Europa condiciona novo pacote de ajuda à Ucrânia ao combate rigoroso à corrupção

Volodymyr Zelensky participa de reunião de segurança com líderes militares em Zaporizhzhia, 13 de novembro de 2025.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, durante reunião de segurança com o comando militar na região de Zaporizhzhia, em 13 de novembro de 2025.

A Alemanha e outros países da União Europeia (UE) defenderam nesta quinta-feira que o governo ucraniano deve aprofundar o combate à corrupção antes de receber novos pacotes de financiamento internacional. A declaração foi feita pelo chanceler alemão Friedrich Merz, após encontro com o presidente Volodymyr Zelensky, em meio às discussões em Bruxelas sobre um empréstimo de cerca de €140 bilhões à Ucrânia — valor que seria parcialmente financiado com ativos russos congelados desde o início da guerra.

Pressão europeia por reformas internas em Kiev

Merz afirmou que “a Ucrânia precisa prosseguir vigorosamente no combate à corrupção”, enfatizando que a boa governança e a transparência são condições fundamentais para a liberação de novas ajudas financeiras.
A declaração reflete um sentimento crescente entre líderes europeus, que veem o avanço das reformas internas em Kiev como um pré-requisito para a continuidade do apoio político e econômico ao país.

O chanceler destacou que o esforço ucraniano em resistir à invasão russa é “admirável”, mas advertiu que “a vitória militar deve vir acompanhada de uma vitória institucional e moral dentro do Estado”. Segundo ele, os aliados europeus estão comprometidos com o apoio à Ucrânia, mas “não a qualquer custo”.

A posição da Alemanha ocorre em um momento delicado, em que escândalos de corrupção recentes abalaram a confiança internacional no governo ucraniano — incluindo a renúncia da ministra da Energia, Svitlana Hrynchuk, e suspeitas envolvendo contratos públicos de alto valor.

Um pacote financeiro sem precedentes

Os ministros das finanças da União Europeia discutem em Bruxelas a criação de um mecanismo de financiamento de longo prazo para a reconstrução e estabilidade econômica da Ucrânia. O plano prevê o uso de cerca de €140 bilhões, sendo parte desse montante proveniente de ativos russos congelados desde o início da guerra, em 2022.

Mais de €260 bilhões em reservas do Banco Central da Rússia e bens de oligarcas ligados ao Kremlin estão retidos em bancos europeus e norte-americanos. O novo plano da UE pretende utilizar os rendimentos gerados por esses ativos — e, em alguns casos, o capital principal — como garantia financeira para empréstimos à Ucrânia.

A proposta, no entanto, enfrenta resistências jurídicas e políticas dentro do bloco. Países como Hungria e Áustria expressaram preocupações sobre as possíveis consequências legais e diplomáticas de usar ativos estatais russos sem decisão judicial internacional.
Ainda assim, o apoio de Alemanha, França, Polônia e Países Bálticos torna o plano uma das alternativas mais concretas para assegurar o financiamento da Ucrânia nos próximos anos.

Entre o apoio e a cautela

O governo ucraniano tenta garantir que o pacote seja aprovado ainda neste trimestre, argumentando que o país precisa de estabilidade financeira para reconstruir infraestrutura destruída e sustentar a resistência militar contra a Rússia.
Zelensky afirmou que as reformas anticorrupção estão em andamento e que o país “não voltará aos padrões do passado”. Contudo, a pressão europeia reflete uma preocupação de longa data: a percepção de corrupção sistêmica nas instituições ucranianas.

Em Bruxelas, diplomatas europeus reforçaram que “ajuda sem reformas é insustentável” e que a Ucrânia precisa demonstrar progresso concreto — incluindo auditorias independentes, fortalecimento do poder judiciário e maior transparência nos gastos militares e civis.

O dilema dos ativos russos

A ideia de utilizar ativos russos congelados para financiar a Ucrânia representa uma mudança de paradigma na política europeia. Se implementada, será a primeira vez que a União Europeia recorrerá a recursos pertencentes a um Estado estrangeiro como instrumento de compensação de guerra.
Embora muitos líderes europeus vejam a medida como justa e simbólica, analistas alertam para o risco de retaliações econômicas e legais por parte de Moscou.

A Rússia, por sua vez, já classificou a proposta como um “roubo internacional disfarçado de ajuda humanitária”, prometendo responder por vias legais e econômicas.
Especialistas em direito internacional observam que a questão pode abrir precedentes complexos sobre a inviolabilidade de ativos soberanos, com impacto potencial em futuras crises geopolíticas.

O cenário geopolítico em transformação

O debate em torno do novo pacote de ajuda e das exigências europeias revela a transição de uma fase emergencial para uma fase estratégica na relação entre a Ucrânia e o Ocidente.
Se no início da guerra o apoio era incondicional e voltado à defesa imediata, agora os países europeus buscam condicionar o suporte financeiro a compromissos de longo prazo com reformas estruturais e boa governança.

Para a Alemanha, esse é também um movimento de proteção política interna, já que parte da opinião pública questiona o volume crescente de recursos destinados a Kiev.
Merz, que assumiu o cargo com uma postura mais rígida em relação à política fiscal europeia, tenta equilibrar solidariedade e responsabilidade financeira.

Conclusão: apoio condicionado, mas contínuo

Apesar das divergências, o consenso em Bruxelas é de que a Ucrânia continuará recebendo apoio, mas sob condições mais rigorosas.
O chanceler Merz sintetizou o novo tom europeu ao afirmar:

“A vitória da Ucrânia depende não apenas das armas que recebe, mas também da confiança que inspira.”

Enquanto a guerra segue e as negociações sobre o uso de ativos russos avançam, a União Europeia enfrenta o desafio de sustentar o apoio político e econômico a Kiev sem comprometer seus próprios princípios jurídicos e institucionais — um equilíbrio delicado que definirá os rumos da política europeia no pós-guerra.

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