A decisão da China de suspender por um ano as restrições de exportação de tecnologias e produtos ligados às terras-raras reacendeu um debate sensível na Europa: até que ponto a União Europeia pode depender de Pequim para o fornecimento de insumos considerados vitais para a transição verde, a indústria tecnológica e a defesa?
O anúncio, feito por autoridades chinesas no fim de outubro, ocorre em um momento em que as cadeias globais de suprimentos passam por forte reconfiguração, impulsionadas por disputas comerciais e pela crescente rivalidade entre Estados Unidos, União Europeia e China.
Embora Pequim tenha descrito a medida como “temporária” e voltada a “fortalecer a cooperação tecnológica global”, Bruxelas reagiu com cautela, buscando confirmar se a suspensão é válida para todos os parceiros comerciais ou apenas para os EUA, após o recente acordo sino-americano sobre semicondutores.
O que são as terras-raras e por que elas são estratégicas?
As terras-raras são um grupo de 17 elementos químicos — como neodímio, lantânio e disprósio — essenciais para a fabricação de baterias, motores elétricos, painéis solares, turbinas eólicas, smartphones e equipamentos militares.
Apesar de seu nome, esses minerais não são exatamente raros na crosta terrestre, mas sua extração e refinamento são complexos e ambientalmente custosos, o que explica por que a China domina cerca de 60% da produção mundial e mais de 85% do processamento global.
Essa concentração deu a Pequim uma vantagem estratégica nos últimos 20 anos, transformando as terras-raras em um instrumento de influência geoeconômica.
Sempre que tensões políticas aumentam, o mercado global reage de forma imediata a qualquer sinal de restrição chinesa — e foi exatamente o que ocorreu nas últimas semanas, antes do anúncio de suspensão.
A reação europeia: cautela e preocupação com dependência estrutural
O Comissário Europeu para o Comércio, Maroš Šefčovič, declarou que a União Europeia espera que a suspensão seja aplicada de forma erga omnes, ou seja, a todos os países de maneira igualitária — e não apenas aos Estados Unidos.
Segundo ele, o bloco europeu não aceitará discriminação comercial em setores considerados críticos para sua segurança e competitividade industrial.
“Precisamos de previsibilidade e transparência nas cadeias de suprimentos. A Europa quer relações equilibradas, não dependência estratégica”, afirmou Šefčovič em Bruxelas.
A preocupação não é nova: a UE vem buscando diversificar suas fontes de minerais críticos por meio de acordos com parceiros como Austrália, Canadá e países africanos.
Em 2023, o bloco aprovou o Critical Raw Materials Act, um conjunto de normas que visa reduzir a dependência de importações chinesas e desenvolver capacidade própria de refino e reciclagem dentro da Europa.
A disputa global por minerais críticos
A corrida por minerais estratégicos tornou-se um dos principais eixos da rivalidade econômica global.
Os Estados Unidos têm investido bilhões de dólares em programas de incentivo à mineração e ao processamento doméstico, enquanto o Japão e a Coreia do Sul tentam garantir suprimentos alternativos por meio de parcerias na África e na América Latina.
A Europa, por sua vez, ainda enfrenta limitações estruturais: baixo investimento em mineração, burocracia ambiental complexa e falta de expertise industrial para processar esses materiais em larga escala.
Isso torna o bloco vulnerável a choques de oferta — algo que a China sabe explorar com precisão diplomática.
Analistas apontam que a decisão de suspender temporariamente as restrições pode servir a três objetivos estratégicos chineses:
- Reduzir tensões comerciais com o Ocidente em um momento de pressão econômica interna.
- Ganhar influência política ao oferecer concessões seletivas, especialmente aos EUA.
- Testar a reação europeia e medir o grau de coesão dentro da UE em temas industriais sensíveis.
A Europa entre pragmatismo e autonomia estratégica
A União Europeia enfrenta um dilema: como equilibrar pragmatismo econômico e autonomia estratégica.
A dependência de insumos chineses é particularmente crítica para setores que sustentam o Pacto Verde Europeu, que prevê a neutralidade climática até 2050.
Sem acesso seguro a minerais como o neodímio e o cobalto, a indústria europeia de veículos elétricos e turbinas eólicas corre o risco de perder competitividade frente aos EUA e à Ásia.
Bruxelas tenta responder a esse desafio com o conceito de “abertura estratégica” — manter comércio e cooperação com a China, mas fortalecer cadeias produtivas locais e investir em inovação e reciclagem de materiais.
Entretanto, especialistas alertam que a transição para a autossuficiência será lenta e que a Europa deve enfrentar pelo menos mais uma década de vulnerabilidade antes de alcançar equilíbrio estrutural.
Implicações políticas e de segurança
Além do impacto econômico, a decisão chinesa tem implicações de segurança.
As terras-raras são componentes essenciais para radares, mísseis guiados e equipamentos de comunicação militar.
Qualquer limitação na exportação pode afetar diretamente a base industrial de defesa da Europa, especialmente no contexto de aumento dos gastos militares após a guerra na Ucrânia.
Países como Alemanha e França já alertaram que a dependência de materiais estratégicos de regimes autoritários representa risco geopolítico comparável à antiga dependência do gás russo.
Assim, o debate sobre as terras-raras se insere em um quadro mais amplo de reorganização das alianças globais e das cadeias de segurança energética e tecnológica.
Conclusão
A suspensão temporária das restrições chinesas às exportações de terras-raras é, ao mesmo tempo, um gesto de flexibilização e um aviso estratégico.
Enquanto Pequim demonstra disposição para aliviar tensões, mantém o controle sobre um recurso vital que sustenta boa parte da economia moderna.
Para a União Europeia, o episódio serve como um alerta de vulnerabilidade e reforça a necessidade de avançar em políticas de autonomia industrial e resiliência tecnológica.
No longo prazo, o equilíbrio entre cooperação e independência será decisivo para definir o papel da Europa em um mundo cada vez mais multipolar — onde os minerais críticos são, literalmente, o novo petróleo da geopolítica.

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