberdade de ação do Estado.

Conclusão

O novo pacote de estímulo de 21,3 trilhões de ienes expõe, com nitidez, o dilema central da economia japonesa: manter o crescimento vivo em uma estrutura fiscal já levada ao limite. Ao optar por mais gastos, o governo tenta proteger o poder de compra das famílias, sustentar a competitividade industrial e reforçar a resiliência do país em um ambiente geopolítico cada vez mais tenso.

Ao mesmo tempo, cada iene adicional colocado no orçamento amplia a sensação de que o Japão vive em um regime permanente de exceção econômica, no qual o Estado precisa, ano após ano, agir como motor principal da atividade. Se o estímulo não se traduzir em ganhos duradouros de produtividade, inovação e confiança, o país corre o risco de apenas empurrar o problema para a frente, com uma dívida ainda maior e menos espaço de manobra no futuro.

O que está em jogo não é apenas a resposta conjuntural a uma fase difícil, mas a credibilidade de longo prazo da estratégia japonesa: usar o poder fiscal e monetário para comprar tempo e tentar moldar, em seus próprios termos, a transição para um novo ciclo de crescimento. O sucesso ou fracasso dessa aposta dirá muito sobre o limite real da política de estímulos em economias avançadas que convivem, ao mesmo tempo, com envelhecimento populacional, competição global mais dura e sociedades cada vez mais avessas a choques dolorosos de ajuste.

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