Israel realizou no domingo (23) um ataque aéreo contra um prédio em Haret Hreik, subúrbio ao sul de Beirute, no Líbano, região considerada um dos principais redutos do Hezbollah. O bombardeio, que deixou mortos e dezenas de feridos, é visto como um dos episódios mais delicados desde a entrada em vigor do cessar-fogo mediado por Washington no fim de 2024 e reacende o temor de uma escalada regional.
Segundo autoridades libanesas, ao menos cinco pessoas morreram e entre 25 e 28 ficaram feridas na explosão que atingiu o edifício em uma área densamente povoada, onde coexistem escritórios, comércios e residências. O impacto do ataque foi sentido em bairros vizinhos, e equipes de resgate passaram horas removendo escombros e socorrendo vítimas.
Do lado israelense, os militares afirmam que o alvo principal era Haytham (Ali) Tabatabai, identificado como chefe militar ou chefe de Estado-Maior em exercício do Hezbollah. A operação é apresentada por Israel como uma ação de “cirurgia” contra a liderança da organização libanesa, mas o local e o momento escolhido ampliam o peso político e simbólico do ataque.
Haret Hreik volta ao centro do conflito
Haret Hreik, no sul de Beirute, é historicamente conhecido como bastião político e militar do Hezbollah. O bairro abriga escritórios do movimento, centros religiosos, estruturas ligadas ao partido e também edifícios residenciais, o que torna qualquer bombardeio ali especialmente sensível.
Desde a guerra entre Israel e Hezbollah em 2006, o subúrbio sul de Beirute se tornou um símbolo da capacidade de resistência e reconstrução do grupo libanês. Ao mesmo tempo, permanece como um alvo prioritário em caso de escalada das tensões. O fato de este ser o primeiro ataque em meses dentro da capital libanesa – após o cessar-fogo acordado em novembro de 2024 – reforça a percepção de ruptura de um frágil equilíbrio que vinha sendo mantido com confrontos mais concentrados na fronteira sul do Líbano.
Alvo estratégico: quem é Haytham (Ali) Tabatabai
Para Israel, o ataque é justificado pela importância do alvo. Haytham (Ali) Tabatabai é descrito como uma figura de alto escalão na hierarquia militar do Hezbollah, envolvido na coordenação de operações contra Israel e na articulação com aliados regionais.
Ao anunciar a operação, os militares israelenses enfatizam que a ação se insere em uma estratégia mais ampla de neutralizar quadros-chave do que chamam de “rede de ameaças” ligada ao Irã. A morte ou neutralização de um dirigente dessa estatura é vista, pelo comando israelense, como forma de:
- desarticular a cadeia de comando do Hezbollah;
- enviar um recado dissuasório ao próprio grupo e a Teerã;
- mostrar à opinião pública interna que o governo continua agindo de forma ofensiva, mesmo sob a moldura de um cessar-fogo.
Por outro lado, o cálculo estratégico não é isento de riscos. Ao atingir um alvo de alto perfil em pleno subúrbio de Beirute, Israel não apenas pressiona o Hezbollah militarmente, como também o provoca politicamente a responder, sob pena de ser visto como enfraquecido perante sua base social e seus aliados.
Hezbollah fala em “linha vermelha” e acusa violação do cessar-fogo
A reação do Hezbollah veio em tom de forte condenação. O grupo classificou o bombardeio como uma “linha vermelha” cruzada por Israel e denunciou uma clara violação do cessar-fogo em vigor desde o final de 2024. Nas primeiras declarações, porta-vozes da organização acusaram Israel de:
- tentar ampliar o conflito para além da fronteira sul do Líbano;
- sabotar esforços diplomáticos que buscam manter a trégua;
- impor uma “guerra de baixa intensidade” permanente contra o país.
O termo “linha vermelha” não é casual: na retórica de grupos armados e governos da região, ele é utilizado justamente para marcar ações que dificilmente ficarão sem resposta. Isso aumenta a expectativa de algum tipo de retaliação – seja por meio de ataques com foguetes, drones, disparos contra posições israelenses na fronteira ou outras formas de resposta assimétrica.
Israel fala em “resposta às violações” e promete continuar operações
Em contraste com o discurso do Hezbollah, o governo israelense apresenta o ataque como reação às violações do cessar-fogo atribuídas ao próprio grupo libanês. Segundo a narrativa israelense, o Hezbollah vinha testando os limites do acordo com:
- incidentes na fronteira,
- movimentação de combatentes e armamentos em áreas próximas a Israel,
- e ações classificadas por Tel Aviv como ameaças diretas à sua segurança.
Autoridades israelenses reforçam a posição de que o país “continuará atingindo o Hezbollah” sempre que considerar necessário e que não aceitará que o grupo use o cessar-fogo como cobertura para se rearmar ou se reorganizar.
Na prática, o recado é duplo: para o Hezbollah, de que qualquer aumento de capacidade militar será vigiado e possivelmente atacado; e para a população israelense, de que o governo mantém uma postura dura e ativa, mesmo em um período formal de trégua.
Impacto humano e psicológico no Líbano
Além da dimensão militar e política, o ataque tem forte impacto sobre a população libanesa, especialmente em Beirute. Muitas famílias que vivem em Haret Hreik e arredores já passaram por episódios de guerra, bombardeios e crises econômicas sucessivas. A explosão de mais um prédio, com mortos e feridos, reabre traumas recentes e alimenta o sentimento de vulnerabilidade.
Entre os principais efeitos internos no Líbano, destacam-se:
- Medo de uma nova guerra total entre Israel e Hezbollah, que poderia devastar novamente a infraestrutura do país;
- Pressão sobre o governo libanês, frequentemente acusado de ser refém da agenda do Hezbollah;
- Reforço da polarização interna, entre setores que veem o Hezbollah como resistência legítima e outros que o responsabilizam por arrastar o país para conflitos recorrentes.
Em um país já marcado por crise econômica profunda, inflação elevada e serviços públicos fragilizados, o risco de mais instabilidade militar agrava a sensação de colapso iminente.
Risco de escalada regional
O ataque em Beirute não ocorre em isolamento. Ele se insere em uma conjuntura regional mais ampla, em que:
- o cessar-fogo em Gaza é frequentemente acusado de ser violado por ambas as partes;
- a fronteira entre Líbano e Israel permanece como um dos pontos mais sensíveis do Oriente Médio;
- o Irã é constantemente citado como ator-chave no apoio ao Hezbollah e a outros grupos aliados.
Analistas alertam que ações como o bombardeio em Haret Hreik podem:
- Ampliar o conflito para além da fronteira, arrastando diversos atores regionais;
- Testar a capacidade de mediação dos Estados Unidos, que patrocinaram o cessar-fogo de 2024;
- Complicar esforços diplomáticos em curso, inclusive na ONU, para consolidar um arranjo de segurança mais estável entre Israel e Líbano.
Caso o Hezbollah opte por uma resposta contundente – por exemplo, com ataques de maior alcance ou intensidade contra Israel –, o risco de uma nova guerra aberta, semelhante ou até mais grave que a de 2006, volta ao radar.
O cálculo político de Netanyahu e a pressão interna em Israel
Do lado israelense, o ataque também precisa ser entendido dentro da política doméstica. A liderança de Israel, sob um governo que adota postura linha-dura, busca equilibrar diversos fatores:
- Pressão da opinião pública interna por segurança e firmeza diante de ameaças na fronteira norte;
- Exigência de resultados concretos na contenção do Hezbollah, visto por muitos israelenses como braço avançado do Irã na região;
- Críticas internacionais, que apontam para o risco de violação de acordos e de ampliação descontrolada da violência.
Ao autorizar uma operação em pleno subúrbio de Beirute, a mensagem do governo israelense a seus eleitores é de que não haverá “zonas de imunidade” para a liderança do Hezbollah. Ao mesmo tempo, essa escolha eleva o custo político em caso de escalada: se o Líbano mergulhar em uma nova guerra, a própria sociedade israelense sentirá os efeitos em termos de segurança, economia e desgaste diplomático.
Cessar-fogo sob pressão
O episódio de Haret Hreik ilustra como o cessar-fogo firmado em novembro de 2024 vive sob constante tensão. Ainda que não tenha havido até agora uma ruptura formal do acordo, o acúmulo de incidentes e ataques pontuais mina a confiança entre as partes e reduz o espaço de atuação dos mediadores internacionais.
Na prática, o que se vê é:
- um cessar-fogo fraturado, com períodos de relativa calma intercalados por ataques seletivos;
- uso de operações cirúrgicas para atingir lideranças e infraestruturas consideradas estratégicas;
- um jogo de narrativa em que cada lado acusa o outro de ser o verdadeiro responsável pela erosão do acordo.
Se o padrão atual se mantiver, cresce o risco de que uma sucessão de ataques e contra-ataques acabe rompendo de vez a trégua, abrindo caminho para uma nova fase de confronto aberto.
Perspectivas: entre dissuasão e escalada
O ataque israelense em Haret Hreik contra o suposto chefe militar do Hezbollah é um movimento que combina objetivos táticos imediatos e mensagens estratégicas de longo alcance. Israel busca mostrar capacidade de alcançar alvos de alto valor em qualquer lugar, inclusive na capital libanesa, e reforçar a ideia de que o cessar-fogo não significa passividade.
Por outro lado, a reação do Hezbollah e o clima de indignação no Líbano indicam que a operação terá desdobramentos. A forma e a intensidade da resposta do grupo serão decisivas para definir se o episódio ficará registrado como mais um capítulo da guerra de sombras entre os dois inimigos ou como o gatilho para uma nova escalada aberta.
Enquanto isso, a população civil – tanto no Líbano quanto em Israel – permanece no centro da tensão, vivendo entre sirenes, incerteza e o temor de que um ataque como o de hoje seja apenas o início de algo maior.
Conclusão
A conclusão central é que o ataque israelense em Haret Hreik, no subúrbio sul de Beirute, vai muito além de uma simples operação pontual contra um líder do Hezbollah. Ele expõe a fragilidade de um cessar-fogo que, na prática, funciona mais como uma pausa tensa do que como um acordo estável, e recoloca o Líbano e todo o Oriente Médio diante do risco real de uma nova escalada em larga escala.
Ao escolher atingir um alvo de alto escalão em pleno coração político e simbólico do Hezbollah, Israel envia um recado de força e de alcance operacional, mas ao mesmo tempo empurra o adversário para uma encruzilhada: responder de forma contundente, com o perigo de arrastar a região para uma guerra aberta, ou tentar calibrar a reação para não ser visto como enfraquecido diante de sua própria base.
Nesse tabuleiro, o cessar-fogo mediado internacionalmente vai sendo corroído por ataques seletivos, acusações mútuas de violações e uma crescente desconfiança entre as partes. O episódio em Beirute mostra que qualquer cálculo errado – um ataque mais intenso, uma resposta desproporcional, um erro de avaliação política – pode romper de vez a já fina camada de contenção que ainda separa a região de um conflito mais amplo.
Enquanto governos e grupos armados travam essa disputa de dissuasão e demonstrações de força, é a população civil que segue pagando o preço mais alto: em vidas perdidas, feridos, deslocamentos, colapso econômico e um cotidiano marcado pela incerteza. O ataque de hoje, portanto, não é apenas um movimento militar; é mais um sinal de que a paz continua distante e de que a região permanece presa em um ciclo de violência do qual ainda não encontrou uma saída duradoura.

Faça um comentário