As relações comerciais entre a União Europeia (UE) e a China atravessam um dos momentos mais delicados da última década. O recente aumento das tensões em torno da exportação de metais raros e semicondutores revela uma disputa muito mais ampla do que simples divergências comerciais — trata-se de uma batalha estratégica por autonomia tecnológica e influência geopolítica em um mundo cada vez mais polarizado.
O novo eixo da disputa: metais raros e chips
Os metais raros, como o gálio, germânio, neodímio e o disprósio, são essenciais para a produção de microchips, turbinas eólicas, veículos elétricos, mísseis guiados e equipamentos de telecomunicações. A China domina cerca de 80% da cadeia global de refino desses elementos, conferindo-lhe uma posição de enorme vantagem estratégica sobre o Ocidente.
A decisão de Pequim de impor restrições à exportação de alguns desses metais foi interpretada em Bruxelas como retaliação direta à crescente intervenção europeia em setores de alta tecnologia. Um exemplo simbólico foi a investigação conduzida pelos Países Baixos e pela Comissão Europeia sobre a empresa Nexperia, de propriedade chinesa, especializada em semicondutores, devido a preocupações de segurança nacional.
Essas medidas europeias — somadas à proibição de empresas chinesas em projetos de infraestrutura crítica — acirraram a tensão e provocaram uma reação imediata de Pequim, que vê as restrições ocidentais como parte de uma “guerra tecnológica” liderada pelos Estados Unidos e apoiada por seus aliados europeus.
A vulnerabilidade tecnológica europeia
A UE reconhece há anos sua dependência excessiva da China em cadeias industriais estratégicas. O Relatório sobre a Resiliência Econômica da UE (2024) já alertava para o risco de interrupções no fornecimento de metais críticos e semicondutores, ressaltando que uma crise nesse setor poderia paralisar indústrias essenciais, como a automotiva, aeroespacial e de defesa.
A guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia também acentuaram a necessidade de autonomia industrial, especialmente após o choque energético de 2022. Agora, a Europa tenta evitar um novo tipo de dependência — desta vez tecnológica.
O Comissário Europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, afirmou recentemente que a UE precisa “tratar semicondutores e minerais críticos com a mesma urgência que tratou o gás natural”, referindo-se aos esforços pós-2022 para reduzir a dependência russa.
A resposta europeia: políticas de resiliência industrial
Em reação, a União Europeia vem acelerando a implementação do European Chips Act, um pacote de €43 bilhões destinado a fortalecer a produção de semicondutores no bloco até 2030. O objetivo é duplicar a participação europeia na fabricação global de chips, passando dos atuais 10% para 20%.
Além disso, Bruxelas lançou a Critical Raw Materials Act, legislação que estabelece metas para garantir que, até 2030, ao menos 10% do processamento de minerais críticos ocorra dentro da UE, com outros 15% provenientes de reciclagem.
No entanto, analistas apontam que esses planos enfrentam desafios significativos: altos custos de produção, prazos longos de implementação e dificuldades para competir com a infraestrutura industrial consolidada da Ásia.
China vê “instrumentos de contenção” disfarçados de política industrial
Do lado chinês, a narrativa é de que a Europa está se alinhando à estratégia norte-americana de contenção tecnológica. O Ministério do Comércio da China acusou a UE de “politizar o comércio” e “prejudicar os princípios da economia de mercado”.
Pequim argumenta que a Europa está adotando medidas discriminatórias, especialmente após a abertura de investigações sobre subsídios estatais chineses a fabricantes de veículos elétricos e painéis solares — setores onde a China tem enorme vantagem competitiva.
Em resposta, o governo chinês reforçou o controle sobre a exportação de gálio e germânio, dois metais essenciais para a indústria de chips e lasers, e sinalizou que pode estender as restrições a outros elementos, o que alarmou fabricantes europeus.
A disputa global por poder tecnológico
Para especialistas, o embate entre a UE e a China é mais do que um conflito comercial — é uma corrida por soberania tecnológica.
Os chips e os metais raros são o “novo petróleo” do século XXI, e controlá-los significa dominar setores-chave da economia global e da defesa.
A Europa tenta equilibrar sua relação com a China — maior parceiro comercial de vários Estados-membros — enquanto mantém alinhamento político com Washington. Essa posição intermediária, contudo, se torna cada vez mais difícil à medida que as rivalidades entre EUA e China se intensificam.
O dilema europeu: segurança ou competitividade
O desafio da UE é encontrar o ponto de equilíbrio entre proteger sua segurança econômica e preservar sua competitividade industrial.
Medidas de restrição e realocação de cadeias produtivas são caras e lentas, enquanto a dependência chinesa ainda é profunda.
Empresas europeias alertam que uma escalada prolongada pode gerar inflação industrial e aumento do custo de produção, impactando desde o preço de carros elétricos até equipamentos eletrônicos de consumo.
Conclusão: uma batalha de longo prazo
As tensões entre a União Europeia e a China não devem se dissipar em curto prazo.
Mais do que uma disputa comercial, elas refletem a redefinição das relações globais de poder — em que tecnologia, segurança e recursos críticos se tornaram o novo campo de batalha econômico e geopolítico.
Enquanto a China usa seu domínio sobre os metais raros como ferramenta de influência, a Europa tenta correr contra o tempo para construir autonomia tecnológica, mas enfrenta o desafio de fazê-lo sem romper com um dos seus principais parceiros comerciais.

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