Entre a paz e a guerra: o novo capítulo do conflito na Ucrânia e o papel da Europa

Ataque russo em Kiev em 29 de novembro de 2025, com serviços de emergência atuando entre prédios residenciais danificados e focos de incêndio após mísseis e drones atingirem infraestrutura de energia e áreas civis.
Serviços de emergência trabalham em meio a prédios danificados e incêndios em Kiev após um ataque russo com dezenas de mísseis e centenas de drones contra infraestrutura de energia e áreas civis, em 29 de novembro de 2025.

A guerra na Ucrânia continua a moldar o destino da Europa. Mesmo após quase três anos de conflito em larga escala, o continente segue preso a um duplo movimento: de um lado, a escalada militar no campo de batalha; de outro, um esforço diplomático renovado para esboçar algum tipo de paz — ainda distante, mas cada vez mais discutida nos bastidores.

Nos últimos dias, esses dois vetores ficaram particularmente claros: uma delegação ucraniana esteve nos Estados Unidos para discutir um plano de paz apoiado pelo governo Donald Trump, enquanto relatórios militares descrevem novos bombardeios russos e ações de drones ucranianos contra alvos em território controlado por Moscou. O resultado é um cenário em que diplomacia e guerra avançam em paralelo, sem que uma, por enquanto, consiga conter a outra.

O contexto da guerra: um conflito que se prolonga

Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, a guerra na Ucrânia passou por diferentes fases: avanço rápido de tropas russas, resistência ucraniana, contra-ofensivas, estabilização de frentes e guerra de desgaste. Em 2025, o conflito deixou de ser uma “crise aguda” para se tornar uma realidade estrutural da segurança europeia.

Alguns elementos definem o momento atual:

  • Fronteiras fluidas, mas sem grandes viradas: as linhas de frente se movem, mas não há mudanças dramáticas de território em curto espaço de tempo. O que predomina é a disputa por pequenas localidades, vilarejos estratégicos e posições logísticas, ao custo de altas perdas humanas.
  • Guerra de atrito e tecnologia: artilharia pesada, drones de reconhecimento e ataque, mísseis de longo alcance e sistemas de defesa aérea são hoje o “coração” do conflito. A guerra se tornou, em grande medida, um duelo tecnológico e industrial.
  • Cansaço social e político: tanto na Rússia quanto na Ucrânia (e também na Europa) há sinais de fadiga — econômica, social e política. Esse cansaço é um dos fatores que alimenta, por um lado, o desejo de negociação e, por outro, discursos de endurecimento.

É nesse cenário de conflito prolongado que o movimento diplomático recente precisa ser entendido.

A delegação ucraniana nos EUA e o plano de paz apoiado por Trump

A visita da delegação ucraniana aos Estados Unidos, no fim de semana, teve um objetivo central: discutir um plano de paz apoiado pela administração Trump. As conversas foram descritas como “produtivas”, expressão diplomática que costuma indicar, ao mesmo tempo, algum avanço concreto e a decisão de manter o conteúdo em sigilo.

Mesmo sem detalhes oficiais, alguns pontos são plausíveis e ajudam a entender o quadro:

  1. Reconfiguração do papel dos EUA
    Com Donald Trump na presidência, a política externa americana em relação à guerra muda de tom. Em vez de enfatizar exclusivamente o fornecimento militar e a pressão econômica sobre a Rússia, ganha força a retórica de “fazer um acordo” e “acabar com a guerra”.
    Isso não significa um abandono automático da Ucrânia, mas sugere uma pressão maior para que Kiev aceite discutir termos que até pouco tempo eram considerados politicamente inaceitáveis.
  2. Objetivos ucranianos na conversa
    Para a Ucrânia, participar dessas discussões é, ao mesmo tempo:
    • uma necessidade diplomática — os EUA continuam sendo o aliado mais importante, tanto em armas quanto em apoio financeiro;
    • um risco político — qualquer percepção de que o governo ucraniano estaria disposto a “ceder demais” pode gerar forte reação interna, especialmente entre militares e parte da sociedade civil.
  3. Sinalização a Moscou e à Europa
    Ao aceitar dialogar sobre um plano de paz apoiado pelos EUA, Kiev envia mensagens múltiplas:
    • à Rússia: de que está aberta a discutir, mas em um cenário em que os EUA continuam envolvidos;
    • à Europa: de que não quer ser vista como o lado que “recusa a paz”;
    • à opinião pública internacional: de que tenta, pelo menos formalmente, explorar vias diplomáticas.

Moscou no horizonte: o próximo passo das negociações

Os relatos mencionam a expectativa de novos contatos em Moscou nos próximos dias. Isso não significa, necessariamente, uma mesa de negociação formal, mas pode incluir:

  • conversas exploratórias por meio de enviados especiais;
  • encontros discretos em canais diplomáticos tradicionais;
  • uso de intermediários — países ou organizações que funcionam como ponte entre russos, ucranianos e americanos.

A disposição em falar com Moscou, em si, já é significativa. Ela indica que:

  • há um reconhecimento tácito de que a guerra não terá um desfecho rápido exclusivamente militar;
  • existe interesse em testar os limites de uma eventual negociação — quais concessões cada lado estaria disposto a fazer, e em que sequência.

No entanto, há um obstáculo fundamental: as posições declaradas por Kiev e Moscou continuam amplamente incompatíveis. A Ucrânia insiste em sua integridade territorial, enquanto a Rússia considera regiões ocupadas como “parte” de seu território. Qualquer plano de paz terá de enfrentar esse núcleo duro do conflito.

Paralelo ao diálogo: bombardeios, drones e o campo de batalha

Enquanto diplomatas falam, a guerra continua.

Relatos militares recentes apontam:

  • novos bombardeios russos em diferentes frentes, atingindo infraestrutura energética, posições militares e áreas próximas de centros urbanos;
  • operações de drones ucranianos contra ativos russos — tanto em território ocupado quanto em áreas mais distantes, como depósitos de munição, instalações logísticas e eventualmente alvos dentro da própria Rússia.

Esse paralelismo entre negociação e intensificação de ataques não é uma contradição; na prática, é parte da lógica da guerra moderna:

  • cada lado tenta melhorar sua posição no campo de batalha para chegar mais forte a qualquer mesa de negociação futura;
  • o uso de drones, em particular, permite ataques de precisão com menor custo político interno, já que reduz o risco de baixas entre os próprios soldados;
  • a guerra de longo alcance (mísseis, drones, artilharia) serve também como instrumento de pressão psicológica e estratégica.

O resultado é que, quanto mais se fala em “paz”, mais se vê, muitas vezes, um curto aumento de violência — uma espécie de “último empurrão” para tentar alterar o equilíbrio militar antes de qualquer acordo.

O papel da Europa: entre apoio, pressão e preocupação

A Europa olha para esse movimento com uma mistura de esperança e apreensão.

5.1. Esperança em uma saída negociada

Países europeus, especialmente aqueles mais próximos da linha de frente (como Polônia e Estados bálticos), vivem sob constante preocupação de segurança. Outros, como Alemanha, França e Itália, lidam com:

  • impactos econômicos da guerra (energia, inflação, custos com refugiados);
  • desgaste político interno (cansaço com o prolongamento do conflito, debates sobre envio de armas e ajuda financeira).

Uma solução negociada, mesmo que parcial, poderia:

  • reduzir o risco de uma escalada direta entre Rússia e OTAN;
  • aliviar pressões sobre orçamentos públicos;
  • trazer alguma previsibilidade energética e comercial.

5.2. Apreensão com os termos e com o precedente

Ao mesmo tempo, há um temor profundo em várias capitais europeias:

  • que um acordo “rápido” empurre a Ucrânia a fazer concessões duras demais em termos de território e soberania;
  • que isso envie ao mundo o recado de que agressão militar compensa, criando um precedente perigoso para outros conflitos.

Assim, muitos governos europeus defendem duas linhas simultâneas:

  1. Continuar apoiando militar e economicamente a Ucrânia para que ela não chegue fragilizada a eventual negociação;
  2. Participar do debate sobre paz para não deixar que um eventual acordo seja decidido apenas entre Washington e Moscou, com Kiev em posição fraca e a Europa como mera espectadora.

As dificuldades de um plano de paz realista

Falar em plano de paz é sempre mais fácil do que implementá-lo. Alguns dos principais nós a serem desatados incluem:

  1. Território
    • Quem fica com o quê?
    • Como fica o status das regiões ocupadas?
    • Haveria referendos supervisionados internacionalmente ou algum tipo de “congelamento” da situação atual?
  2. Segurança
    • Que garantias de segurança a Ucrânia teria?
    • Haveria um compromisso formal (e crível) de defesa por parte de potências ocidentais?
    • Qual o papel da OTAN? A questão da eventual entrada da Ucrânia na aliança é um dos pontos mais sensíveis para Moscou.
  3. Sanções e reconstrução
    • Em que momento parte das sanções contra a Rússia seria suspensa?
    • Como dividiria a conta da reconstrução da Ucrânia?
    • Existiriam mecanismos para responsabilização por crimes de guerra, sem inviabilizar o próprio acordo?
  4. Política interna em cada lado
    • Qualquer liderança que assine um acordo controverso corre o risco de enfrentar forte reação interna, protestos, crises políticas e, em casos extremos, perda de poder.
    • Por isso, mesmo quando há alguma convergência em conversas de bastidores, transformá-la em tratado formal é um processo lento, cheio de idas e vindas.

Porque a guerra na Ucrânia continua sendo o “centro de gravidade” da Europa

A combinação de ofensiva militar crescente e sinais de movimentação diplomática reforça um fato: a guerra na Ucrânia é, hoje, o principal eixo em torno do qual gira a política europeia.

Ela impacta:

  • Segurança – reposicionamento de tropas, aumento de gastos militares, reforço da OTAN.
  • Economia – energia, inflação, cadeias produtivas, orçamento público.
  • Política interna – crescimento de partidos críticos ao apoio à Ucrânia em alguns países, e fortalecimento de discursos de firmeza em outros.
  • Relações externas – redefinição das relações com Rússia, China e Estados Unidos; busca de maior autonomia estratégica da União Europeia.

Mesmo um eventual avanço diplomático significativo não apagará, de imediato, essas transformações. O continente já entrou em uma nova fase histórica: mais militarizado, mais atento à segurança do seu leste e mais desconfiado de que a ordem internacional pós-Guerra Fria possa garantir paz apenas com instituições e acordos formais.

Perspectivas: o que observar nos próximos meses

A partir dos movimentos recentes, alguns sinais serão decisivos para entender se estamos caminhando para uma negociação real ou apenas para mais uma rodada de declarações:

  1. Retórica oficial
    Mudanças no discurso público de Kiev, Moscou, Washington e capitais europeias serão um termômetro importante. A simples adoção de termos como “cessar-fogo”, “fase transitória” ou “acordo provisório” já indicaria um passo além.
  2. Intensidade dos combates
    Uma queda consistente na intensidade dos ataques — sobretudo contra infraestrutura civil — pode sinalizar preparação para algum tipo de entendimento. O contrário (uma escalada forte) indica que cada lado ainda aposta em ganhos militares antes de negociar.
  3. Formato de negociação
    Se surgirem notícias de conferências multilaterais, fóruns específicos ou grupos de contato envolvendo UE, EUA, Ucrânia, Rússia e outros atores (como Turquia ou países do Sul Global), isso mostrará que o debate deixou o plano das conversas discretas para um canal mais institucional.
  4. Posicionamento da Europa
    A unidade europeia será testada: haverá países mais dispostos a aceitar um acordo rápido, mesmo com concessões maiores, e outros que insistirão em uma posição mais dura em relação à Rússia. Como esse equilíbrio se formará pode definir o peso real da UE na mesa.

Conclusão

O momento atual da guerra na Ucrânia é paradoxal: nunca se falou tanto em paz, ao mesmo tempo em que o campo de batalha segue ativo, com bombardeios e ataques de drones em múltiplas frentes. A visita da delegação ucraniana aos Estados Unidos para discutir um plano de paz apoiado por Trump e a possibilidade de novos contatos em Moscou indicam que as engrenagens diplomáticas voltaram a girar.

Mas a realidade é dura: não há, por enquanto, sinais de que as posições centrais de Kiev e Moscou tenham mudado o suficiente para permitir um acordo rápido. O que existe é um jogo de forças em que diplomacia, pressão militar e interesses políticos internos se entrelaçam.

Para a Europa, essa combinação significa seguir vivendo sob a sombra do conflito: entre a necessidade de apoiar a Ucrânia, o desejo de conter a Rússia e a urgência de encontrar uma saída que não comprometa a segurança futura do continente. A guerra na Ucrânia, portanto, continua sendo não apenas um conflito regional, mas o eixo central da política e da segurança europeias neste início de década.

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