Japão e Coreia do Sul fortalecem laços durante cúpula da APEC

Primeira-ministra japonesa Sanae Takaichi caminhando pelo tapete vermelho, recebida por soldados durante sua chegada à Coreia do Sul para a cúpula da APEC 2025.
A primeira-ministra do Japão, Sanae Takaichi, é recebida oficialmente com honras militares e tapete vermelho ao chegar na Coreia do Sul para participar da cúpula da APEC 2025.

Nesta semana, no contexto da cúpula da Asia‑Pacific Economic Cooperation (APEC) realizada na cidade de Gyeongju, na Coreia do Sul, os líderes da Coreia do Sul e do Japão deram sinais claros de uma guinada nas suas relações bilaterais. O presidente sul‑coreano Lee Jae‑myung e a primeira‑ministra japonesa Sanae Takaichi afirmaram que irão reforçar os laços diplomáticos, econômicos e estratégicos entre os dois países.
Este movimento assume importância especial num momento de crescente competição geopolítica no leste asiático — com pressões provenientes de potências como a China, tensões com a Coreia do Norte e transformações na arquitetura de comércio global.

Panorama histórico e fatores de motivação

Relações históricas entre Coreia do Sul e Japão

A relação entre Coreia do Sul e Japão sempre foi marcada por um misto de cooperação econômica intensa e disputas históricas. A colonização japonesa da Península Coreana (1910‑1945) deixou feridas políticas e simbólicas que reverberam até hoje, incluindo disputas sobre bens de guerra, “mulheres de conforto” e interpretação da história escolar. Apesar disso, ambos os países foram aliados estratégicos dos Estados Unidos desde a Guerra Fria, partilhando interesses em segurança (notadamente diante da Coreia do Norte) e cadeias de abastecimento global. No entanto, mesmo com essa base comum, numerosos episódios — como visitas controversas a memoriais de guerra no Japão — dificultaram uma “reconciliação autêntica” por décadas.

Pressões e motivações para um novo alinhamento

Diversos fatores estimulam agora essa nova aproximação entre Seul e Tóquio:

  • Mudanças no ambiente geopolítico regional: O fortalecimento militar da China, os testes nucleares e de mísseis da Coreia do Norte e a volatilidade no comércio internacional exigem que ambos os países ajustem suas estratégias de cooperação.
  • Economia e cadeias de suprimentos: Como economias altamente integradas às cadeias globais de valor (incluindo semicondutores, automóveis e tecnologia), Coreia do Sul e Japão percebem vantagens em alinhamento mais estreito, reduzindo dependência externa e diversificando mercados.
  • Pressão dos EUA e da comunidade internacional: A administração do Donald Trump nos EUA tem sido mais transacional e menos “automaticamente” vinculada aos aliados tradicionais, o que empurra Seul e Tóquio a buscar uma maior coordenação independente.
  • Desejo político interno: Com lideranças relativamente novas — Lee desde meados de 2025 e Takaichi assumindo como primeira‑ministra no Japão desde 21 de outubro de 2025 — há oportunidade política para “resetar” ou avançar as relações bilaterais num novo patamar.

O encontro na APEC: principais declarações e compromissos

Durante a reunião de 30 de outubro de 2025 nos bastidores da APEC, Lee e Takaichi destacaram que “é mais importante do que nunca fortalecer os laços bilaterais”, face ao ambiente de comércio internacional. A seguir, alguns dos pontos mais relevantes:

  • Lee afirmou que “muito em comum existe entre nossos países no atual ambiente de comércio” e que a cooperação será intensificada.
  • Takaichi, por sua vez, expressou que uma abordagem “orientada para o futuro” na relação Japão‑Coreia do Sul trará benefícios mútuos para ambas as nações.
  • Embora não tenham sido divulgados detalhes minuciosos de acordos concretos nesse momento, o fato de o encontro ocorrer numa cúpula multilateral sugere que o avanço será gradual — com foco em agenda econômica, tecnológica e de segurança.

Análise dos eixos estratégicos de cooperação

Comércio e economia

A integração econômica entre Japão e Coreia do Sul será provavelmente reforçada em termos de:

  • Mitigação de riscos em cadeias de suprimentos: ambas dependem de componentes estratégicos e enfrentam ameaças de interrupção — por exemplo, por guerras ou sanções.
  • Projetos conjuntos em tecnologia de ponta: semicondutores, baterias, inteligência artificial e veículos elétricos podem se tornar áreas‑chave de cooperação.
  • Diversificação de mercados: com tensões comerciais envolvendo China e Estados Unidos, os dois países podem explorar conjuntamente novos polos de crescimento (Sudeste Asiático, Índia, África).

Segurança e diplomacia regional

  • A coreia do Norte continua a testar mísseis balísticos e a desenvolver armas nucleares, e ambos os países mantêm interesses em estabilidade na Península. Um alinhamento mais forte ajuda nas negociações trilaterais com os EUA.
  • Presença chinesa no Mar do Leste da China e no Mar da China Meridional representa um alerta para Japão e Coreia do Sul. Juntos, podem coordenar melhor políticas marítimas, cibersegurança e defesa.
  • Em um contexto em que os EUA esperam maior protagonismo dos aliados, Japão e Coreia do Sul podem assumir uma postura de “pivot” entre Washington e Pequim — garantindo maior autonomia diplomática.

Relações históricas e sociais

  • A cooperação renovada não apaga automaticamente as tensões do passado, mas uma parceria mais pragmática permite que disputas simbólicas sejam geridas de maneira menos confrontacional.
  • Projetos de trocas culturais, turismo, educação e juventude entre os dois países também podem ganhar impulso — o que ajuda a fortalecer o “capital de confiança” na sociedade civil.

Riscos e desafios no cenário

Apesar do otimismo, há diversos obstáculos que podem limitar o impacto imediato desta aproximação:

  • A relação ainda depende de como questões históricas — como compensações às “mulheres de conforto” e disputas de ilhas — serão tratadas. Se surgirem polêmicas, o progresso poderá estagnar.
  • A volatilidade política japonesa: Takaichi lidera um governo com coalização recente e enfrenta desafios domésticos significativos. Se for fragilizada internamente, poderá haver recuo na diplomacia externa.
  • Diferenças estratégicas persistentes: Embora haja cooperação, Japão e Coreia do Sul podem ter visões divergentes sobre como lidar com a China ou com a Coreia do Norte.
  • Dependência de terceiros: A cooperação avançará também conforme a relação com os EUA, China e demais integrantes da região evoluir — não é uma aliança isolada.

Implicações para o Brasil, América Latina e o mundo

Embora a aliança Japão‑Coreia do Sul pareça distante do Brasil, há implicações indiretas relevantes:

  • O fortalecimento de cadeias de suprimentos asiáticas pode afetar o mercado brasileiro de commodities, matérias‑primas e insumos tecnológicos.
  • Uma Ásia mais unida e estável tende a levar a uma maior demanda por produtos agrícolas, minerais e energia — o que beneficia exportações brasileiras.
  • Do ponto de vista geopolítico, o alinhamento ajuda a consolidar a Ásia‑Pacífico como um eixo autônomo de poder, o que desafia estruturas tradicionais lideradas pelas potências ocidentais.
  • Para a imprensa e os observadores de geopolítica (tema de interesse do seu site), este tipo de evento demonstra um movimento de cooperação pragmática entre antigos rivais — que vale acompanhar como padrão.

Conclusão

O encontro entre Lee Jae‑myung e Sanae Takaichi na APEC marca uma virada significativa nas relações entre Coreia do Sul e Japão: não apenas pela declaração em si, mas pelo contexto e pelas motivações subjacentes. A articulação se dá num momento de reconfiguração global — da economia, da tecnologia, da segurança — e mostra que países com históricos tensos podem buscar cooperação estruturada quando seus interesses convergem.

Porém, o sucesso desta retomada dependerá tanto de ações concretas no campo econômico e diplomático quanto de como as lideranças irão gerenciar os legados históricos e as pressões domésticas. Para o observador de geopolítica, esse movimento representa tanto uma oportunidade de estabilidade regional quanto um “experimento” de alinhamento entre aliados tradicionais diante de novos desafios globais.

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