Asia‑Pacific Economic Cooperation (APEC) Summit 2025 em Gyeongju: um novo equilíbrio de poder na Ásia‑Pacífico

Líderes mundiais reunidos na cúpula APEC 2025 em Gyeongju, Coreia do Sul, incluindo Xi Jinping, Donald Trump e Lee Jae Myung.
Principais líderes da Ásia-Pacífico e convidados especiais reunidos na APEC 2025 em Gyeongju, reforçando debates sobre comércio, resiliência econômica e cooperação regional.

Na última edição do encontro anual de líderes da APEC, realizado em Gyeongju, Coreia do Sul, entre 31 de outubro e 1 de novembro de 2025, ficou claro que a região Ásia‑Pacífico está atravessando uma transição diplomática e económica significativa — tanto nas formas quanto nos atores que conduzem o jogo multilateral. A seguir, um artigo que explora esse cenário: seus fatos, tensões, implicações e perspectivas.

Contexto e objetivos do encontro

A APEC reúne 21 economias da região Ásia‑Pacífico — que juntas representam mais de metade do comércio mundial. O tema do evento em Gyeongju foi “Building a Sustainable Tomorrow: Connect, Innovate, Prosper” (“Construindo um Amanhã Sustentável: Conectar, Inovar, Prosperar”).

No ambiente de crescente turbulência entre grandes potências, interrupções nas cadeias de abastecimento, avanços acelerados em tecnologia (por exemplo IA) e aumento de protecionismos, o encontro tinha como principal meta reafirmar o valor da cooperação econômica regional, mesmo que com dificuldades práticas de consenso.

Principais acontecimentos

Discurso de Xi Jinping e papel diplomático da China
O presidente chinês assumiu papel de destaque no encontro. Ele defendeu publicamente o comércio aberto, o fortalecimento do sistema multilateral — mencionando inclusive o World Trade Organization (OMC) — e propôs a criação de uma “zona de livre‑comércio Ásia‑Pacífico”. Em suas palavras: mudanças “não vistas em um século estão acelerando no mundo”. Esse protagonismo simbólico reforça a tentativa da China de se apresentar como líder de uma ordem econômica regional mais aberta — em contraste com percepções de estagnação ou retração no multilateralismo ocidental.

Ausência/saída prematura de Donald Trump e sinal político enviado

Embora o presidente dos EUA tenha participado de encontros bilaterais no mesmo período, deixou a cúpula antes de sua conclusão formal. Isso foi interpretado por muitos analistas como um sinal da menor centralidade dos EUA no formato APEC — ou ao menos de uma mudança na forma de atuação norte‑americana.

Texto final e ambiguidade sobre livre‑comércio

O documento de encerramento não fez menção explícita ao fortalecimento da OMC ou a compromissos robustos com “livre‑comércio irrestrito” da forma tradicional — o que evidencia os desafios para coesão plena entre economias com perfis tão distintos. Em contrapartida, relatou‑se que um oficial declarou que “muitos membros da APEC continuam defendendo o livre‑comércio”.

Cenário económico da região
O relatório do bloco prevê crescimento de cerca de 3,1 % para a região em 2025, ligeiramente revisado para cima, mas alerta para vulnerabilidades: elevado endividamento público (projeção acima de 110 % do PIB para 2026), enfraquecimento das exportações e efeitos temporários que já estão a perder força.

Interpretações e implicações

Mudança de centro de gravidade regional?
O fato de a China “ocupar o palco” enquanto os EUA reduzem a presença formal sugere que a Ásia‑Pacífico pode estar a entrar numa fase em que lideranças regionais — sobretudo a China — assumem maior protagonismo económico e diplomático. Isso não significa necessariamente que os EUA deixem a região, mas que a sua primazia hegemónica (no sentido de definir agendas e direções) pode estar a enfraquecer.

Desafio ao multilateralismo tradicional
A ambiguidade no comunicado final e o fato de não se reforçar explicitamente a OMC apontam para dois vetores de tensão: (i) protecionismos persistentes ou surgentes em várias economias, (ii) divergências entre os membros maiores e menores em termos de prioridades (por ex., tecnologia, cadeias de abastecimento, segurança económica). Em suma, o modelo clássico de “abrir mercados e eliminar barreiras” encontra hoje limites práticos.

Importância estratégica das cadeias de abastecimento e inovação
O relatório destaca que a recuperação medeada por exportações já não se sustenta como antes, e que setores de alto‑valor (tecnologia, digital, “verde”) têm um papel cada vez mais central no crescimento regional. Isso agrava o desafio para países que dependem de modelos tradicionais de comércio.

Impulso para uma “cooperação resiliente”
Na prática, o discurso girou em torno de “resiliência” mais do que “abertura irrestrita”. Ou seja: como gerir choques (pandémicos, geopolíticos, tecnológicos) numa região marcada por competição estratégica. O texto citado — “resiliência comercial e benefícios partilhados” — traduz essa inclinação. Essa ênfase representa uma adaptação face a um mundo onde os choques são mais frequentes e os riscos mais elevados.

O que isso significa para o Brasil e para o mundo

Para um país como o Brasil, que busca ampliar laços comerciais e tecnológicos com a Ásia, algumas lições emergem:

  • O conceito de “benefícios partilhados” pode indicar que os parceiros da Ásia‑Pacífico vão exigir contrapartidas mais claras em termos de tecnologia, investimentos e cadeias de valor — ou seja, não apenas “exportar matérias‑primas”.
  • A presença de um bloco asiático mais coeso ou com protagonismo diferente da era pós‑Guerra Fria abre oportunidades, mas também riscos de exclusão ou de reforço de blocos regionais que podem privilegiar conteúdo local ou cadeias fechadas.
  • A agenda da inovação (IA, digital, verde) está claramente a ganhar peso, o que significa que não basta pensar o comércio pelo prisma tradicional: é preciso pensar “cadeia de valor”, “know‑how”, “infraestrutura digital” e “sustentabilidade”.
  • Para atores externos, manter relevância na Ásia‑Pacífico exigirá não só estar presente, mas participar de forma significativa — bilateralmente ou via plataformas regionais — e com compreensão das novas regras (ou ausência delas) da cooperação regional.

Cenários futuros a observar

  • Maior institucionalização da agenda da APEC ou criação de mecanismos alternativos: Se a OMC continuar em dificuldades, poderemos ver mais iniciativas regionais (como uma zona de livre‑comércio Ásia‑Pacífico) ou acordos “minoria” entre economias‑âncora.
  • Reperfilamento dos EUA: A forma como Washington vai reagir a esse “menos centralizado” quadro asiático será crucial — se os EUA recuar ou mudarem de estilo, isso pode acelerar o processo de realinhamento.
  • China como “escudo” do comércio regional?: O discurso de Xi — defender mercado aberto, cadeias estáveis, investimento — tem duas faces: por um lado, reforça a legitimação internacional da China; por outro, levanta questões sobre dependência e influência, especialmente para países menores.
  • Crescimento moderado e maior volatilidade: Mesmo com crescimento esperado de ~3,1 % em 2025, os sinais de enfraquecimento (exportações, endividamento) indicam que os próximos anos poderão ser de baixo crescimento e maior instabilidade — o que reforça a necessidade de cooperação e resiliência.
  • Tecnologia e segurança económica como motores de política: As disputas por tecnologia, controle de cadeias, matérias‑primas estratégicas e soberania económica — já latentes — tendem a ganhar mais espaço nas discussões regionais, e não apenas o “comércio de bens”.

Conclusão

O encontro da APEC em Gyeongju pode ser visto como um momento de inflexão: a fórmula de “abertura irrestrita + hegemonia ocidental” está a dar lugar a um modelo mais fragmentado, mais resiliente, e marcado por múltiplos centros de influência. A China assume papel mais visível, os EUA ajustam‑se, e a região Ásia‑Pacífico mostra‑se mais assertiva na definição da sua agenda.

Para analistas de geopolítica — como você — isso reforça a necessidade de observar não apenas os grandes acordos comerciais, mas as narrativas, os símbolos da cooperação, os novos mecanismos de integração e as áreas de menor visibilidade (tecnologia, infraestrutura, digital). Porque são essas que, muitas vezes, definem os contornos da nova ordem regional.

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