COP30 em Belém: China assume a dianteira climática enquanto os EUA se afastam

Vista panorâmica de Belém, capital do Pará, com prédios altos e o rio ao fundo, cidade que sedia a COP30 da ONU sobre clima.
Belém, no Pará, vista panorâmica.

A Conferência do Clima da ONU (COP30), realizada em Belém, no Pará, transformou o coração da Amazônia em palco de uma nova disputa estratégica global: quem vai liderar a governança climática num mundo em aquecimento acelerado.

Com os Estados Unidos ausentes do encontro pela primeira vez em três décadas, sob a nova postura cética do governo Donald Trump em relação a pactos ambientais, a China ocupa um espaço inédito de protagonismo, misturando diplomacia climática, poder industrial e ambição geopolítica.

Ao mesmo tempo, países do Sul da Ásia – entre eles Índia, Bangladesh, Paquistão, Sri Lanka e Nepal – chegam à COP30 não como “participantes distantes”, mas como regiões já imersas na crise climática, cobrando financiamento, unidade regional e governança compartilhada para sobreviver ao século XXI.

O contexto de Belém: um mundo mais quente, uma diplomacia mais fragmentada

A COP30 acontece entre 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém, em meio a recordes de calor, emissões ainda em alta e um cenário internacional marcado por conflitos e rivalidades entre grandes potências.

A ausência dos Estados Unidos – tradicionalmente peça central nas negociações climáticas desde o Acordo de Paris – abre um vácuo de liderança. Washington passa a enviar sinais contraditórios: enquanto parte da sociedade civil, estados e empresas continuam defendendo metas ambientais ambiciosas, o governo federal recua, revisando programas e questionando financiamentos voltados à agenda climática.

Esse espaço, porém, não fica vazio: China e países do Sul Global tentam se reposicionar como articuladores de uma nova ordem climática.

O pavilhão chinês: tecnologia verde, influência e narrativa de liderança

Na área de exposições da COP30, o pavilhão da China é um dos mais visíveis e movimentados. Dezenas de representantes de empresas de energia limpa, como fabricantes de baterias, painéis solares e veículos elétricos, participam de painéis, lançamentos e reuniões à porta fechada com delegações de países em desenvolvimento.

Entre os destaques estão:

  • Gigantes de baterias e veículos elétricos, que exibem projetos de eletromobilidade para grandes centros urbanos;
  • Fabricantes de painéis solares e soluções de energia renovável voltadas especialmente a países de baixa renda;
  • Propostas de parcerias para infraestrutura verde, como linhas de transmissão, parques solares e eólicos, e projetos de armazenamento de energia.

A mensagem central de Pequim é clara:

“A China não é apenas o maior emissor do mundo. É também o maior investidor em energia limpa e um parceiro disposto a financiar a transição do Sul Global.”

Esse discurso vem amparado por dados: a China lidera a capacidade instalada em renováveis e domina cadeias produtivas de painéis solares, baterias e veículos elétricos, o que lhe confere enorme poder de barganha – tanto econômico quanto político – nas mesas de negociação.

Liderança ou reposicionamento estratégico?

O protagonismo chinês em Belém não é apenas técnico ou climático; ele é geopolítico.

Com os EUA fora do jogo formal da COP30, Pequim:

  1. Preenche o vácuo diplomático, participando ativamente da construção de consensos em torno de textos-chave, em especial sobre financiamento climático e transferência de tecnologia;
  2. Se aproxima de países do Sul Global, oferecendo pacotes de cooperação que combinam infraestrutura verde com linhas de crédito e investimentos;
  3. Constrói uma narrativa de responsabilidade compartilhada, enfatizando que, embora ainda em desenvolvimento, a China “está fazendo sua parte” ao liderar a expansão das renováveis.

Críticos, porém, apontam limites importantes:

  • As metas domésticas de redução de emissões de Pequim ainda são vistas como menos ambiciosas do que o necessário para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C;
  • A China continua fortemente dependente de carvão em várias regiões;
  • Há preocupações sobre a chamada “armadilha da dívida verde”, em que países pobres assumem empréstimos para projetos climáticos que podem se tornar pesados no médio prazo.

Mesmo assim, na prática, a COP30 marca uma redistribuição do eixo de liderança climática, com a China usando sua força em energia limpa como instrumento de influência global.

Sul da Ásia: entre o colapso climático e a luta por financiamento

Enquanto potências disputam narrativas, o Sul da Ásia chega a Belém trazendo o peso da realidade.

A região contribui com menos de 9% das emissões globais, mas responde por quase um terço das perdas econômicas relacionadas ao clima – desastres que já afetaram centenas de milhões de pessoas nas últimas décadas.

Entre os impactos:

  • Recuo de geleiras no Himalaia, ameaçando o abastecimento de água de milhões de pessoas;
  • Deltas costeiros afundando, como em Bangladesh, pressionados pela elevação do nível do mar;
  • Ondas de calor extremo, cada vez mais frequentes e prolongadas, tornando cidades praticamente inabitáveis em determinados períodos do ano.

No documento político e nas falas de representantes da região em Belém, três eixos se destacam:

  1. Financiamento climático em condições justas
    • Defesa de recursos majoritariamente a fundo perdido para adaptação e perdas e danos, em vez de empréstimos que agravam a crise de dívida.
    • Cobrança de que países ricos cumpram e ampliem promessas históricas de financiamento climático.
  2. Unidade regional na negociação
    • Especialistas alertam que, se cada país do Sul da Ásia negociar isoladamente, o resultado tende a ser frágil.
    • Agir como um bloco climático vulnerável, com agenda comum, aumenta a capacidade de pressão coletiva.
  3. Governança compartilhada e justiça climática
    • A região pede voz mais ativa na definição das regras de financiamento, supervisão de fundos e critérios de acesso.
    • Trata-se de uma disputa não só por dinheiro, mas por poder institucional na governança climática global.

O papel do Brasil e da América Latina: anfitriões em busca de espaço

Como país-sede, o Brasil tenta se apresentar como ponte entre grandes emissores, como China e Índia, e países altamente vulneráveis, inclusive da própria América Latina. A realização da COP30 em Belém reforça a mensagem de que a proteção da Amazônia e de outros biomas tropicais é inseparável da agenda climática global.

Ao mesmo tempo, análises recentes apontam que a relativa saída dos EUA da linha de frente abre uma janela para que América Latina e Ásia cooperem mais intensamente em:

  • Energias renováveis e integração de cadeias produtivas verdes;
  • Programas conjuntos de adaptação e resiliência;
  • Defesa de reformas no sistema financeiro internacional para alinhar dívidas, investimentos e metas climáticas.

Implicações geopolíticas: clima como novo campo de disputa de poder

O que está em jogo em Belém vai além do texto final da COP30:

  1. Reconfiguração da liderança climática
  2. A ausência norte-americana não significa que os EUA deixem de ter impacto nas emissões, mas fragiliza sua capacidade de moldar as regras multilaterais.
  3. A China aproveita para se posicionar como potência “indispensável” na transição energética global.
  4. Fortalecimento do eixo Sul-Sul
  5. O protagonismo chinês e a atuação coordenada do Sul da Ásia dialogam com outras plataformas, como os BRICS e fóruns regionais asiáticos, que buscam reforçar a voz do Sul Global em temas de finanças, comércio e clima.
  6. Competição em tecnologia limpa
  7. A disputa por quem lidera a indústria de painéis solares, baterias, veículos elétricos e hidrogênio verde passa a ser também uma disputa por hegemonia climática.
  8. Declarações de parlamentares e autoridades em Belém já apontam preocupações de que os EUA estejam “perdendo deliberadamente” a corrida tecnológica para a China.

O que esperar após a COP30

Independentemente do resultado exato das negociações – nível de ambição das metas, formato de novos fundos, regras de monitoramento – algumas tendências parecem irreversíveis:

  • China consolidada como ator central em qualquer debate sobre clima, energia e infraestrutura verde;
  • Pressão crescente por justiça climática, com regiões como o Sul da Ásia exigindo mais recursos, mais voz e menos retórica;
  • Maior protagonismo do Sul Global, especialmente em fóruns sediados em países como Brasil, Índia e África do Sul.

Ao mesmo tempo, permanece uma contradição fundamental:

Os países que hoje se apresentam como líderes climáticos – incluindo a própria China – ainda não alinharam totalmente suas políticas domésticas ao que a ciência considera necessário para evitar um cenário de aquecimento descontrolado.

Conclusão: clima, poder e o novo tabuleiro global

A COP30 em Belém não é apenas uma conferência ambiental; é um espelho das mudanças de poder no século XXI.

  • A China usa seu peso em energias renováveis para ocupar o espaço diplomático deixado pelos EUA.
  • O Sul da Ásia transforma sua condição de vítima da crise climática em argumento político por financiamento e governança mais justa.
  • O Brasil, ao sediar o encontro no coração da Amazônia, tenta se firmar como mediador entre grandes emissores e países vulneráveis.

Para quem observa a geopolítica, o recado que sai de Belém é claro:

o clima virou um dos principais tabuleiros de disputa de influência global – e a correlação de forças está mudando rapidamente.

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