Conflitos no centro do Sudão deixam milhares desalojados e expõem a fragilidade humanitária do país

Pessoas deslocadas buscam abrigo em North Kordofan, no centro do Sudão, após novos combates entre forças rivais.
Mais de 1.500 pessoas foram deslocadas no estado de North Kordofan, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Cerca de 2.000 pessoas foram forçadas a abandonar suas casas após intensos confrontos ocorridos entre sexta-feira e sábado na região de Bara, no estado de North Kordofan, centro do Sudão. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), os deslocamentos ocorreram em meio a uma escalada de violência que atinge áreas rurais do país, já duramente afetadas por meses de conflito e instabilidade política.

A OIM informou que as famílias desalojadas fugiram para comunidades vizinhas, levando consigo poucos pertences e enfrentando condições precárias de abrigo, alimentação e assistência médica. O episódio é mais um reflexo da deterioração da situação humanitária no Sudão, que vive uma das crises de deslocamento mais graves do mundo.

Raízes do conflito e expansão da violência

Desde abril de 2023, o Sudão é palco de uma guerra devastadora entre o Exército Sudanês e as Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês), disputa que começou na capital, Cartum, e rapidamente se espalhou para outras regiões do país. O conflito tem origem em divergências políticas e militares entre os generais Abdel Fattah al-Burhan (líder do Exército) e Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemeti, comandante das RSF.

Embora os confrontos mais intensos tenham ocorrido em Cartum e em partes do Darfur, o centro do país — incluindo North Kordofan — passou a registrar um aumento preocupante na violência desde o segundo semestre de 2024. Bara, em particular, tornou-se um ponto estratégico por sua localização entre Cartum e El-Obeid, uma das cidades mais importantes da região.

Analistas apontam que o avanço das forças rivais para o interior do Sudão tem ampliado o número de civis atingidos e dificultado a atuação de organizações humanitárias. Muitas estradas foram bloqueadas, e comboios de ajuda têm sido alvo de ataques ou saques, o que agrava ainda mais a crise.

Crise humanitária em expansão

Segundo estimativas recentes das Nações Unidas, mais de 10 milhões de pessoas já foram deslocadas internamente desde o início da guerra, enquanto outras 2 milhões buscaram refúgio em países vizinhos, como Chade, Sudão do Sul e Egito.

Em North Kordofan, a falta de acesso a recursos básicos tem levado muitas famílias a depender exclusivamente de doações. Em algumas áreas, há relatos de escassez de alimentos, surtos de doenças e ausência quase total de serviços de saúde.

A OIM e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) têm alertado para a necessidade urgente de corredores humanitários seguros, mas a continuidade dos combates impede a chegada regular de assistência. A insegurança também ameaça a produção agrícola local, aumentando o risco de fome generalizada nos próximos meses.

Impactos regionais e geopolíticos

A guerra no Sudão tem implicações que ultrapassam suas fronteiras. A instabilidade ameaça desestabilizar o Chifre da África e o Sahel, duas regiões já marcadas por crises políticas e presença de grupos armados. Países como o Chade e a República Centro-Africana enfrentam fluxos constantes de refugiados sudaneses, pressionando seus frágeis sistemas econômicos e sociais.

Além disso, potências regionais e internacionais acompanham de perto o desenrolar do conflito. Enquanto os Estados Unidos e a ONU têm tentado mediar negociações de cessar-fogo, países como Egito, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita são apontados como influentes nos bastidores, seja por alianças políticas ou por interesses estratégicos.

Um país em colapso silencioso

Com a destruição de infraestrutura essencial, colapso econômico e aumento das tensões étnicas, o Sudão se encontra à beira de um colapso prolongado. A ausência de um processo político efetivo e o enfraquecimento das instituições estatais tornam incerto o futuro do país.

Em meio ao caos, a população civil continua a pagar o preço mais alto. Famílias como as que fugiram de Bara representam apenas uma pequena fração do sofrimento coletivo que se espalha pelo território sudanês.

Sem uma solução diplomática concreta e com a atenção internacional dividida por outros conflitos globais, o Sudão corre o risco de mergulhar ainda mais em uma crise humanitária de dimensões catastróficas.

Conclusão

O deslocamento de milhares de civis em North Kordofan não é apenas mais um episódio da guerra sudanesa — é o retrato de um país que se fragmenta a cada novo confronto. A repetição de ataques, o colapso da infraestrutura e a paralisia diplomática mostram que a crise no Sudão se tornou um conflito prolongado sem horizonte de paz à vista.

Enquanto as potências internacionais concentram atenções em outros cenários globais, milhões de sudaneses continuam invisíveis, sobrevivendo entre campos de deslocados, escassez e medo. A comunidade internacional, a União Africana e os países vizinhos enfrentam agora o desafio de impedir que o Sudão se torne um Estado falido no coração do continente africano.

A estabilização do país depende não apenas de cessar-fogos temporários, mas de uma estratégia duradoura que garanta segurança, reconstrução institucional e apoio humanitário contínuo. Sem isso, as vozes de Bara — assim como de tantas outras localidades devastadas — continuarão ecoando como símbolo da tragédia que o mundo insiste em ignorar.

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