O encontro entre o presidente sul-coreano Lee e o chanceler alemão Merz vai muito além da diplomacia de cortesia. Ao pedir que a Alemanha compartilhe sua experiência de reunificação, Seul sinaliza que está olhando para o futuro da Península Coreana – ao mesmo tempo em que aproveita a ocasião para estreitar laços em energia e minerais críticos, dois pilares da economia do século XXI.
Este artigo analisa o significado político desse pedido, o que a experiência alemã realmente pode oferecer, como a cooperação econômica entra na equação e que mensagem essa aproximação envia à comunidade internacional.
Por que a Coreia do Sul busca a experiência alemã?
A Coreia do Sul vive há décadas com a realidade de uma nação dividida: ao sul, uma democracia industrializada e tecnologicamente avançada; ao norte, um regime autoritário, militarizado e nuclear. A reunificação é, ao mesmo tempo:
- Um ideal nacional presente na retórica oficial;
- Um desafio prático gigantesco, que envolve custos econômicos, choques sociais e riscos de segurança.
A Alemanha é o exemplo mais recente e bem-sucedido de reunificação pacífica de um país dividido por um conflito sistêmico – neste caso, a Guerra Fria. Quando o presidente Lee pede ao chanceler Merz que compartilhe essa experiência, ele está, essencialmente, buscando:
- Lições econômicas:
- Como integrar uma região menos desenvolvida a uma economia avançada;
- Como lidar com disparidades salariais, previdenciárias e de infraestrutura;
- Que tipo de política fiscal e de investimentos públicos foi necessária.
- Lições sociais e políticas:
- Como reconstruir instituições em um território que viveu sob outro sistema político;
- Como lidar com memórias de repressão, grupos privilegiados do regime anterior e “arquivos sensíveis”;
- Como construir uma narrativa nacional comum pós-divisão.
- Lições de segurança:
- Como reorganizar estruturas militares e de fronteira;
- Como reposicionar o país em alianças internacionais após uma mudança geopolítica profunda.
A Coreia do Sul sabe que nenhuma experiência é copiável 100%, mas a reunificação alemã oferece um laboratório concreto de erros, acertos e custos que podem orientar planejamento de longo prazo.
A diferença entre os casos alemão e coreano
Embora a Alemanha seja uma referência óbvia, há diferenças estruturais importantes:
1. Regime político e militarização
- A Alemanha Oriental (RDA) era um regime comunista, mas inserido num contexto em que o bloco soviético já estava em declínio e sem armas nucleares próprias.
- A Coreia do Norte é um regime dinástico, isolado, fortemente militarizado e com capacidade nuclear declarada.
Isso significa que qualquer cenário de mudança profunda na Península Coreana passa por:
- Questões de desarmamento nuclear;
- Papel dos Estados Unidos, China, Rússia e Japão;
- Alto risco de instabilidade se a transição não for cuidadosamente gerida.
2. Nível de integração econômica pré-reunificação
- Antes de 1990, havia algum contato econômico e humano entre as duas Alemanhas, e o colapso da RDA ocorreu junto com uma ampla abertura do bloco soviético.
- Entre as Coreias, o contato é muito mais limitado, com alguns projetos pontuais no passado (como o complexo industrial de Kaesong) e longos períodos de tensão.
Isso implica que o “salto” de integração, no caso coreano, tende a ser mais abrupto e mais custoso.
3. Ambiente internacional
- A reunificação alemã ocorreu em uma fase de distensão global, fim da Guerra Fria e reconfiguração da OTAN e da União Europeia.
- Qualquer processo profundo de mudança na Península Coreana se daria em um contexto de competição intensa entre EUA e China, rearmamento regional e incerteza global.
Mesmo assim, a experiência alemã fornece um conjunto de mapas e alertas que Seul quer conhecer em detalhes – especialmente no plano econômico e social.
O conteúdo político do pedido: reunificação como horizonte
Quando o presidente Lee fala de reunificação diante do chanceler alemão, ele também está:
- Sinalizando para o público doméstico que o tema continua na agenda estratégica da Coreia do Sul;
- Mostrando que seu governo pensa a questão de forma técnica e de longo prazo, e não apenas como slogan;
- Reforçando para parceiros internacionais que qualquer cenário futuro precisa de coordenação, experiência comparada e apoio externo.
Não se trata de dizer que a reunificação é iminente, mas de mostrar que:
- A Coreia do Sul não está esperando passivamente;
- Está acumulando conhecimento e construindo pontes que podem ser úteis em diferentes cenários – de uma abertura gradual do Norte a mudanças bruscas no regime.
Energia e minerais críticos: o outro eixo da conversa
Além da pauta simbólica da reunificação, o encontro Lee–Merz deu destaque à cooperação em energia e minerais críticos – um tema de altíssimo interesse para ambos os países.
1. Transição energética e segurança de suprimento
Tanto a Coreia do Sul quanto a Alemanha são:
- Economias altamente industrializadas;
- Fortemente dependentes de importações de energia e matérias-primas;
- Expostas a choques externos, como guerras, sanções e volatilidade de preços.
A transição para fontes mais limpas – renováveis, hidrogênio, tecnologias de baixa emissão – exige:
- Investimentos maciços em infraestrutura;
- Estabilidade de suprimento de minerais críticos usados em baterias, eletrônicos, turbinas, semicondutores e equipamentos de energia.
Nesse contexto, a cooperação entre Seul e Berlim pode envolver:
- Projetos conjuntos de pesquisa em tecnologias de energia limpa;
- Coordenação em cadeias de suprimento de minerais como lítio, cobalto, níquel, terras raras e outros;
- Estratégias para reduzir dependência de fornecedores únicos, principalmente em um ambiente de tensões geopolíticas.
2. Minerais críticos e competição global
O mapa dos minerais críticos é, hoje, também um mapa de disputas estratégicas. Estados Unidos, União Europeia, China e países asiáticos disputam:
- Acesso estável a minas e reservas em África, América Latina e Ásia;
- Capacidade de processamento e refino;
- Controle de tecnologia ao longo da cadeia de valor.
Ao aproximar Coreia do Sul e Alemanha:
- A Alemanha, como principal economia da União Europeia, busca parceiros confiáveis com alta capacidade industrial e tecnológica;
- A Coreia do Sul, com forte setor de baterias, semicondutores e indústria pesada, procura consolidar sua posição como elo indispensável em cadeias globais estratégicas.
Essa parceria é, portanto, tanto econômica quanto geopolítica.
Um eixo Seul–Berlim em tecnologia e indústria
O relacionamento entre Coreia do Sul e Alemanha tem base sólida em:
- Indústria automotiva e de máquinas;
- Tecnologia e inovação;
- Valores compartilhados como economias de mercado avançadas e sistemas políticos democráticos.
A conversa sobre reunificação, energia e minerais críticos reforça um eixo que pode trazer:
- Projetos industriais conjuntos
- Desenvolvimento de tecnologias de mobilidade elétrica, hidrogênio, eficiência energética;
- Parcerias entre empresas sul-coreanas e alemãs em setores de ponta.
- Cooperação acadêmica e de think tanks
- Estudos sobre custos e cenários de reunificação coreana, inspirados na experiência alemã;
- Intercâmbio de especialistas em políticas públicas, economia regional e integração social.
- Coordenação diplomática
- Atuações alinhadas em fóruns internacionais sobre clima, comércio, cadeias de suprimento e segurança regional;
- Diálogo sobre como gerir riscos geopolíticos sem abandonar a agenda de transição verde.
Mensagem para a Península Coreana e para o Norte
Embora o encontro seja entre Seul e Berlim, há sempre um observador silencioso: a Coreia do Norte.
Do ponto de vista de Pyongyang, a aproximação entre Coreia do Sul e Alemanha em torno da experiência de reunificação pode ser vista como:
- Um sinal de que Seul continua preparando cenários para um futuro pós-divisão;
- Uma tentativa de aprender com o caso da RDA, onde o regime comunista colapsou e foi absorvido por uma ordem política diferente.
Para a sociedade sul-coreana, a mensagem é duplicada:
- Internamente, o governo mostra que está pensando de forma responsável sobre os impactos e desafios de uma eventual reunificação;
- Externamente, reforça a ideia de que qualquer mudança na península deve ser dialogada com parceiros experientes, em vez de improvisada.
O papel da Alemanha: conselheira, parceira e exemplo
A Alemanha, por sua vez, encontra nessa conversa uma oportunidade de:
- Reafirmar sua experiência única em reunificação como um ativo diplomático;
- Fortalecer sua presença política e econômica no Indo-Pacífico, região central da geopolítica atual;
- Consolidar parcerias que poderão ser decisivas em setores industriais estratégicos.
Ao compartilhar sua experiência, Berlim pode:
- Alertar sobre os custos gigantescos de integrar duas metades desiguais de um país;
- Mostrar erros cometidos e políticas que tiveram de ser corrigidas;
- Oferecer modelos de programas sociais, reconversão industrial e políticas regionais.
Mas também pode deixar claro que:
- O caso alemão não é um “manual pronto” para a Coreia;
- Cada reunificação é moldada por fatores únicos, como a questão nuclear, a presença militar estrangeira e a postura das grandes potências.
Conclusão: um encontro que fala do presente, mas olha para o futuro
A reunião entre o presidente Lee e o chanceler Merz, com foco na experiência de reunificação alemã e na cooperação em energia e minerais críticos, é um movimento que combina simbologia histórica e cálculo estratégico.
Ela mostra que:
- A Coreia do Sul vê a reunificação não apenas como um sonho, mas como um desafio técnico, econômico e social que exige preparação antecipada;
- A Alemanha segue usando sua própria história como referência diplomática, ao mesmo tempo em que busca novos parceiros em áreas-chave da economia verde e das cadeias de suprimento;
- A relação Seul–Berlim pode se tornar um eixo relevante tanto na reflexão sobre o futuro da Península Coreana quanto na organização de uma economia global mais segura em termos de energia e minerais.
Mais do que um encontro de cortesia, a conversa entre Lee e Merz sinaliza que, em um mundo em transição – energética, tecnológica e geopolítica –, memória histórica e estratégia de futuro caminham juntas. A reunificação alemã vira aula, a Península Coreana é o próximo grande enigma, e energia e minerais críticos são o palco em que esses debates ganham forma concreta.

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