A economia europeia está mandando sinais mistos, e Alemanha, Grécia e o próprio Banco Central Europeu (BCE) são um bom retrato desse momento: um núcleo industrial que tenta sair da estagnação, um país periférico que cresceu na crise e agora promete liderar, e uma região inteira confrontada com a conta bilionária da transição verde, digital e de defesa.
Alemanha em marcha lenta, Grécia acelera: a conta de €1,2 tri que a Europa precisa pagar
A economia europeia manda sinais mistos. Alemanha, Grécia e o Banco Central Europeu (BCE) ajudam a revelar esse quadro: de um lado, o antigo “motor industrial” da Europa tentando sair da estagnação; de outro, um país que foi símbolo da crise da dívida agora projetando crescimento acima da média; ao fundo, uma União Europeia pressionada pela necessidade de investir pesado em transição verde, digital e em defesa.
Alemanha: o “motor” da Europa tenta voltar a pegar
O Bundesbank, banco central da Alemanha, indicou que a economia alemã deve registrar um crescimento moderado no 4º trimestre, com sinais de estabilização na indústria depois de anos de desempenho fraco. Não se trata de um boom, mas de uma mudança de rota importante: a indústria deixa de puxar o PIB para baixo e passa, ao menos, a parar de cair.
Nos últimos anos, a Alemanha enfrentou:
- Crescimento próximo de zero em vários trimestres;
- Uma recessão industrial prolongada, impactada por:
- Custos de energia elevados após a guerra na Ucrânia;
- Reorganização das cadeias globais de produção;
- Concorrência crescente em setores como automotivo e químico;
- Incerteza em relação a tarifas e disputas comerciais.
Esse novo cenário de “crescimento moderado” significa:
- Alguma recuperação do consumo, com inflação mais baixa;
- Serviços sustentando parte da atividade;
- Indústria saindo da força negativa para uma posição de neutralidade.
Em resumo, o “motor” alemão volta a funcionar, mas ainda em marcha lenta – e sob risco de novos choques externos.
Grécia: de símbolo da crise a aluno aplicado da zona do euro
Se a Alemanha representa a dificuldade de uma potência industrial em reencontrar o dinamismo, a Grécia ilustra o outro lado da moeda. O conselho fiscal grego projeta crescimento de 2,4% em 2026, ligeiramente acima de 2025, mantendo o país em trajetória superior à média da zona do euro.
O desempenho grego é impulsionado por três pilares principais:
- Investimentos financiados em grande parte por fundos da União Europeia, especialmente voltados para infraestrutura, energia e digitalização;
- Turismo forte e consolidado como motor estrutural da economia;
- Demanda interna em recuperação, com emprego e confiança em trajetória positiva.
Depois de uma década marcada por colapso econômico, programas de resgate e austeridade severa, a Grécia tenta se consolidar como exemplo de ajuste fiscal, uso estratégico de recursos europeus e retomada gradual da credibilidade junto aos mercados.
O desafio, agora, é transformar esse crescimento em algo sustentável no longo prazo, reduzindo a dependência de turismo e de transferências europeias e fortalecendo setores produtivos com maior valor agregado.
A conta europeia: €1,2 trilhão por ano em investimentos
Enquanto Alemanha e Grécia seguem trajetórias distintas, o BCE chama atenção para um problema comum: a Europa precisa investir muito mais se quiser manter relevância econômica e geopolítica. O banco destaca que o continente necessita mobilizar algo em torno de €1,2 trilhão por ano em investimentos para bancar três grandes transições ao mesmo tempo:
- Transição verde – descarbonização da economia, expansão de energias renováveis, modernização da infraestrutura energética e adaptação climática;
- Transição digital – redes de alta velocidade, 5G, inteligência artificial, data centers, digitalização de transportes e serviços;
- Reforço da defesa – aumento dos gastos militares e fortalecimento da capacidade europeia em um contexto de guerra na Ucrânia e tensões globais.
Essa cifra não é apenas gasto público novo, mas o volume total de investimento anual necessário, combinando recursos públicos e privados. O problema é que boa parte dessa necessidade recai sobre Estados já endividados e com pouco espaço fiscal.
O contraste interno: Alemanha x Grécia nesse contexto
Alemanha
- Possui credibilidade fiscal, acesso barato a financiamento e peso político dentro da UE.
- Ao mesmo tempo, enfrenta:
- Resistência interna a déficits mais altos e à flexibilização do “freio da dívida”;
- Pressões para investir mais em defesa, infraestrutura e clima;
- Dilema entre manter a reputação de rigor fiscal e financiar a transformação da sua base industrial.
Sem um programa robusto de investimentos, o risco é a Alemanha permanecer presa em um ciclo de baixo crescimento, com indústria enfraquecida e perda de competitividade.
Grécia
- Usa de forma intensiva os fundos europeus para reconstruir sua economia;
- Registra crescimento acima da média da zona do euro, o que ajuda a reduzir a relação dívida/PIB;
- Melhora sua posição fiscal e de credibilidade externa, tornando-se menos vulnerável a choques.
Mas a Grécia ainda depende fortemente de:
- Turismo;
- Recursos extraordinários da União Europeia.
O desafio é transformar o atual momento favorável em uma base produtiva mais diversificada e resiliente, que se sustente mesmo quando os fluxos de recursos extraordinários diminuírem.
Quem paga a conta dos €1,2 trilhões?
O debate central na Europa é menos técnico e mais político: de onde virá o dinheiro para essa transformação?
Algumas opções estão na mesa:
- Orçamentos nacionais
Países aumentariam seus próprios investimentos. O problema é que muitos já enfrentam dívidas elevadas e regras fiscais rígidas, dificultando novas expansões. - Orçamento da União Europeia
Seria uma forma de coordenação centralizada, mas o orçamento comunitário é pequeno em relação ao PIB da UE e qualquer ampliação significativa enfrenta vetos e negociações complexas entre Estados. - Setor privado e mercados de capitais
Fortalecer a União dos Mercados de Capitais e criar instrumentos que atraiam poupança privada para projetos verdes, digitais e de defesa pode aliviar a pressão sobre o setor público, mas exige reformas regulatórias profundas. - Instrumentos comuns europeus
A experiência do fundo de recuperação pós-pandemia mostrou que a emissão conjunta de dívida europeia é possível. Uma ampliação desse modelo para financiar a transição verde, digital e de defesa está no centro do debate político.
Conclusão: sinais divergentes, desafio comum
Os movimentos recentes de Alemanha, Grécia e BCE apontam para uma Europa em transição múltipla:
- A Alemanha, antes sinônimo de força e estabilidade, hoje convive com uma indústria fragilizada e crescimento apenas moderado, precisando decidir até que ponto está disposta a romper com o conservadorismo fiscal para financiar sua própria modernização.
- A Grécia, que foi o epicentro da crise da dívida europeia, agora surge como caso de recuperação, aproveitando fundos da União Europeia para crescer acima da média e reconstruir sua credibilidade econômica.
- O BCE funciona como um alerta permanente: sem um salto consistente de investimentos – da ordem de €1,2 trilhão por ano – a União Europeia corre o risco de perder terreno em competitividade, tecnologia, segurança energética e defesa.
No fundo, o recado é claro: os sinais positivos na Grécia e a leve melhora na Alemanha só serão suficientes se estiverem inseridos em uma estratégia mais ampla. A Europa precisa decidir se quer apenas administrar o presente ou, de fato, investir para continuar sendo um ator relevante na economia e na geopolítica global.

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