Conselho da UE e Parlamento Europeu chegaram a um acordo político sobre o orçamento de 2026, com ênfase em competitividade, defesa, ajuda humanitária e migração, mas mantendo margens de flexibilidade para lidar com crises futuras.
A União Europeia deu um passo decisivo na definição das suas prioridades políticas e econômicas para o próximo ano. Neste sábado, 15 de novembro de 2025, o Conselho da UE e o Parlamento Europeu anunciaram ter alcançado um acordo político sobre o orçamento anual da União para 2026. O entendimento encerra semanas de negociações intensas em Bruxelas e abre caminho para a aprovação formal do pacote nas próximas duas semanas.
Segundo o Conselho, o orçamento de 2026 pretende, ao mesmo tempo, entregar as prioridades da União e responder a desafios em curso, combinando investimentos em competitividade, defesa, apoio humanitário e gestão de fluxos migratórios, sem perder de vista a necessidade de manter uma reserva financeira para “imprevistos” num cenário internacional marcado por guerras, tensões geopolíticas e transições energética e digital em curso.
Quanto a UE vai gastar em 2026
De acordo com os números divulgados pelo Conselho da UE, o acordo fixa:
- €192,8 bilhões em autorizações (commitments) – promessas legais de gasto que podem ser executadas no próprio ano ou nos seguintes;
- €190,1 bilhões em pagamentos (payments) – dinheiro que efetivamente sairá do orçamento para beneficiários em 2026;
- Cerca de €715,7 milhões foram mantidos “em reserva” abaixo dos tetos de despesa do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, para permitir resposta a necessidades imprevisíveis.
- Na prática, a UE continua operando dentro do seu quadro de médio prazo, definido no atual Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e fortemente complementado pelo mecanismo extraordinário de recuperação NextGenerationEU, criado na esteira da pandemia de COVID-19.
As principais áreas de prioridade
Os documentos do Conselho e a comunicação oficial destacam que o orçamento de 2026 está desenhado para equilibrar respostas a crises com investimentos estruturais. Entre as áreas que devem receber mais atenção, destacam-se:
- Competitividade e inovação
- Recursos para programas ligados à transição digital e verde, pesquisa e inovação, infraestrutura e apoio a empresas europeias.
- A ideia é reforçar a capacidade da UE de competir com Estados Unidos e China em tecnologia, energia limpa e cadeias de valor estratégicas.
- Defesa e segurança
- O orçamento reforça a prontidão de defesa e a capacidade de resposta a ameaças externas, em um contexto de guerra prolongada na Ucrânia e tensões com a Rússia.
- Além de investimentos diretos em cooperação de defesa, há verbas para resiliência cibernética e proteção de infraestruturas críticas.
- Ajuda humanitária e ação externa
- Recursos para assistência humanitária em regiões afetadas por conflitos e crises, incluindo Ucrânia, vizinhança oriental e sul, além de outras áreas em instabilidade.
- Programas de política externa e de vizinhança seguem sendo instrumentos centrais para projetar influência e “estabilidade” europeia.
- Migração e gestão de fronteiras
- Verbas voltadas ao controle e gestão de fluxos migratórios, reforço da Frontex e apoio a Estados-membros sob maior pressão migratória.
- O discurso oficial combina “solidariedade” e “responsabilidade”, mas organizações de direitos humanos costumam criticar o foco em controle de fronteiras.
Disputa central: flexibilidade orçamental x compromissos fechados
Um dos pontos mais sensíveis das negociações para o orçamento de 2026 foi o grau de flexibilidade do orçamento diante de um cenário internacional altamente volátil.
De um lado, a maioria dos Estados-membros defendia manter uma margem de manobra suficiente para lidar com eventos inesperados – novas crises geopolíticas, choques energéticos, desastres naturais ou necessidades adicionais de apoio à Ucrânia. Em declaração recente, diplomatas de países como Alemanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Suécia e Finlândia destacaram que, “num mundo incerto, precisamos mais do que nunca de buffers para responder a desafios imprevistos”.
Do outro lado, o Parlamento Europeu pressionava por compromissos mais altos e mais rígidos já em 2026, travando o máximo possível de recursos para políticas prioritárias – como clima, energia, apoio social e programas de longo prazo – e reduzindo o espaço de ajustes futuros pelos governos nacionais.
O acordo alcançado representa um compromisso político entre essas duas visões:
- O Parlamento conseguiu restaurar cerca de €1,3 bilhão que os governos tinham cortado em relação à proposta inicial da Comissão Europeia, recolocando esses recursos no nível originalmente sugerido em termos de autorizações.
- Os Estados-membros, por sua vez, preservaram uma parte da flexibilidade, mantendo uma folga sob os tetos do QFP para eventuais necessidades adicionais.
Como funciona, na prática, a negociação do orçamento da UE
O processo orçamental da União Europeia é altamente institucionalizado e segue um calendário definido pelos tratados e pelo Quadro Financeiro Plurianual:
- Proposta da Comissão Europeia
- Todos os anos, a Comissão apresenta um projeto de orçamento, detalhando quanto pretende gastar em cada rubrica, sempre respeitando os tetos do QFP.
- Posição do Conselho (Estados-membros)
- Representando os governos nacionais, o Conselho ajusta a proposta, normalmente tentando conter aumentos de despesa e preservar margens de flexibilidade.
- No caso de 2026, o Conselho definiu sua posição em julho de 2025, preparando o terreno para as negociações com o Parlamento.
- Posição do Parlamento Europeu
- O Parlamento, eleito diretamente pelos cidadãos, costuma defender mais recursos para áreas como clima, coesão social, juventude, educação e política externa.
- Período de conciliação (até 21 dias)
- Se as posições divergem, abre-se um período de conciliação, em que representantes do Parlamento, do Conselho e da Comissão buscam um texto de compromisso.
- Para o orçamento de 2026, esse processo ia até 17 de novembro de 2025, mas o acordo político foi alcançado já em 15 de novembro.
- Aprovação formal
- Depois do acordo político, tanto o Parlamento quanto o Conselho têm 14 dias para aprovar formalmente o texto.
- O Conselho deve endossar o orçamento em 24 de novembro, por maioria qualificada; o Parlamento também precisa votar a favor para que o orçamento entre em vigor em 1º de janeiro de 2026.
Se não houver acordo dentro dos prazos, a Comissão precisa apresentar uma nova proposta e, em último caso, a UE opera com um sistema provisório baseado no orçamento anterior – algo que as instituições procuram evitar, dada a incerteza política que isso gera.
Contexto político: guerra, energia e novas regras fiscais
O orçamento de 2026 não é apenas um exercício técnico de contabilidade: ele está inserido em um ambiente político e econômico complexo.
- Guerra na Ucrânia e segurança europeia
- Desde 2022, a invasão russa da Ucrânia obrigou a UE a canalizar recursos extraordinários para apoio militar, humanitário e macroeconômico a Kyiv.
- Ao mesmo tempo, a guerra acelerou o debate sobre autonomia estratégica, defesa europeia e redução da dependência energética em relação à Rússia – com metas para eliminar totalmente as importações de gás russo até 2027.
- Transição energética e clima
- A UE mantém compromissos de redução de emissões e metas de neutralidade climática, agora acompanhados de discussões sobre uma meta vinculativa de redução de 90% das emissões até 2040.
- O orçamento de 2026 precisa conciliar investimentos verdes com preocupações de competitividade industrial em meio a uma economia global desacelerada.
- Regras fiscais e disciplina orçamental
- Em paralelo ao orçamento da UE, os Estados-membros enfrentam o retorno ou a reformulação das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento e debates em torno do chamado Pacto Fiscal Europeu, que condicionam o espaço de manobra fiscal nacional.
- Embora o orçamento da UE seja pequeno em comparação com os orçamentos nacionais, ele funciona como um sinal político de prioridades e de solidariedade entre os países.
O que acontece a seguir
Com o acordo político já anunciado, os próximos passos são formais, mas decisivos:
- Votação no Conselho da UE – esperada para 24 de novembro de 2025, por maioria qualificada;
- Votação no Parlamento Europeu – deve ocorrer dentro dos mesmos 14 dias, confirmando ou rejeitando o compromisso encontrado pelos negociadores;
- Entrada em vigor – se aprovado, o orçamento de 2026 passa a valer em 1º de janeiro, garantindo continuidade dos programas da UE sem necessidade de orçamentos provisórios.
Caso surjam resistências de última hora – por exemplo, de eurodeputados críticos à flexibilidade pedida pelos governos ou de Estados-membros insatisfeitos com algumas rubricas –, o processo ainda pode enfrentar turbulências. No entanto, o anúncio conjunto do acordo indica que, politicamente, as principais instituições europeias estão alinhadas em evitar um bloqueio orçamental.
Conclusão: um orçamento entre crises e ambições de longo prazo
O orçamento da União Europeia para 2026 é, ao mesmo tempo, um reflexo das crises atuais e um instrumento para projetar o futuro da integração europeia. Ao priorizar competitividade, defesa, ajuda humanitária e migração, o pacote tenta responder a um ambiente global hostil, sem abandonar compromissos estruturais em clima, transição energética e inovação.
A disputa entre flexibilidade e compromissos fechados mostra uma tensão permanente na UE:
- de um lado, Estados-membros preocupados com a imprevisibilidade do cenário internacional;
- do outro, um Parlamento que busca garantir financiamento robusto e estável para políticas de longo prazo.
O acordo de 2026 não resolve todas essas contradições, mas ajusta o equilíbrio entre prudência orçamental e ambição política, num momento em que a União precisa mostrar que ainda é capaz de agir de forma coordenada – tanto dentro de casa quanto na sua atuação externa.

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