Israel volta a bombardear subúrbio de Beirute e reacende alerta de escalada com Hezbollah

Pessoas inspecionam prédio danificado após ataque aéreo de Israel contra integrante do Hezbollah em bairro ao sul de Beirute, no Líbano
Pessoas inspecionam um prédio danificado em Beirute, no subúrbio sul da capital libanesa, após o exército israelense afirmar que atingiu um militante do Hezbollah em 23 de novembro de 2025. Foto: Mohamed Azakir/Reuters

Israel realizou no domingo (23) um ataque aéreo contra um prédio em Haret Hreik, subúrbio ao sul de Beirute, no Líbano, região considerada um dos principais redutos do Hezbollah. O bombardeio, que deixou mortos e dezenas de feridos, é visto como um dos episódios mais delicados desde a entrada em vigor do cessar-fogo mediado por Washington no fim de 2024 e reacende o temor de uma escalada regional.

Segundo autoridades libanesas, ao menos cinco pessoas morreram e entre 25 e 28 ficaram feridas na explosão que atingiu o edifício em uma área densamente povoada, onde coexistem escritórios, comércios e residências. O impacto do ataque foi sentido em bairros vizinhos, e equipes de resgate passaram horas removendo escombros e socorrendo vítimas.

Do lado israelense, os militares afirmam que o alvo principal era Haytham (Ali) Tabatabai, identificado como chefe militar ou chefe de Estado-Maior em exercício do Hezbollah. A operação é apresentada por Israel como uma ação de “cirurgia” contra a liderança da organização libanesa, mas o local e o momento escolhido ampliam o peso político e simbólico do ataque.

Haret Hreik volta ao centro do conflito

Haret Hreik, no sul de Beirute, é historicamente conhecido como bastião político e militar do Hezbollah. O bairro abriga escritórios do movimento, centros religiosos, estruturas ligadas ao partido e também edifícios residenciais, o que torna qualquer bombardeio ali especialmente sensível.

Desde a guerra entre Israel e Hezbollah em 2006, o subúrbio sul de Beirute se tornou um símbolo da capacidade de resistência e reconstrução do grupo libanês. Ao mesmo tempo, permanece como um alvo prioritário em caso de escalada das tensões. O fato de este ser o primeiro ataque em meses dentro da capital libanesa – após o cessar-fogo acordado em novembro de 2024 – reforça a percepção de ruptura de um frágil equilíbrio que vinha sendo mantido com confrontos mais concentrados na fronteira sul do Líbano.

Alvo estratégico: quem é Haytham (Ali) Tabatabai

Para Israel, o ataque é justificado pela importância do alvo. Haytham (Ali) Tabatabai é descrito como uma figura de alto escalão na hierarquia militar do Hezbollah, envolvido na coordenação de operações contra Israel e na articulação com aliados regionais.

Ao anunciar a operação, os militares israelenses enfatizam que a ação se insere em uma estratégia mais ampla de neutralizar quadros-chave do que chamam de “rede de ameaças” ligada ao Irã. A morte ou neutralização de um dirigente dessa estatura é vista, pelo comando israelense, como forma de:

  • desarticular a cadeia de comando do Hezbollah;
  • enviar um recado dissuasório ao próprio grupo e a Teerã;
  • mostrar à opinião pública interna que o governo continua agindo de forma ofensiva, mesmo sob a moldura de um cessar-fogo.

Por outro lado, o cálculo estratégico não é isento de riscos. Ao atingir um alvo de alto perfil em pleno subúrbio de Beirute, Israel não apenas pressiona o Hezbollah militarmente, como também o provoca politicamente a responder, sob pena de ser visto como enfraquecido perante sua base social e seus aliados.

Hezbollah fala em “linha vermelha” e acusa violação do cessar-fogo

A reação do Hezbollah veio em tom de forte condenação. O grupo classificou o bombardeio como uma “linha vermelha” cruzada por Israel e denunciou uma clara violação do cessar-fogo em vigor desde o final de 2024. Nas primeiras declarações, porta-vozes da organização acusaram Israel de:

  • tentar ampliar o conflito para além da fronteira sul do Líbano;
  • sabotar esforços diplomáticos que buscam manter a trégua;
  • impor uma “guerra de baixa intensidade” permanente contra o país.

O termo “linha vermelha” não é casual: na retórica de grupos armados e governos da região, ele é utilizado justamente para marcar ações que dificilmente ficarão sem resposta. Isso aumenta a expectativa de algum tipo de retaliação – seja por meio de ataques com foguetes, drones, disparos contra posições israelenses na fronteira ou outras formas de resposta assimétrica.

Israel fala em “resposta às violações” e promete continuar operações

Em contraste com o discurso do Hezbollah, o governo israelense apresenta o ataque como reação às violações do cessar-fogo atribuídas ao próprio grupo libanês. Segundo a narrativa israelense, o Hezbollah vinha testando os limites do acordo com:

  • incidentes na fronteira,
  • movimentação de combatentes e armamentos em áreas próximas a Israel,
  • e ações classificadas por Tel Aviv como ameaças diretas à sua segurança.

Autoridades israelenses reforçam a posição de que o país “continuará atingindo o Hezbollah” sempre que considerar necessário e que não aceitará que o grupo use o cessar-fogo como cobertura para se rearmar ou se reorganizar.

Na prática, o recado é duplo: para o Hezbollah, de que qualquer aumento de capacidade militar será vigiado e possivelmente atacado; e para a população israelense, de que o governo mantém uma postura dura e ativa, mesmo em um período formal de trégua.

Impacto humano e psicológico no Líbano

Além da dimensão militar e política, o ataque tem forte impacto sobre a população libanesa, especialmente em Beirute. Muitas famílias que vivem em Haret Hreik e arredores já passaram por episódios de guerra, bombardeios e crises econômicas sucessivas. A explosão de mais um prédio, com mortos e feridos, reabre traumas recentes e alimenta o sentimento de vulnerabilidade.

Entre os principais efeitos internos no Líbano, destacam-se:

  • Medo de uma nova guerra total entre Israel e Hezbollah, que poderia devastar novamente a infraestrutura do país;
  • Pressão sobre o governo libanês, frequentemente acusado de ser refém da agenda do Hezbollah;
  • Reforço da polarização interna, entre setores que veem o Hezbollah como resistência legítima e outros que o responsabilizam por arrastar o país para conflitos recorrentes.

Em um país já marcado por crise econômica profunda, inflação elevada e serviços públicos fragilizados, o risco de mais instabilidade militar agrava a sensação de colapso iminente.

Risco de escalada regional

O ataque em Beirute não ocorre em isolamento. Ele se insere em uma conjuntura regional mais ampla, em que:

  • o cessar-fogo em Gaza é frequentemente acusado de ser violado por ambas as partes;
  • a fronteira entre Líbano e Israel permanece como um dos pontos mais sensíveis do Oriente Médio;
  • o Irã é constantemente citado como ator-chave no apoio ao Hezbollah e a outros grupos aliados.

Analistas alertam que ações como o bombardeio em Haret Hreik podem:

  1. Ampliar o conflito para além da fronteira, arrastando diversos atores regionais;
  2. Testar a capacidade de mediação dos Estados Unidos, que patrocinaram o cessar-fogo de 2024;
  3. Complicar esforços diplomáticos em curso, inclusive na ONU, para consolidar um arranjo de segurança mais estável entre Israel e Líbano.

Caso o Hezbollah opte por uma resposta contundente – por exemplo, com ataques de maior alcance ou intensidade contra Israel –, o risco de uma nova guerra aberta, semelhante ou até mais grave que a de 2006, volta ao radar.

O cálculo político de Netanyahu e a pressão interna em Israel

Do lado israelense, o ataque também precisa ser entendido dentro da política doméstica. A liderança de Israel, sob um governo que adota postura linha-dura, busca equilibrar diversos fatores:

  • Pressão da opinião pública interna por segurança e firmeza diante de ameaças na fronteira norte;
  • Exigência de resultados concretos na contenção do Hezbollah, visto por muitos israelenses como braço avançado do Irã na região;
  • Críticas internacionais, que apontam para o risco de violação de acordos e de ampliação descontrolada da violência.

Ao autorizar uma operação em pleno subúrbio de Beirute, a mensagem do governo israelense a seus eleitores é de que não haverá “zonas de imunidade” para a liderança do Hezbollah. Ao mesmo tempo, essa escolha eleva o custo político em caso de escalada: se o Líbano mergulhar em uma nova guerra, a própria sociedade israelense sentirá os efeitos em termos de segurança, economia e desgaste diplomático.

Cessar-fogo sob pressão

O episódio de Haret Hreik ilustra como o cessar-fogo firmado em novembro de 2024 vive sob constante tensão. Ainda que não tenha havido até agora uma ruptura formal do acordo, o acúmulo de incidentes e ataques pontuais mina a confiança entre as partes e reduz o espaço de atuação dos mediadores internacionais.

Na prática, o que se vê é:

  • um cessar-fogo fraturado, com períodos de relativa calma intercalados por ataques seletivos;
  • uso de operações cirúrgicas para atingir lideranças e infraestruturas consideradas estratégicas;
  • um jogo de narrativa em que cada lado acusa o outro de ser o verdadeiro responsável pela erosão do acordo.

Se o padrão atual se mantiver, cresce o risco de que uma sucessão de ataques e contra-ataques acabe rompendo de vez a trégua, abrindo caminho para uma nova fase de confronto aberto.

Perspectivas: entre dissuasão e escalada

O ataque israelense em Haret Hreik contra o suposto chefe militar do Hezbollah é um movimento que combina objetivos táticos imediatos e mensagens estratégicas de longo alcance. Israel busca mostrar capacidade de alcançar alvos de alto valor em qualquer lugar, inclusive na capital libanesa, e reforçar a ideia de que o cessar-fogo não significa passividade.

Por outro lado, a reação do Hezbollah e o clima de indignação no Líbano indicam que a operação terá desdobramentos. A forma e a intensidade da resposta do grupo serão decisivas para definir se o episódio ficará registrado como mais um capítulo da guerra de sombras entre os dois inimigos ou como o gatilho para uma nova escalada aberta.

Enquanto isso, a população civil – tanto no Líbano quanto em Israel – permanece no centro da tensão, vivendo entre sirenes, incerteza e o temor de que um ataque como o de hoje seja apenas o início de algo maior.

Conclusão

A conclusão central é que o ataque israelense em Haret Hreik, no subúrbio sul de Beirute, vai muito além de uma simples operação pontual contra um líder do Hezbollah. Ele expõe a fragilidade de um cessar-fogo que, na prática, funciona mais como uma pausa tensa do que como um acordo estável, e recoloca o Líbano e todo o Oriente Médio diante do risco real de uma nova escalada em larga escala.

Ao escolher atingir um alvo de alto escalão em pleno coração político e simbólico do Hezbollah, Israel envia um recado de força e de alcance operacional, mas ao mesmo tempo empurra o adversário para uma encruzilhada: responder de forma contundente, com o perigo de arrastar a região para uma guerra aberta, ou tentar calibrar a reação para não ser visto como enfraquecido diante de sua própria base.

Nesse tabuleiro, o cessar-fogo mediado internacionalmente vai sendo corroído por ataques seletivos, acusações mútuas de violações e uma crescente desconfiança entre as partes. O episódio em Beirute mostra que qualquer cálculo errado – um ataque mais intenso, uma resposta desproporcional, um erro de avaliação política – pode romper de vez a já fina camada de contenção que ainda separa a região de um conflito mais amplo.

Enquanto governos e grupos armados travam essa disputa de dissuasão e demonstrações de força, é a população civil que segue pagando o preço mais alto: em vidas perdidas, feridos, deslocamentos, colapso econômico e um cotidiano marcado pela incerteza. O ataque de hoje, portanto, não é apenas um movimento militar; é mais um sinal de que a paz continua distante e de que a região permanece presa em um ciclo de violência do qual ainda não encontrou uma saída duradoura.

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