A eleição presidencial realizada em 25 de outubro de 2025 na Costa do Marfim trouxe à tona tensões históricas e desafios contemporâneos que moldam o cenário político do país. O pleito, marcado pela expectativa em torno do quarto mandato do presidente Alassane Ouattara, refletiu não apenas a continuidade de um projeto de governo, mas também questões sensíveis sobre democracia, representatividade e estabilidade institucional. Com um resultado provisório apontando para uma vitória esmagadora, a eleição reacende o debate sobre o equilíbrio entre crescimento econômico e pluralismo político, enquanto o país se posiciona como um ator estratégico na África Ocidental e na geopolítica regional.
Contexto e panorama eleitoral
No dia 25 de outubro de 2025, a Costa do Marfim realizou eleições presidenciais que, segundo resultados provisórios divulgados em 27 de outubro pela Comissão Eleitoral Independente (CIE), reelegeram Alassane Ouattara com aproximadamente 89,77% dos votos. O presidente, de 83 anos, líder desde 2011, foi confirmado para um quarto mandato consecutivo, o que é raro no país e no contexto da África Ocidental.
A taxa de participação foi estimada em cerca de 50% do eleitorado registrado — significativamente inferior aos níveis históricos da Costa do Marfim. O pleito ocorreu em um contexto de tensões prévias: dois dos principais adversários, Laurent Gbagbo e Tidjane Thiam, foram impedidos de concorrer — o primeiro por condenação judicial, o segundo por alegada dupla nacionalidade.
Resultados principais e dinâmica eleitoral
- Ouattara venceu com cerca de 89,77% dos votos.
- Seu adversário mais próximo, Jean‑Louis Billon, obteve aproximadamente 3%.
- Ex‑primeira‑dama Simone Gbagbo teve cerca de 2,4% do total.
- A baixa participação, em especial nas zonas urbanas como Abidjan, contribuiu para a fácil vitória e também levantou questionamentos sobre legitimidade.
Análise crítica: avanços, desafios e inquietações
Avanços plausíveis
- Sob Ouattara, a Costa do Marfim experimentou um notável crescimento econômico e um relativo retorno à estabilidade após as graves crises pós‑eleitorais de 2010.
- O resultado em si — realizado de modo mais calmo do que em eleições anteriores — sugere uma progressão no processo eleitoral comparado ao passado tumultuado.
Desafios e ressalvas democráticas
- A exclusão de principais opositores e a concentração de poder levantam sérias dúvidas sobre pluralismo e competitividade eleitoral.
- A alta porcentagem de votos para o vencedor, num eleitorado com apenas ~50 % de participação, abre discussão sobre a representatividade do mandato. A participação reduzida pode indicar desinteresse, descrença ou boicote.
- A ausência de um plano claro de sucessão política no partido de governo (Rally of Houphouëtists for Democracy and Peace (RHDP)) gera riscos de instabilidade futura. Especialistas já apontam que a Costa do Marfim, em certos aspectos, se aproxima dos padrões de “transmissão complicada de poder” que marcaram crises anteriores.
Implicações regionais e geopolíticas
- A Costa do Marfim permanece um importante aliado econômico e geopolítico da França, com fortes laços de investimento e diplomáticos. A reeleição de Ouattara reforça essa aliança — embora com alguma crítica pública ao neocolonialismo francês.
- Em um momento de crescente instabilidade no Sahel (Mali, Burkina Faso, Níger), a estabilidade política relativamente mantida em Abidjan é vista como um “porto seguro”, o que valoriza o país regionalmente.
- Por outro lado, a tendência de líderes africanos prolongarem mandatos, ajustando constituições ou manipulando mecanismos de poder, preocupa observadores internacionais no que diz respeito à saúde democrática no continente.
O que vem a seguir? Cenários para o mandato e riscos
- Continuidade de políticas de infraestrutura e crescimento: Espera‑se que Ouattara aposte em manutenção da estabilidade macroeconômica, atração de investimento estrangeiro e reforço da infraestrutura — elementos centrais de seu legado até aqui.
- Pressão por inclusão e reformas políticas: A oposição e a sociedade civil poderão intensificar pressão por eleições locais mais livres, maior autonomia dos meios de comunicação e redução da centralização do poder.
- Transição de poder como desafio estrutural: Com o mandatário já com 83 anos, a questão de quem assumirá o protagonismo dentro do RHDP e do país após 2030 se torna central — sem uma sucessão clara, há risco de vácuo de autoridade.
- Legitimidade e coesão social sob teste: Se o governo não responder às queixas — desemprego juvenil, desigualdade, padrão de vida —, poderá surgir ressentimento que mina a coesão interna e fragiliza o “pacto de estabilidade”.
- Fiscalização internacional e reputação democrática: A comunidade internacional e organismos de acompanhamento de eleições poderão manter o foco na Costa do Marfim, com implicações para acesso ao financiamento externo e à parceria estratégica.
Conclusão
A reeleição de Alassane Ouattara para um quarto mandato na Costa do Marfim representa um marco significativo — tanto em termos de continuidade e ordenamento político, quanto em desafios democráticos emergentes. Por um lado, o país desfruta de estabilidade e crescimento que muitos países da região invejariam. Por outro, o triunfo folgado, a participação modesta e a exclusão de adversários denunciam fragilidades institucionais que não devem ser ignoradas.
Para a comunidade jornalística e de análise geopolítica, este pleito coloca em relevo o velho dilema: pode haver “estabilidade sem democracia plena”? E se sim — por quanto tempo ela será sustentável? O mandato que se inicia, portanto, merece atenção — não apenas pelo vencedor e pelos números, mas pela forma como o poder será exercido, distribuído e, eventualmente, passado adiante.

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