
A tensão no sul da Síria atingiu novos patamares em 2025, com a intensificação do avanço militar israelense na província de Quneitra. Desde o colapso do regime de Bashar al-Assad, em dezembro de 2024, após uma ofensiva islamista que fragmentou o controle do país, a região se transformou em palco de movimentações estratégicas que desafiam acordos históricos e ameaçam reconfigurar a geopolítica do Oriente Médio.
Historicamente parte de uma zona desmilitarizada estabelecida pelo Acordo de Separação de Forças de 1974, Quneitra sempre ocupou posição sensível na fronteira entre Israel e Síria. No entanto, a recente ausência de um governo central forte em Damasco abriu espaço para operações israelenses cada vez mais ousadas, justificadas por Tel Aviv como medidas de segurança para impedir a presença de grupos armados como Hezbollah e milícias apoiadas pelo Irã.
Linha do tempo da escalada
O primeiro avanço ocorreu logo após a queda de Assad, em dezembro de 2024, quando tropas israelenses cruzaram a linha de cessar-fogo e assumiram posições na zona-tampão. Em fevereiro de 2025, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu declarou publicamente que não permitiria a presença do grupo jihadista Hayat Tahrir al-Sham (HTS) nas províncias de Quneitra, Daraa e Suwayda, e defendeu uma presença militar indefinida para proteger comunidades drusas.
A partir daí, as operações se tornaram mais frequentes e robustas. Em 5 de março, houve três incursões em apenas 24 horas, atingindo localidades como Ain al-Nurieh, Umm Batna e Swissa. Menos de duas semanas depois, em 19 de março, Israel lançou sua maior operação até então na região, mobilizando cerca de 50 veículos blindados para avançar sobre a cidade de Al-Adnaniyah.
No mês de julho, a ofensiva se expandiu para Suwesah e Nabaa Al-Sakhr, onde pelo menos seis civis, incluindo duas crianças, foram detidos. No mesmo período, Israel foi acusado de incendiar deliberadamente terras agrícolas em Al-Rafid, destruindo dezenas de dunams e interditando aproximadamente 6 mil hectares para uso militar.
O episódio mais recente ocorreu em 9 de agosto de 2025, quando comboios israelenses avançaram sobre Ruwayhina, Rasm al-Halabi e Al-Rafid, estabelecendo pontos de controle e recuando horas depois, mas mantendo vigilância constante sobre a área.
Impactos humanitários e sociais
O avanço israelense provocou perdas significativas para a população local. Casas foram demolidas, plantações destruídas e o movimento de civis severamente restringido por bloqueios militares. Agricultores relatam a perda de olivais e campos inteiros, o que comprometeu a segurança alimentar e a economia rural. Muitas famílias foram obrigadas a deixar suas casas, deslocando-se para outras regiões da Síria.
Repercussão internacional
As ações de Israel em Quneitra receberam condenação da ONU e de diversos governos estrangeiros, que consideram o avanço uma violação direta do acordo de 1974 e da soberania síria. Em 10 de agosto de 2025, o Ministério das Relações Exteriores de Singapura classificou como “perigoso e inaceitável” o plano israelense de expandir operações militares em Gaza, conectando o alerta ao aumento da tensão em outros pontos de conflito na região.
Apesar das críticas, não há sanções internacionais específicas contra Israel pelo caso de Quneitra, e as respostas diplomáticas têm sido limitadas a declarações formais.
Consequências estratégicas e equilíbrio de forças
A presença militar israelense em Quneitra oferece a Tel Aviv controle sobre posições estratégicas, como observatórios no Monte Hermon e colinas que dominam vias de acesso militares. Essa vantagem permite monitorar movimentações sírias e de aliados como Hezbollah, dificultando a consolidação de rotas logísticas do Irã entre Damasco e o sul do Líbano.
Para o Hezbollah, a nova configuração impõe desafios operacionais e logísticos, mas também pode servir de incentivo para intensificar ações de desgaste na fronteira libanesa. Já para o Irã, a perda de acesso fácil ao corredor sírio representa um revés estratégico que pode motivar ajustes em sua presença e apoio militar na região. A própria Síria, enfraquecida politicamente, vê sua integridade territorial comprometida e sua capacidade de resistência cada vez mais limitada.
Perspectivas
Se Israel mantiver a ocupação e ampliar infraestruturas militares em Quneitra, o equilíbrio de forças no sul da Síria tende a sofrer mudanças permanentes. O prolongamento desse cenário aumenta o risco de confrontos diretos com o Hezbollah, de respostas indiretas do Irã e de agravamento da crise humanitária local. A fronteira sul síria, que por décadas foi relativamente estável, pode se tornar um dos epicentros de tensão no Oriente Médio nos próximos meses.
Conclusão
O avanço militar israelense em Quneitra representa mais do que uma operação pontual: é parte de uma estratégia de longo prazo para redesenhar a configuração de segurança no sul da Síria. Essa movimentação altera o equilíbrio de forças na região, ameaça acordos históricos e impõe custos humanitários significativos à população local. A permanência dessa presença militar, combinada à ausência de uma solução diplomática concreta, cria um cenário volátil, com alto potencial para novos confrontos regionais e impacto direto na estabilidade do Oriente Médio.
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