Bolívia à beira de um novo capítulo: Rodrigo Paz ou “Tuto” Quiroga no segundo turno

Rodrigo Paz Pereira cumprimenta apoiadores durante evento de campanha em La Paz, Bolívia, 11 de junho de 2025.
Rodrigo Paz Pereira durante evento de campanha em La Paz, Bolívia, em 11 de junho de 2025.

A Bolívia se prepara para um momento histórico. No dia 19 de outubro de 2025, o país realizará o primeiro segundo turno presidencial de sua história democrática. O pleito marca uma virada política após quase duas décadas de hegemonia do Movimiento al Socialismo (MAS), partido que dominou a cena nacional sob as lideranças de Evo Morales e Luis Arce.

Com o MAS fora da disputa, a população terá que escolher entre dois projetos diferentes de futuro: o centrista Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão (PDC), e o conservador Jorge “Tuto” Quiroga, da Alianza Libre. Ambos representam, de formas distintas, a promessa de mudança — mas com caminhos e custos muito diferentes.

Quem são os candidatos

CandidatoPartidoIdeologiaPerfilResultado no 1º turnoPrincipais propostas
Rodrigo Paz PereiraPartido Democrata Cristão (PDC)Centro / Liberal ModeradoEx-prefeito de Tarija e filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora. Defende diálogo e estabilidade.32% dos votos válidosReformas graduais, incentivo ao setor privado, combate à corrupção e preservação de políticas sociais.
Jorge “Tuto” QuirogaAlianza LibreDireita ConservadoraEx-presidente interino (2001–2002), economista liberal.27% dos votos válidosPrivatizações, cortes de subsídios e reaproximação com FMI e investidores estrangeiros.

Como foi o primeiro turno das eleições na Bolívia

O primeiro turno presidencial da Bolívia, realizado em 22 de setembro de 2025, marcou um dos pleitos mais disputados da história recente do país. O centrista Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão (PDC), surpreendeu ao liderar a votação com 32% dos votos válidos, enquanto o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, da Alianza Libre, ficou em segundo lugar com 27%.

O grande destaque, porém, foi o fracasso histórico do Movimiento al Socialismo (MAS), que conquistou apenas 18%, ficando fora do segundo turno pela primeira vez desde 2005. A candidatura de María Nela Prada, apoiada por Luis Arce, não conseguiu reverter o desgaste do governo e a divisão interna do partido.

Outros candidatos, como Samuel Doria Medina (Unidad Nacional) e Luis Fernando Camacho (Creemos), obtiveram 10% e 7%, respectivamente, e agora são vistos como potenciais aliados nas alianças para o segundo turno.

A taxa de participação foi alta, atingindo 84% do eleitorado, reflexo da polarização e da sensação de “mudança inevitável” entre os bolivianos.

Resultado oficial do 1º turno

CandidatoPartidoPercentual de votos
Rodrigo Paz PereiraPartido Democrata Cristão (PDC)32%
Jorge “Tuto” QuirogaAlianza Libre27%
María Nela PradaMovimiento al Socialismo (MAS)18%
Samuel Doria MedinaUnidad Nacional10%
Luis Fernando CamachoCreemos7%
Outros / Nulos / Brancos6%

O cenário político e o desgaste do MAS

O Movimiento al Socialismo (MAS) dominou a política boliviana por quase vinte anos. Sob Evo Morales, o país viveu um período de crescimento sustentado, com redução da pobreza e ampliação dos direitos indígenas. No entanto, a desaceleração econômica, a inflação crescente e as denúncias de corrupção enfraqueceram o partido.

O sucessor de Morales, Luis Arce, enfrentou protestos e queda na popularidade. O modelo de forte intervenção estatal, sustentado por receitas do gás e do lítio, começou a se esgotar, levando o eleitorado a buscar alternativas.

Nesse contexto, Paz e Quiroga emergiram como os rostos da oposição — cada um oferecendo uma saída diferente da crise.

Comparativo das propostas

TemaRodrigo PazJorge “Tuto” Quiroga
EconomiaReforma fiscal gradual e estímulo à iniciativa privada, sem cortes bruscos nos programas sociais.Ajuste fiscal rápido, privatizações e corte de subsídios.
Setor públicoRedução moderada e foco em transparência.Reestruturação ampla do Estado e auditorias em empresas estatais.
Recursos naturais (lítio e gás)Exploração regulada com controle estatal parcial e foco em sustentabilidade.Abertura total ao capital estrangeiro e flexibilização ambiental.
Programas sociaisManutenção e revisão conforme o orçamento.Reavaliação profunda, com possibilidade de cortes.
Política externaEquilíbrio entre EUA, China e vizinhos sul-americanos.Alinhamento mais firme com os EUA e organismos financeiros.

Projeções econômicas pós-eleição

Economistas e instituições como o FMI e o BID avaliam que, qualquer que seja o vencedor, a Bolívia enfrentará ajustes necessários para conter o déficit fiscal e recuperar as reservas internacionais. Contudo, o ritmo e a intensidade dessas reformas variam de acordo com o projeto eleito.

CenárioCrescimento do PIB (2026)Inflação previstaRisco de instabilidade socialRelações externas
Vitória de Rodrigo Paz2,5 % a 3 % — crescimento moderado e sustentável6 % (queda gradual)Baixo a médio — menor choque socialRelações equilibradas entre blocos regionais e potências
Vitória de Tuto Quiroga4 % a 4,5 % — crescimento acelerado por reformas liberais9 % a 10 % (alta inicial)Médio a alto — risco de protestos e resistência sindicalReaproximação com EUA e FMI

A exploração do lítio — considerado o “ouro branco” da Bolívia — também será decisiva. Paz promete manter controle nacional sobre as reservas, enquanto Quiroga defende atrair grandes corporações internacionais para expandir a produção.

As regiões decisivas e o voto popular

As regiões ocidentais e indígenas, tradicionalmente ligadas ao MAS, poderão definir o resultado. Rodrigo Paz busca conquistar esse eleitorado com um discurso de respeito às conquistas sociais. Já Quiroga aposta em seu histórico administrativo e na promessa de “modernização imediata da economia”.

O apoio de candidatos menores, como Samuel Doria Medina, pode ser o fiel da balança. As últimas pesquisas apontam uma disputa apertada, com pequena vantagem para Paz nas áreas urbanas e liderança de Quiroga nas regiões empresariais do leste.

Desafios do próximo governo

Independentemente de quem vença, o novo presidente enfrentará quatro grandes desafios:

  1. Recuperar a economia, marcada por inflação e déficit fiscal.
  2. Restaurar a confiança institucional, abalada por denúncias de corrupção e instabilidade política.
  3. Atrair investimentos estrangeiros sem abrir mão da soberania sobre recursos estratégicos.
  4. Garantir coesão social, evitando que ajustes econômicos gerem protestos como os de 2019.

Conclusão

O segundo turno presidencial da Bolívia em 2025 representa mais do que uma disputa eleitoral: é um divisor de águas político e econômico.

Se Rodrigo Paz vencer, o país deve adotar um caminho de reformas graduais e estabilidade, buscando preservar conquistas sociais e reconstruir a confiança internacional.
Se Jorge “Tuto” Quiroga triunfar, a Bolívia poderá embarcar em uma mudança liberal profunda, com reformas rápidas, privatizações e maior integração ao mercado global — ainda que à custa de tensões sociais no curto prazo.

O resultado do dia 19 de outubro mostrará qual caminho a Bolívia está disposta a seguir: a transição cautelosa de Paz ou o choque liberal de Quiroga. Seja qual for o desfecho, a eleição já entrou para a história como o início de uma nova era política no coração da América do Sul.

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