A Comissão Europeia anunciou nesta quinta-feira (9) a abertura de uma investigação interna sobre o comissário europeu Olivér Várhelyi, após alegações de que ele teria estado envolvido em uma operação de espionagem conduzida pelos serviços secretos da Hungria durante seu período como embaixador húngaro em Bruxelas, entre 2015 e 2019.
Contexto e alegações
Segundo investigação jornalística liderada pela ONG húngara Direkt36, em colaboração com Paper Trail Media (Alemanha) e De Tijd (Bélgica), os serviços secretos húngaros teriam tentado recrutar funcionários húngaros que trabalhavam nas instituições da União Europeia para construir uma rede de espionagem. Os agentes se passavam por diplomatas da Representação Permanente da Hungria junto à UE e abordavam funcionários com o objetivo de obter informações sensíveis e influenciar documentos internos da Comissão Europeia.
Dados internos indicam que aproximadamente 20 a 30 funcionários da Comissão Europeia teriam sido abordados pelos agentes húngaros, incluindo pessoal de segurança e setores relacionados à Hungria.
Entre os alvos da operação estariam funcionários que lidavam com questões legais, financeiras e políticas envolvendo a Hungria. Um dos agentes húngaros infiltrados teria acesso direto a arquivos de segurança e dados sensíveis.
Papel de Olivér Várhelyi
Várhelyi, atual Comissário Europeu para Saúde e Bem-estar Animal, foi embaixador da Hungria junto à União Europeia durante o período das alegações. Embora não haja evidências públicas de envolvimento direto de Várhelyi nas atividades de espionagem, sua posição levanta questionamentos sobre seu conhecimento ou possível cumplicidade.
“Mesmo que Várhelyi não tenha sido participante ativo, é importante investigar se ele tinha ciência das operações de inteligência de seu país em Bruxelas”, comenta a analista de política europeia Claudia Meyer, do Centre for European Policy Studies (CEPS).
Durante sua nomeação como comissário em 2019, não havia informações sobre essas alegações. Todos os comissários passam por auditorias de segurança e audiências no Parlamento Europeu antes de assumir o cargo.
Investigação em andamento
A Comissão Europeia iniciou uma investigação interna liderada por Ilkka Salmi, vice-diretor-geral de segurança, para apurar os fatos. O objetivo é proteger o pessoal da Comissão e suas informações de possíveis atividades ilícitas de coleta de dados.
O porta-voz da Comissão declarou:
“Estamos tratando essas alegações com seriedade total e tomando medidas para garantir a segurança de nossos funcionários e documentos sensíveis.”
Implicações políticas e diplomáticas
As alegações têm impactos significativos para a relação UE-Hungria. O governo de Viktor Orbán já enfrenta críticas sobre Estado de direito, liberdade de imprensa e alinhamento geopolítico, especialmente seu histórico de bloqueios a medidas da UE contra a Rússia ou em apoio à Ucrânia.
Especialistas ressaltam que o caso pode ser parte de uma estratégia mais ampla de influência húngara.
- István Szent-Iványi, ex-vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria, descreveu a situação como “escandalosa”, apontando que mostra a visão de alguns setores húngaros de que Comissão e Parlamento Europeu seriam inimigos.
Precedentes similares na UE
Casos de espionagem envolvendo funcionários de instituições europeias não são inéditos:
- Alemanha: Em 2018, houve investigação sobre espionagem industrial relacionada a empresas de tecnologia.
- Bélgica: Em 2020, diplomatas de outro país foram acusados de tentar influenciar decisões da UE.
- França: Serviços de inteligência franceses foram apontados em 2019 por monitoramento não autorizado de funcionários estrangeiros.
Esses antecedentes ajudam a contextualizar a gravidade do caso húngaro e a necessidade de medidas preventivas mais rigorosas.
Contrapontos e objeções
Alguns analistas defendem que a Hungria poderia ter interesses legítimos de proteção nacional, alegando que Estados Unidos e China realizam práticas semelhantes para proteger informações estratégicas.
“A coleta de dados por parte de um país sobre seus próprios cidadãos em instituições internacionais pode ser vista, sob certo ponto de vista, como medida preventiva de segurança”, comenta Jean-Paul Rivière, do Institut Montaigne, França.
Apesar desses argumentos, a prática ainda levanta questões éticas e legais sobre interferência estatal em organismos supranacionais.
Linha do tempo do caso
- 2015–2019: Várhelyi é embaixador húngaro em Bruxelas; denúncias de espionagem surgem posteriormente.
- 2019: Várhelyi é nomeado Comissário Europeu para Saúde e Bem-estar Animal.
- 2024: Investigações jornalísticas iniciam alertas sobre espionagem húngara.
- Setembro 2025: Comissão Europeia avalia preliminarmente as alegações.
- Outubro 2025: Início oficial da investigação interna da Comissão sobre o caso.
Conclusão
A investigação sobre Olivér Várhelyi destaca as tensões persistentes entre soberania nacional e integridade das instituições da União Europeia.
O desfecho poderá influenciar futuras normas de segurança, transparência e controle de informações sensíveis, estabelecendo precedentes importantes para todos os Estados-membros.

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