Disputa eleitoral na República Centro-Africana expõe fragilidade institucional e tensão política

Presidente Faustin-Archange Touadéra em evento oficial na República Centro-Africana durante disputa sobre sua elegibilidade eleitoral.
O presidente Faustin-Archange Touadéra durante evento oficial em Bangui, enquanto o tribunal constitucional avalia sua elegibilidade para as eleições de dezembro.

A República Centro-Africana (RCA), um dos países mais instáveis do continente africano, enfrenta um momento decisivo em seu cenário político. O tribunal constitucional do país iniciou a análise de uma petição que busca desqualificar o atual presidente Faustin-Archange Touadéra da disputa eleitoral marcada para 28 de dezembro de 2025. A ação, apresentada por membros da oposição, questiona a elegibilidade de Touadéra, alegando irregularidades relacionadas à sua origem paterna, um tema que reacende debates sobre nacionalidade e legitimidade no exercício do poder.

Um terceiro mandato contestado

Faustin-Archange Touadéra, no poder desde 2016, tenta agora garantir um terceiro mandato consecutivo, após promover uma emenda constitucional que aboliu os limites de mandato presidencial. A mudança, aprovada em 2023, foi alvo de fortes críticas de grupos de oposição e da sociedade civil, que acusaram o governo de manipular o processo constitucional para perpetuar-se no poder.

A tentativa de Touadéra de permanecer no cargo é vista por analistas como mais um episódio do retrocesso democrático observado em diversas nações africanas nos últimos anos, onde líderes alteram constituições para estender seus mandatos, enfraquecendo instituições e minando a alternância política. Casos semelhantes ocorreram recentemente em Guiné, Chade e Uganda, onde líderes consolidaram longos períodos no poder sob o argumento de garantir estabilidade.

Oposição sob pressão

A crise política se intensifica com o enfraquecimento da oposição. O principal adversário de Touadéra, Anicet Georges Dologuélé, ex-primeiro-ministro e candidato recorrente nas últimas eleições, denunciou perseguição política após ter o passaporte retido pelas autoridades, fato que pode impedir sua plena participação no processo eleitoral. A medida foi amplamente criticada por organizações de direitos humanos, que a classificam como uma tentativa de intimidar e neutralizar rivais políticos.

Dologuélé já havia denunciado fraudes nas eleições anteriores e alertado para o risco de uma “eleição sem concorrência real”. Segundo observadores internacionais, a ausência de garantias institucionais e a crescente pressão sobre a oposição colocam em dúvida a credibilidade do pleito.

Instituições frágeis e conflito persistente

A disputa eleitoral ocorre em meio a uma situação de instabilidade prolongada na República Centro-Africana. Apesar de avanços pontuais no campo da segurança, o país continua fragmentado por conflitos armados e tensões étnicas. Grupos rebeldes ainda controlam parte do território, e a presença de forças estrangeiras — incluindo tropas russas ligadas ao grupo Wagner, agora integradas a estruturas oficiais de segurança — mantém o equilíbrio político e militar em uma linha tênue.

Essa complexa teia de alianças e influências externas agrava as dificuldades institucionais do país. O sistema judiciário, encarregado de decidir sobre a elegibilidade de Touadéra, é frequentemente acusado de falta de independência e interferência política, o que aumenta as incertezas quanto à imparcialidade do processo.

Reações regionais e internacionais

A comunidade internacional acompanha com cautela os desdobramentos. A União Africana e a Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC) têm insistido na necessidade de garantir eleições livres, transparentes e inclusivas, embora enfrentem limitações práticas para influenciar o curso político da RCA. Já a França e os Estados Unidos expressaram preocupação com as tentativas de enfraquecer a oposição e prolongar mandatos sem consenso democrático.

Por outro lado, a Rússia mantém apoio firme a Touadéra, visto como um aliado estratégico em meio à crescente presença russa na África Central. Essa dinâmica geopolítica amplia o peso das decisões do tribunal constitucional e pode definir o rumo do país nos próximos anos.

O desafio da legitimidade democrática

Independentemente do desfecho judicial, o episódio evidencia os desafios profundos da governança e da legitimidade institucional na República Centro-Africana. A disputa sobre a elegibilidade de Touadéra transcende o aspecto jurídico e simboliza o embate entre continuidade autoritária e renovação democrática.

A capacidade do país de realizar eleições justas e pacíficas será determinante para sua estabilidade futura. Contudo, com instituições frágeis, oposição enfraquecida e influência externa crescente, a transição para uma democracia sólida ainda parece um objetivo distante.

Conclusão

O processo eleitoral na República Centro-Africana reflete um padrão recorrente em parte da África subsaariana, onde líderes adaptam as regras do jogo político para permanecer no poder, frequentemente em detrimento da legitimidade democrática. O caso de Touadéra servirá como um termômetro para medir até que ponto as instituições nacionais e regionais conseguem resistir às pressões autoritárias e preservar os princípios fundamentais do Estado de Direito.

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