Pequim e Taipé voltam a se enfrentar no campo diplomático após Taiwan expressar preocupações com a segurança de seus representantes durante o fórum econômico da APEC, previsto para ocorrer em Shenzhen, na China, em 2026.
Contexto: o APEC e a disputa por legitimidade
O Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC) é um dos principais fóruns econômicos do mundo, reunindo 21 economias da região Ásia-Pacífico, incluindo China, Estados Unidos, Japão e economias do Sudeste Asiático. Embora não seja uma organização política, o APEC serve como espaço estratégico para a cooperação comercial, a integração regional e o diálogo diplomático entre potências rivais.
Desde sua criação, em 1989, a participação de Taiwan sempre foi um tema sensível. Por pressão de Pequim, o território participa sob o nome de “Chinese Taipei”, evitando qualquer conotação de soberania. Essa designação é fruto do princípio de “Uma Só China”, segundo o qual o governo chinês considera Taiwan uma província rebelde que deve, eventualmente, ser reunificada ao território continental.
As preocupações de Taiwan
Em novembro de 2025, autoridades taiwanesas levantaram preocupações sobre a segurança de seus representantes durante a cúpula do APEC de 2026, que será sediada pela China continental, na cidade de Shenzhen — centro tecnológico próximo a Hong Kong.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores de Taiwan, há receios de que delegações taiwanesas possam ser vigiadas, intimidadas ou sofrer restrições de movimento em território chinês. Além disso, analistas em Taipé alertam para a possibilidade de uso político do evento por parte de Pequim, que busca projetar uma imagem de estabilidade e controle sobre temas sensíveis, especialmente após anos de tensões militares no Estreito de Taiwan.
Fontes ligadas ao governo taiwanês afirmaram que a ilha não se opõe à cooperação regional, mas insiste que “a segurança, dignidade e igualdade dos participantes” devem ser garantidas — uma mensagem interpretada como resposta direta às recentes medidas de endurecimento da política chinesa sobre Hong Kong e Macau.
A resposta da China
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China classificou as preocupações de Taiwan como “infundadas e politicamente motivadas”, reafirmando que Pequim cumprirá todas as normas e protocolos da APEC durante a organização do evento.
Em tom firme, o porta-voz reforçou que “a participação de Taiwan será conduzida conforme o princípio de Uma Só China”, reiterando que a ilha não possui status de Estado soberano e que sua presença em fóruns internacionais deve ser tratada “em conformidade com os arranjos estabelecidos desde 1991”.
A declaração reflete uma estratégia mais ampla do governo de Xi Jinping, que busca limitar o espaço internacional de Taiwan enquanto amplia sua influência em instituições regionais, como a APEC e a Organização de Cooperação de Xangai.
Um palco de tensões regionais
O APEC 2026 em Shenzhen promete ser um dos fóruns mais politicamente carregados dos últimos anos. Além da questão taiwanesa, espera-se que temas como a rivalidade comercial entre China e Estados Unidos, a transição energética e as cadeias globais de semicondutores estejam no centro das discussões.
Para Taiwan, a presença na APEC é uma das poucas oportunidades de participar de eventos multilaterais de alto nível. Em encontros anteriores, seus representantes já se reuniram com líderes de peso, incluindo enviados norte-americanos — o que irrita regularmente Pequim.
Segundo analistas do Instituto Lowy (Austrália), a segurança dos delegados taiwaneses será um teste importante para a China demonstrar se consegue conciliar liderança econômica com responsabilidade diplomática.
Impactos geopolíticos e o equilíbrio regional
O episódio revela o dilema de equilíbrio que domina a região Ásia-Pacífico: enquanto países buscam aproveitar os benefícios econômicos da cooperação com a China, continuam preocupados com sua postura assertiva em temas de soberania e segurança.
Especialistas apontam que a reação de Washington será determinante. O governo de Donald Trump já declarou apoio à “participação significativa” de Taiwan em fóruns internacionais, o que pode gerar novo atrito entre EUA e China às vésperas da cúpula.
Além disso, o local do evento, Shenzhen, carrega um simbolismo próprio: é o centro da inovação tecnológica chinesa, mas também uma cidade sob rígido controle político — o que alimenta as preocupações taiwanesas quanto à vigilância e à liberdade de expressão.
Perspectivas
Com pouco mais de um ano até o APEC 2026, o impasse entre China e Taiwan ilustra como a diplomacia econômica da região está profundamente entrelaçada com disputas identitárias e estratégicas.
Enquanto Pequim tenta usar o fórum para reafirmar sua liderança regional, Taiwan vê na APEC uma chance de reafirmar sua autonomia e construir pontes com economias democráticas do Pacífico.
A cúpula de Shenzhen poderá, assim, se transformar não apenas em um encontro econômico, mas em um palco simbólico da disputa pelo futuro da ordem regional na Ásia-Pacífico.
Conclusão
A disputa diplomática em torno do APEC 2026 é mais do que uma divergência protocolar — ela reflete a luta pelo reconhecimento e influência em uma região que se tornou o epicentro da política global.
Para Pequim, sediar o fórum representa uma oportunidade de reafirmar sua posição como potência central do Pacífico e demonstrar capacidade de liderança global. Para Taiwan, trata-se de uma chance de reafirmar sua identidade e presença internacional, mesmo sob a sombra de pressões políticas e militares.
O resultado dessa disputa poderá definir o tom das relações sino-taiwanesas nos próximos anos, além de influenciar o equilíbrio diplomático entre as principais potências da Ásia.
Enquanto o mundo observa, o APEC de Shenzhen promete ser não apenas um evento econômico, mas um marco geopolítico na redefinição das fronteiras de poder e legitimidade no século XXI.

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