Nesta semana, no contexto da cúpula da Asia‑Pacific Economic Cooperation (APEC) realizada na cidade de Gyeongju, na Coreia do Sul, os líderes da Coreia do Sul e do Japão deram sinais claros de uma guinada nas suas relações bilaterais. O presidente sul‑coreano Lee Jae‑myung e a primeira‑ministra japonesa Sanae Takaichi afirmaram que irão reforçar os laços diplomáticos, econômicos e estratégicos entre os dois países.
Este movimento assume importância especial num momento de crescente competição geopolítica no leste asiático — com pressões provenientes de potências como a China, tensões com a Coreia do Norte e transformações na arquitetura de comércio global.
Panorama histórico e fatores de motivação
Relações históricas entre Coreia do Sul e Japão
A relação entre Coreia do Sul e Japão sempre foi marcada por um misto de cooperação econômica intensa e disputas históricas. A colonização japonesa da Península Coreana (1910‑1945) deixou feridas políticas e simbólicas que reverberam até hoje, incluindo disputas sobre bens de guerra, “mulheres de conforto” e interpretação da história escolar. Apesar disso, ambos os países foram aliados estratégicos dos Estados Unidos desde a Guerra Fria, partilhando interesses em segurança (notadamente diante da Coreia do Norte) e cadeias de abastecimento global. No entanto, mesmo com essa base comum, numerosos episódios — como visitas controversas a memoriais de guerra no Japão — dificultaram uma “reconciliação autêntica” por décadas.
Pressões e motivações para um novo alinhamento
Diversos fatores estimulam agora essa nova aproximação entre Seul e Tóquio:
- Mudanças no ambiente geopolítico regional: O fortalecimento militar da China, os testes nucleares e de mísseis da Coreia do Norte e a volatilidade no comércio internacional exigem que ambos os países ajustem suas estratégias de cooperação.
- Economia e cadeias de suprimentos: Como economias altamente integradas às cadeias globais de valor (incluindo semicondutores, automóveis e tecnologia), Coreia do Sul e Japão percebem vantagens em alinhamento mais estreito, reduzindo dependência externa e diversificando mercados.
- Pressão dos EUA e da comunidade internacional: A administração do Donald Trump nos EUA tem sido mais transacional e menos “automaticamente” vinculada aos aliados tradicionais, o que empurra Seul e Tóquio a buscar uma maior coordenação independente.
- Desejo político interno: Com lideranças relativamente novas — Lee desde meados de 2025 e Takaichi assumindo como primeira‑ministra no Japão desde 21 de outubro de 2025 — há oportunidade política para “resetar” ou avançar as relações bilaterais num novo patamar.
O encontro na APEC: principais declarações e compromissos
Durante a reunião de 30 de outubro de 2025 nos bastidores da APEC, Lee e Takaichi destacaram que “é mais importante do que nunca fortalecer os laços bilaterais”, face ao ambiente de comércio internacional. A seguir, alguns dos pontos mais relevantes:
- Lee afirmou que “muito em comum existe entre nossos países no atual ambiente de comércio” e que a cooperação será intensificada.
- Takaichi, por sua vez, expressou que uma abordagem “orientada para o futuro” na relação Japão‑Coreia do Sul trará benefícios mútuos para ambas as nações.
- Embora não tenham sido divulgados detalhes minuciosos de acordos concretos nesse momento, o fato de o encontro ocorrer numa cúpula multilateral sugere que o avanço será gradual — com foco em agenda econômica, tecnológica e de segurança.
Análise dos eixos estratégicos de cooperação
Comércio e economia
A integração econômica entre Japão e Coreia do Sul será provavelmente reforçada em termos de:
- Mitigação de riscos em cadeias de suprimentos: ambas dependem de componentes estratégicos e enfrentam ameaças de interrupção — por exemplo, por guerras ou sanções.
- Projetos conjuntos em tecnologia de ponta: semicondutores, baterias, inteligência artificial e veículos elétricos podem se tornar áreas‑chave de cooperação.
- Diversificação de mercados: com tensões comerciais envolvendo China e Estados Unidos, os dois países podem explorar conjuntamente novos polos de crescimento (Sudeste Asiático, Índia, África).
Segurança e diplomacia regional
- A coreia do Norte continua a testar mísseis balísticos e a desenvolver armas nucleares, e ambos os países mantêm interesses em estabilidade na Península. Um alinhamento mais forte ajuda nas negociações trilaterais com os EUA.
- Presença chinesa no Mar do Leste da China e no Mar da China Meridional representa um alerta para Japão e Coreia do Sul. Juntos, podem coordenar melhor políticas marítimas, cibersegurança e defesa.
- Em um contexto em que os EUA esperam maior protagonismo dos aliados, Japão e Coreia do Sul podem assumir uma postura de “pivot” entre Washington e Pequim — garantindo maior autonomia diplomática.
Relações históricas e sociais
- A cooperação renovada não apaga automaticamente as tensões do passado, mas uma parceria mais pragmática permite que disputas simbólicas sejam geridas de maneira menos confrontacional.
- Projetos de trocas culturais, turismo, educação e juventude entre os dois países também podem ganhar impulso — o que ajuda a fortalecer o “capital de confiança” na sociedade civil.
Riscos e desafios no cenário
Apesar do otimismo, há diversos obstáculos que podem limitar o impacto imediato desta aproximação:
- A relação ainda depende de como questões históricas — como compensações às “mulheres de conforto” e disputas de ilhas — serão tratadas. Se surgirem polêmicas, o progresso poderá estagnar.
- A volatilidade política japonesa: Takaichi lidera um governo com coalização recente e enfrenta desafios domésticos significativos. Se for fragilizada internamente, poderá haver recuo na diplomacia externa.
- Diferenças estratégicas persistentes: Embora haja cooperação, Japão e Coreia do Sul podem ter visões divergentes sobre como lidar com a China ou com a Coreia do Norte.
- Dependência de terceiros: A cooperação avançará também conforme a relação com os EUA, China e demais integrantes da região evoluir — não é uma aliança isolada.
Implicações para o Brasil, América Latina e o mundo
Embora a aliança Japão‑Coreia do Sul pareça distante do Brasil, há implicações indiretas relevantes:
- O fortalecimento de cadeias de suprimentos asiáticas pode afetar o mercado brasileiro de commodities, matérias‑primas e insumos tecnológicos.
- Uma Ásia mais unida e estável tende a levar a uma maior demanda por produtos agrícolas, minerais e energia — o que beneficia exportações brasileiras.
- Do ponto de vista geopolítico, o alinhamento ajuda a consolidar a Ásia‑Pacífico como um eixo autônomo de poder, o que desafia estruturas tradicionais lideradas pelas potências ocidentais.
- Para a imprensa e os observadores de geopolítica (tema de interesse do seu site), este tipo de evento demonstra um movimento de cooperação pragmática entre antigos rivais — que vale acompanhar como padrão.
Conclusão
O encontro entre Lee Jae‑myung e Sanae Takaichi na APEC marca uma virada significativa nas relações entre Coreia do Sul e Japão: não apenas pela declaração em si, mas pelo contexto e pelas motivações subjacentes. A articulação se dá num momento de reconfiguração global — da economia, da tecnologia, da segurança — e mostra que países com históricos tensos podem buscar cooperação estruturada quando seus interesses convergem.
Porém, o sucesso desta retomada dependerá tanto de ações concretas no campo econômico e diplomático quanto de como as lideranças irão gerenciar os legados históricos e as pressões domésticas. Para o observador de geopolítica, esse movimento representa tanto uma oportunidade de estabilidade regional quanto um “experimento” de alinhamento entre aliados tradicionais diante de novos desafios globais.

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