Crise política na França: Macron reconvoca Lecornu em meio a impasse e instabilidade

Sébastien Lecornu, Emmanuel Macron e outros oficiais participam de cerimônia oficial com guarda presidencial em Paris, França, em 29 de agosto de 2025.
O primeiro-ministro Sébastien Lecornu participam de cerimônia oficial com membros da guarda presidencial em Paris, França, em 29 de agosto de 2025.

A França mergulhou novamente em um cenário de turbulência política com a inesperada recondução de Sébastien Lecornu ao cargo de primeiro-ministro, anunciada no sábado, 12 de outubro de 2025. O episódio ocorre poucos dias após a matéria “Crise Política na França: Renúncia Relâmpago de Sébastien Lecornu Abala Governo Macron e Aprofunda Instabilidade na Quinta República”, que já apontava o agravamento da crise no Palácio do Eliseu.
A decisão do presidente Emmanuel Macron representa uma tentativa desesperada de restaurar a governabilidade em um país paralisado por divisões parlamentares, protestos sociais e um crescente desgaste da autoridade presidencial.

Renúncia relâmpago e retorno inesperado

Lecornu havia sido nomeado há poucos dias para chefiar o governo, mas renunciou em menos de 24 horas após não conseguir formar uma coalizão estável na Assembleia Nacional. O episódio, sem precedentes recentes na política francesa, escancarou a fragilidade institucional de um governo que perdeu o controle do Parlamento nas eleições legislativas de 2024.

Sem maioria e sem consenso entre aliados, Macron se viu diante de um dilema: buscar um nome de consenso — tarefa quase impossível — ou reconvocar o próprio Lecornu, cuja lealdade e experiência administrativa são vistas como essenciais neste momento de crise. O presidente optou pela segunda alternativa, num gesto interpretado como uma tentativa de “salvar o mandato” e evitar um colapso político às vésperas da votação do orçamento nacional.

Desafios imediatos: o orçamento e a ameaça de censura

O novo governo enfrenta uma corrida contra o tempo para apresentar o orçamento de 2026 dentro dos prazos legais. A França, com dívida pública acima de 110% do PIB e crescimento estagnado, depende da aprovação desse texto para manter a confiança dos mercados e evitar um rebaixamento da sua nota de crédito — algo que já foi advertido por agências internacionais.

Ao mesmo tempo, partidos de oposição, tanto da esquerda quanto da direita, ameaçam apresentar uma moção de censura assim que o novo gabinete for oficializado. Caso isso ocorra e a moção seja aprovada, o governo cairia novamente, levando a uma nova crise de legitimidade e possivelmente a eleições antecipadas, cenário que o Palácio do Eliseu tenta evitar a todo custo.

Macron sob pressão e o risco de isolamento

A recondução de Lecornu expôs o isolamento político de Emmanuel Macron, que hoje enfrenta críticas não apenas da oposição, mas também de setores que antes o apoiavam. Analistas franceses apontam que o presidente perdeu a capacidade de construir pontes entre o centro e a direita moderada, enquanto sua base progressista se fragmentou após anos de reformas impopulares.

Personalidades como Jean-François Copé, ex-ministro e figura influente da direita francesa, questionam abertamente a viabilidade do atual governo.

“A França vive uma crise de governabilidade sem precedentes”, afirmou Copé em entrevista à RTL, pedindo que Emmanuel Macron considere deixar o cargo após as próximas eleições municipais.

O próprio Lecornu, embora fiel, carrega o peso de ser visto como um primeiro-ministro “por falta de opção”, mais do que por convicção política.

Repercussões econômicas e sociais

A incerteza política repercute diretamente na economia francesa. A confiança empresarial caiu nas últimas semanas, e a ameaça de rebaixamento do rating de crédito reacendeu preocupações sobre o déficit e o endividamento público. Paralelamente, sindicatos e movimentos sociais voltaram às ruas, protestando contra cortes no orçamento e políticas de austeridade.

Nos últimos dias, protestos em Paris, Lyon e Marselha reuniram milhares de pessoas, e até pontos turísticos como a Torre Eiffel chegaram a fechar temporariamente. O clima nas ruas é de crescente insatisfação, alimentando o sentimento de que o governo perdeu o controle da situação.

Impactos na União Europeia e na liderança continental

A instabilidade em Paris tem reflexos que ultrapassam as fronteiras francesas. A França, tradicionalmente pilar da União Europeia ao lado da Alemanha, atravessa um momento de debilitação diplomática.
Com Berlim voltada para suas próprias incertezas internas, o eixo franco-alemão — motor histórico do projeto europeu — mostra sinais de enfraquecimento, levantando dúvidas sobre a capacidade do bloco de responder de forma coesa aos desafios externos, como a guerra na Ucrânia e as tensões com a Rússia.

Especialistas europeus alertam que a crise francesa pode enfraquecer o poder de liderança da UE em um momento crítico, justamente quando Bruxelas tenta avançar com políticas conjuntas de defesa e de transição energética.

Um governo em suspenso

A volta de Sébastien Lecornu representa, portanto, uma solução temporária para um problema estrutural. O governo Macron permanece dependente de acordos frágeis e sujeito a novas rupturas. Enquanto isso, a confiança da população e das instituições continua a se deteriorar, e o futuro político da França parece cada vez mais incerto.

O que deveria ser apenas uma reorganização de gabinete transformou-se em um sintoma de esgotamento do sistema político francês, que enfrenta dificuldades para se adaptar à fragmentação partidária e ao desencanto crescente dos eleitores com as elites tradicionais.

Conclusão

A reconvocação de Sébastien Lecornu simboliza o esforço de Emmanuel Macron para manter de pé um governo em crise, mas também evidencia a erosão de seu poder político e a instabilidade estrutural que ameaça paralisar a França.
Com desafios econômicos, pressões sociais e um Parlamento dividido, o país vive um momento decisivo — e o desfecho dessa crise poderá redefinir não apenas o futuro da presidência de Macron, mas também o papel da França dentro da União Europeia.

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