Na madrugada desta quarta-feira, 19 de novembro de 2025, a guerra na Ucrânia voltou a se manifestar com força nas cidades de Lviv, no oeste do país, e Kharkiv, no leste. Uma nova onda de mísseis e drones russos atingiu infraestrutura civil e industrial, causando destruição, incêndios e dezenas de feridos, num momento em que o conflito entra numa fase prolongada de guerra de desgaste.
Embora Lviv não tenha registrado mortos neste ataque específico, Kharkiv voltou a pagar um preço humano elevado, com dezenas de civis feridos. O padrão de ataques confirma uma estratégia russa de atingir simultaneamente infraestrutura energética, logística e centros urbanos, pressionando tanto a capacidade militar ucraniana quanto a resistência psicológica da população.
O que aconteceu em Lviv
Segundo autoridades regionais, explosões atingiram a região de Lviv nas primeiras horas do dia, após o lançamento coordenado de mísseis e drones russos. Os alvos principais foram:
- Um instalação de energia;
- Uma madeireira (planta de processamento de madeira);
- Um armazém, onde um grande incêndio foi registrado;
- Depósitos de pneus na cidade, que pegaram fogo e exigiram resposta rápida dos bombeiros.
Apesar da intensidade do ataque, não houve registro de mortes em Lviv. Serviços essenciais continuaram operando, ainda que com interrupções temporárias em vias e transporte público, que precisaram ser desviados durante o alerta aéreo.
Lviv, que desde o início da invasão foi vista como um “refúgio relativo” por estar mais distante da linha de frente, vem sendo atacada com mais frequência em 2025. Em outubro, a região já tinha sofrido um dos maiores ataques da guerra, com mais de 160 mísseis e drones, resultando em mortes e danos significativos à infraestrutura civil.
Esse histórico mostra que o objetivo russo não é apenas militar: Lviv é um símbolo, porta de entrada diplomática e logística da Ucrânia para a Europa, com forte presença de organizações internacionais, ONGs e rotas de ajuda humanitária.
Kharkiv: bombardeio constante e alto custo humano
Enquanto Lviv tenta manter uma aparência de normalidade sob sirenes frequentes, Kharkiv continua na linha de fogo desde 2022. No ataque mais recente, drones explosivos russos atingiram áreas residenciais, provocando incêndios e deixando ao menos 40 feridos, incluindo crianças, de acordo com autoridades locais.
Entre os pontos mais afetados:
- Prédios residenciais de vários andares, que precisaram ser evacuados durante a noite;
- Áreas próximas a uma unidade médica, onde houve danos à estrutura e a veículos;
- Distritos de Slobidskyi e Osnovyansky, atingidos por múltiplos drones na mesma operação.
Nos últimos meses, Kharkiv vem acumulando uma sucessão de ataques contra:
- Escolas e jardins de infância (creches);
- Prédios de apartamentos;
- Infraestrutura de transporte e serviços urbanos.
Esses ataques se somam a outros episódios recentes na região de Kharkiv, incluindo:
- A morte de uma adolescente de 17 anos e vários feridos em ataque de míssil a Berestyn, em 18 de novembro;
- Ataques anteriores a edifícios residenciais e creches, com mortos e feridos entre crianças.
O padrão é claro: Kharkiv se tornou laboratório de terror psicológico, onde qualquer noite pode se transformar em desastre.
Escalada de intensidade: centenas de drones e mísseis em uma única noite
O ataque contra Lviv e Kharkiv não ocorreu isolado. Segundo autoridades ucranianas, a Rússia lançou recentemente centenas de drones e dezenas de mísseis em uma única operação contra todo o país, mirando infraestrutura energética e de transporte em vários oblasts.
- Foram registradas mais de 470 aeronaves não tripuladas (drones) e 48 mísseis lançados num período curto, com múltiplas ondas.
- Infraestruturas energéticas em ao menos sete regiões foram atingidas, exigindo cortes emergenciais de energia em meio ao início do frio mais intenso.
- Explosões também foram registradas em Kyiv e outras grandes cidades, obrigando moradores a se abrigarem em estações de metrô e abrigos subterrâneos.
A operação russa teve reflexos fora da Ucrânia:
a Polônia fechou temporariamente aeroportos em Rzeszów e Lublin e colocou caças em alerta, temendo violações de seu espaço aéreo por mísseis ou drones que pudessem sair de rota.
Esse tipo de ataque serve a múltiplos objetivos:
- Militar – tentar quebrar a infraestrutura energética e logística ucraniana em pleno outono/inverno;
- Político – enviar mensagem de força num momento em que Kiev exige mais apoio ocidental;
- Psicológico – aumentar a sensação de vulnerabilidade entre civis, tanto na Ucrânia quanto nos países vizinhos da OTAN.
Guerra de desgaste e “ataques em profundidade”
O que se vê na atual fase do conflito é uma guerra de longa duração, em que a Rússia aposta na superioridade quantitativa de munições e na capacidade de manter ataques aéreos constantes sobre cidades ucranianas.
Paralelamente, a Ucrânia tem respondido com sua própria estratégia de “ataques em profundidade” dentro do território russo, especialmente por meio de drones contra bases aéreas e infraestrutura militar, como ocorreu na Operação Spiderweb, em junho de 2025.
Essa dinâmica cria um cenário de:
- Círculo vicioso de ataques e retaliações, com ênfase em atingir capacidades logístico-militares do adversário;
- Crescente risco de erros de cálculo ou incidentes que possam envolver diretamente países da OTAN, como Polônia e Romênia;
- Pressão sobre estoques de mísseis, drones e sistemas de defesa aérea de ambos os lados.
Impacto sobre civis e possível enquadramento como crimes de guerra
Organizações internacionais e autoridades ucranianas apontam que muitos desses ataques se enquadram em padrões de violência contra civis, o que pode configurar crimes de guerra sob o direito internacional humanitário.
Entre os elementos que sustentam essa avaliação:
- Ataques repetidos contra áreas residenciais, creches, escolas e hospitais;
- Uso de drones e mísseis em locais aparentemente sem valor militar direto;
- Saldo constante de mortos e feridos entre crianças, idosos e civis desarmados;
- Investigações formais abertas por promotores ucranianos sobre ataques gravados em vídeo, como o caso de civis sob bandeira branca mortos por drone em novembro.
A documentação sistemática desses ataques será central para futuras ações em tribunais internacionais, mas, no curto prazo, pouco muda a realidade no terreno: para os moradores de Lviv, Kharkiv, Dnipro e outras cidades, a rotina é conviver com sirenes, abrigos antibomba e escuridão forçada por quedas de energia.
Reação política e necessidade de defesa aérea
Diante da nova onda de ataques, Kiev voltou a pedir mais sistemas de defesa aérea aos aliados ocidentais, como Patriot, Iris-T e NASAMS, além de munições para interceptar drones e mísseis.
Há três linhas principais de discussão entre os parceiros europeus e da OTAN:
- Capacidade de reposição – a Europa enfrenta dificuldade para produzir, em ritmo suficiente, mísseis de defesa aérea para sustentar a defesa ucraniana em longo prazo.
- Proteção das fronteiras da OTAN – episódios como o fechamento de aeroportos na Polônia mostram que a guerra já tem efeitos diretos na segurança do bloco.
- Custo político interno – governos europeus equilibram pressão da opinião pública, inflação, gastos militares e apoio à Ucrânia.
Enquanto isso, autoridades ucranianas insistem que cada ataque como o de Lviv e Kharkiv é um argumento adicional para:
- Endurecer sanções contra Moscou;
- Prosseguir com o isolamento diplomático da Rússia;
- Acelerar entregas de armamento, especialmente defesa antiaérea e sistemas de interdição de drones.
Perspectivas: inverno, energia e moral da população
Com a chegada do frio mais intenso, a estratégia russa de mirar infraestrutura energética tende a se intensificar. Cortes de luz, aquecimento e água potável podem se tornar mais frequentes, elevando:
- A pressão sobre o governo ucraniano, obrigado a manter serviços mínimos sob bombardeio constante;
- O risco humanitário, com famílias inteiras vulneráveis ao frio e sem condições adequadas de abrigo;
- A dependência de ajuda externa, tanto em equipamentos quanto em apoio financeiro.
Por outro lado, a experiência dos últimos invernos mostra que:
- A população ucraniana manteve alto grau de resiliência, adaptando-se a geradores, centros de aquecimento e redes de apoio comunitário;
- A Rússia não conseguiu, até agora, quebrar a vontade política de Kiev ou provocar um colapso completo da rede energética.
Assim, os ataques contra Lviv e Kharkiv, embora devastadores, se inserem num quadro mais amplo: uma guerra que se estabilizou em linhas de frente relativamente fixas, mas em que o céu permanece como principal campo de batalha.
Enquanto o conflito continuar, cidades até então consideradas “retaguarda”, como Lviv, seguirão sob ameaça – e locais como Kharkiv continuarão simbolizando o custo humano extremo de uma guerra prolongada.
Conclusão
Os ataques contra Lviv e Kharkiv reforçam a percepção de que a guerra na Ucrânia entrou numa fase em que tempo, capacidade industrial e resistência social são tão decisivos quanto tanques e soldados na linha de frente. A Rússia aposta em uma campanha prolongada de desgaste, usando mísseis e drones para tornar o cotidiano ucraniano imprevisível, perigoso e energeticamente precário, especialmente às vésperas do inverno.
Do lado ucraniano, a resposta combina resiliência interna, diplomacia intensa e pressão por mais apoio militar ocidental. Cidades antes vistas como relativamente seguras, como Lviv, deixaram de ser retaguarda confiável, enquanto locais historicamente vulneráveis, como Kharkiv, seguem expostos a bombardeios quase constantes.
Para a Europa, os eventos da madrugada não são apenas “mais um capítulo” da guerra, mas um lembrete de que o conflito já se projeta além das fronteiras ucranianas – seja pelo risco de incidentes na Polônia e outros países da OTAN, seja pela pressão crescente sobre a segurança energética, a indústria de defesa e a coesão política interna.
Em última instância, os ataques de hoje mostram que:
- A Rússia continua disposta a usar força massiva e sistemática contra infraestrutura e civis;
- A Ucrânia depende, de forma cada vez mais crítica, de defesa aérea avançada e apoio financeiro prolongado;
- A comunidade internacional terá de decidir se aceita como “novo normal” uma guerra de desgaste no coração da Europa ou se está preparada para aumentar o custo estratégico dessa campanha para Moscou.
Enquanto essa definição não vem, a realidade para milhões de ucranianos permanece a mesma: viver entre sirenes, abrigos e apagões, numa rotina em que cada noite pode trazer não apenas o som distante de explosões, mas a destruição direta de suas casas, escolas e hospitais.

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