Nepal transfere impressão de notas para a China e desperta debate sobre influência econômica e soberania

Notas de 1.000 rúpias nepalesas serão impressas por empresa estatal chinesa
O Nepal Rastra Bank firmou acordo com uma estatal chinesa para imprimir milhões de notas de 1.000 rúpias, reforçando laços econômicos com Pequim.

O governo do Nepal decidiu transferir a impressão de suas notas de 1.000 rúpias para uma empresa estatal chinesa, marcando um novo capítulo na crescente presença de Pequim em setores estratégicos do país himalaio. O Nepal Rastra Bank (NRB), banco central nepalês, enviou uma carta de intenção à China Banknote Printing and Minting Corporation (CBPMC), uma das maiores companhias de impressão de moeda do mundo, para a produção de aproximadamente 430 milhões de cédulas de 1.000 rúpias — valor que representa parte significativa da circulação monetária do país.

A decisão, aparentemente técnica, tem implicações econômicas e geopolíticas relevantes, reacendendo discussões sobre a dependência do Nepal em relação à China e o papel de Pequim na infraestrutura e na economia do sul da Ásia.

Motivos econômicos e técnicos por trás da decisão

O governo nepalês justificou a mudança como uma medida pragmática e de custo-benefício. Segundo fontes ligadas ao banco central, o país buscava fornecedores com maior capacidade de entrega e custos mais baixos de impressão, após enfrentar atrasos e aumentos de preço em contratos anteriores com empresas indianas e europeias.

Historicamente, o Nepal terceirizou a impressão de sua moeda a parceiros estrangeiros devido à ausência de uma gráfica estatal com tecnologia e segurança adequadas. A CBPMC, controlada pelo governo chinês, já imprime notas para diversos países asiáticos e africanos e é conhecida pela capacidade de produção em larga escala e por oferecer condições de pagamento mais flexíveis, algo que pesou na escolha de Katmandu.

No entanto, analistas alertam que a escolha não é apenas financeira. A presença da China em setores estratégicos do Nepal — de rodovias a telecomunicações — vem crescendo rapidamente, e a parceria na área monetária representa mais um elo simbólico e prático dessa aproximação.

A dimensão geopolítica: entre a Índia e a China

O Nepal, pequeno país montanhoso situado entre a Índia e a China, há décadas tenta equilibrar suas relações com os dois gigantes regionais. A decisão de confiar a impressão de sua moeda a uma empresa chinesa pode ser vista como um movimento de realinhamento político e econômico.

Especialistas em relações internacionais apontam que Katmandu busca reduzir sua dependência da Índia, que tradicionalmente exerceu forte influência sobre sua economia. A partir de 2015, após um bloqueio fronteiriço que afetou o fornecimento de combustíveis e alimentos, o governo nepalês passou a buscar alternativas que diversificassem suas alianças. A China, por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), tornou-se o principal parceiro em projetos de infraestrutura e energia.

Ao transferir a produção de suas cédulas para Pequim, o Nepal sinaliza confiança na capacidade industrial chinesa, mas também reforça um vínculo de dependência que pode gerar desconforto em Nova Délhi, para quem o país vizinho representa parte de sua zona de influência tradicional no Himalaia.

Soberania monetária e riscos de segurança

Embora a impressão de moeda em outros países não seja incomum — diversas nações emergentes terceirizam esse processo —, a escolha de um parceiro com forte peso político e tecnológico como a China levanta preocupações sobre segurança e soberania monetária.

Especialistas em finanças e segurança digital afirmam que a terceirização da produção de notas envolve riscos de vazamento de dados de segurança, falsificação avançada e dependência tecnológica. No caso do Nepal, a ausência de uma infraestrutura própria para impressão de cédulas de alta segurança coloca o país em uma posição de vulnerabilidade.

O economista nepalês Bishnu Prasad Gautam comentou ao Kathmandu Post que “a decisão pode ser racional sob o ponto de vista econômico, mas representa uma concessão estratégica que deve ser avaliada com cuidado”. Segundo ele, “quando um país terceiriza sua moeda, entrega parte de sua soberania financeira, especialmente se o parceiro for uma potência com interesses geopolíticos próprios”.

China amplia presença no sistema financeiro regional

A China vem expandindo rapidamente sua influência no setor financeiro asiático. Além de imprimir moedas para outros países, Pequim tem ampliado o uso do yuan digital e firmado acordos monetários bilaterais para reduzir a dependência do dólar norte-americano no comércio regional.

A CBPMC, empresa responsável pela impressão das notas nepalesas, é considerada um braço estratégico do governo chinês. Ela não apenas imprime cédulas, mas também fornece tecnologia de segurança para sistemas bancários e infraestrutura de pagamento eletrônico. Assim, a parceria com o Nepal pode abrir portas para futuras cooperações tecnológicas no setor financeiro, consolidando o papel da China como fornecedor de soluções completas na área monetária.

Reações internas e expectativas futuras

Dentro do Nepal, a decisão gerou opiniões divididas. Alguns setores políticos e empresariais veem a medida como uma escolha eficiente e necessária para reduzir custos e garantir o fornecimento de moeda sem atrasos. Outros, especialmente críticos da influência chinesa, enxergam um risco à autonomia nacional.

O governo defende que o contrato com a CBPMC é transparente e que todas as normas de segurança serão seguidas rigorosamente. O banco central também afirmou que a parceria é temporária e que, a longo prazo, o país pretende investir em uma instalação própria de impressão de notas.

Conclusão: pragmatismo ou dependência estratégica?

A decisão do Nepal de terceirizar a impressão de suas notas à China reflete um dilema comum em países em desenvolvimento: equilibrar eficiência econômica com soberania nacional. Embora o acordo traga benefícios imediatos em custo e logística, ele também insere o Nepal mais profundamente na órbita de influência de Pequim.

Num momento em que o equilíbrio geopolítico na Ásia se redefine, cada decisão aparentemente técnica — como a impressão de cédulas — pode ter implicações políticas e diplomáticas de longo alcance. O futuro mostrará se o movimento do Nepal será lembrado como uma solução pragmática ou como um passo rumo à dependência estratégica.

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