A União Europeia volta a enfrentar um de seus debates mais sensíveis desde o início da guerra na Ucrânia: a possibilidade de utilizar ativos russos congelados — estimados em dezenas de bilhões de euros — para reforçar o apoio financeiro a Kiev. O tema, que volta à agenda política em meio a pressões crescentes pela reconstrução ucraniana e pela continuidade do esforço militar, expõe divisões profundas entre os Estados-membros do bloco.
Uma proposta que ganha força, mas não consenso
A ideia de mobilizar ativos russos congelados reapareceu com intensidade após novos apelos por financiamento emergencial para a Ucrânia. Sob o argumento de que Moscou deve assumir responsabilidade financeira por danos causados pelo conflito, setores da União Europeia defendem que o uso desses recursos é tanto legítimo quanto necessário para manter a estabilidade da Ucrânia.
A proposta prevê duas possibilidades principais:
- Utilização direta dos ativos congelados para financiar o orçamento ucraniano e sua reconstrução;
- Aplicação dos lucros gerados por esses ativos, sem tocar no montante principal, considerado mais seguro do ponto de vista jurídico.
Apesar do impulso político, o cenário dentro da UE é marcado por desacordos significativos — e alguns Estados-membros se posicionam com firmeza contra o avanço da pauta.
Bélgica e outros países expressam preocupações jurídicas e financeiras
Entre os países mais críticos está a Bélgica, que abriga parte dos maiores centros financeiros europeus onde esses ativos estão depositados. O governo belga alega que a medida pode criar precedentes perigosos, abrindo espaço para questionamentos sobre a segurança jurídica de recursos estrangeiros mantidos na Europa.
Os argumentos contrários se concentram em três eixos:
1. Risco jurídico internacional
A apropriação direta de ativos soberanos pode ser interpretada como violação do direito internacional, especialmente se não houver respaldo em decisões multilaterais amplamente reconhecidas.
2. Impacto sobre a confiança financeira
Alguns governos alertam que a medida pode afetar a reputação da UE como um centro seguro para investimentos estrangeiros. Países com grandes volumes de ativos externos podem temer, no futuro, tratamento semelhante em cenários de crise ou tensão diplomática.
3. Possíveis retaliações de Moscou
Outra preocupação é a reação da Rússia, que pode recorrer a tribunais internacionais, impor contramedidas ou explorar o episódio como ferramenta de propaganda geopolítica.
Os defensores: necessidade urgente e responsabilidade de Moscou
Do outro lado do debate, Estados-membros que apoiam o uso dos ativos congelados argumentam que a situação exige coragem política. Para eles, Moscou deve ser responsabilizada pelos custos de destruição, deslocamentos humanos e prejuízos econômicos provocados pelo conflito.
Além disso, destacam que:
- A Ucrânia enfrenta severo déficit orçamentário;
- A ajuda financeira internacional desacelera;
- A reconstrução demandará centenas de bilhões de euros.
Assim, desbloquear os recursos congelados seria um caminho para garantir estabilidade imediata, reduzir pressões sobre o orçamento europeu e enviar um sinal claro de que a UE está comprometida com o futuro de Kiev.
Implicações geopolíticas: Europa entre pressão externa e fragilidade interna
O debate ocorre num momento em que a posição da União Europeia é analisada com atenção por Washington, Moscou, Pequim e outras grandes potências. A forma como o bloco resolverá a questão terá reflexos diretos na sua credibilidade como ator geopolítico.
Analistas observam que:
- Uma decisão favorável ao uso dos ativos fortaleceria a imagem de um bloco assertivo e unido, capaz de impor custos concretos à Rússia.
- O fracasso em aprovar o plano reforçaria a percepção de fragmentação europeia, abrindo espaço para disputas políticas internas e dificuldades na coordenação do apoio à Ucrânia.
A situação se torna ainda mais sensível diante das pressões internas: setores da sociedade europeia questionam o custo econômico da guerra, enquanto partidos populistas tentam capitalizar o desgaste provocado pelo prolongamento do conflito.
O que esperar nos próximos meses
A tendência é que a UE busque uma solução intermediária, como:
- uso somente dos lucros dos ativos, considerado juridicamente mais seguro;
- criação de um fundo específico vinculado à reconstrução ucraniana;
- coordenação mais estreita com países do G7 para reduzir riscos legais.
No entanto, a decisão final vai depender da capacidade dos Estados-membros de superar divergências e alinhar visões estratégicas sobre o futuro da Europa e seu papel na guerra.
Conclusão
O debate sobre o uso de ativos russos congelados revela muito mais do que uma disputa técnica: expõe o desafio estratégico da União Europeia em equilibrar princípios jurídicos, segurança financeira e responsabilidade política diante do maior conflito em solo europeu em décadas.
A decisão, quando vier, moldará não apenas o futuro da Ucrânia, mas também a credibilidade do bloco, sua autonomia estratégica e sua capacidade de agir de forma coordenada em um mundo cada vez mais marcado por tensões geopolíticas.

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