Cuba em movimento: o que revelam as novas medidas econômicas anunciadas na FIHAV 2025

Skyline de Havana sob a luz do sol baixo no fim de tarde
Skyline de Havana sob a luz do sol baixo, com a cidade iluminada no fim de tarde.

As novas medidas econômicas anunciadas por Cuba durante a Feira Internacional de Havana (FIHAV 2025) representam mais do que um pacote técnico de ajustes: são um sinal de que o governo está tentando, mais uma vez, equilibrar ideologia, necessidade de sobrevivência econômica e pressão social. Em meio a uma crise prolongada, com escassez de produtos básicos, dificuldades energéticas e êxodo migratório, Havana tenta mostrar ao mundo – e ao seu próprio povo – que ainda é capaz de atrair investimentos, reestruturar partes do seu modelo econômico e manter algum grau de controle político.

Este artigo analisa o significado político e econômico dessas medidas, o contexto em que surgem, as oportunidades que podem abrir e os limites estruturais que continuam travando a economia cubana.

FIHAV 2025: vitrine oficial de uma economia em busca de fôlego

A Feira Internacional de Havana é há anos uma das principais vitrines de Cuba para o mundo econômico. Em um cenário de sanções, dificuldades financeiras e isolamento relativo, a FIHAV cumpre um papel estratégico:

  • Expor projetos de investimento em setores como turismo, energia, biotecnologia, agricultura e infraestrutura.
  • Aproximar o país de empresas estrangeiras dispostas a operar em um ambiente regulado por um Estado forte e por regras particulares.
  • Mostrar ao público interno que o governo está se movendo para aliviar a crise, ainda que o cotidiano do cidadão continue marcado por filas, racionamento e incertezas.

Ao escolher a FIHAV 2025 como palco para anunciar um novo conjunto de medidas econômicas, o governo sinaliza que quer dialogar, simultaneamente, com investidores externos e com a população cubana. É uma mensagem de abertura controlada: Cuba precisa de capital, mas não pretende abrir mão do comando político central.

Objetivos centrais das novas medidas

Embora os detalhes técnicos variem, o eixo das medidas anunciadas indica alguns objetivos principais:

  1. Atrair investimentos estrangeiros em setores estratégicos
    A meta é trazer capital e tecnologia para áreas como:
    • energia (inclusive renováveis, para reduzir a dependência de combustíveis importados);
    • turismo (ainda visto como uma das principais fontes de moeda forte);
    • agroindústria e produção de alimentos (um ponto crítico diante da escassez crônica).
  2. Aliviar a crise interna de desabastecimento e falta de divisas
    A entrada de investimentos e parcerias pode, em tese:
    • aumentar a oferta de bens;
    • melhorar a infraestrutura produtiva;
    • gerar postos de trabalho e alguma circulação de moeda forte dentro do país.
  3. Ajustar o modelo sem romper com a lógica socialista oficial
    As medidas são formuladas de forma a:
    • permitir maior participação de capital privado e externo;
    • ao mesmo tempo, manter o Estado como ator central, definindo prioridades, limites e marcos regulatórios.

Na prática, o governo caminha sobre uma linha estreita: flexibilizar o suficiente para sobreviver economicamente, sem ir longe demais a ponto de perder o controle político e ideológico que sustenta o regime.

Um país em crise prolongada: o pano de fundo das mudanças

As medidas não surgem no vazio. Elas são uma resposta a um quadro de deterioração que se aprofundou nos últimos anos:

  • queda na capacidade de geração de energia, com apagões frequentes;
  • escassez de alimentos e produtos básicos, que aumenta a insatisfação social;
  • forte emigração, especialmente de jovens e profissionais qualificados, em direção a países como Estados Unidos, México e outros destinos;
  • impacto de sanções externas, dificuldades de acesso a crédito e restrições no comércio.

Com isso, Cuba precisa enviar sinais ao mercado internacional de que:

  • está disposta a melhorar o ambiente de negócios, ainda que de maneira gradual;
  • pode oferecer projetos com algum nível de segurança jurídica, mesmo em um contexto político muito particular;
  • está aberta a formatos de cooperação que misturem investimento estrangeiro com empresas estatais e, em algumas áreas, com formas limitadas de iniciativa privada.

O equilíbrio entre Estado e mercado: abertura controlada

Um dos pontos centrais das novas medidas é a tentativa de redefinir, mais uma vez, o papel do mercado dentro de um sistema que se afirma socialista. Isso passa por:

  • maior espaço para empresas mistas (parcerias entre o Estado cubano e capital estrangeiro);
  • algum grau de flexibilização para atores econômicos internos, como pequenas iniciativas privadas (negócios familiares, serviços, pequenos restaurantes, hospedagem, etc.);
  • ajustes em regras de importação, exportação e repatriação de lucros para tornar o país menos hostil aos investidores.

Ao mesmo tempo, o governo não abdica de:

  • manter o controle sobre setores considerados estratégicos;
  • definir prioridades de investimento alinhadas aos interesses políticos e sociais do regime;
  • preservar a narrativa de que qualquer movimento de abertura acontece “dentro da Revolução”, não como ruptura.

Esse modelo de abertura seletiva, comum em outras experiências de economias centralmente planificadas, tem como risco principal a ambiguidade regulatória: investidores muitas vezes não sabem até onde podem ir, e a população se frustra se as mudanças não se traduzem em melhoria concreta de vida.

Confiança e credibilidade: o olhar dos parceiros externos

Os mercados e países que acompanham de perto as medidas econômicas anunciadas na FIHAV 2025 olham para Cuba com uma mistura de interesse e cautela.

5.1. Oportunidades

  • A ilha segue sendo estrategicamente localizada no Caribe, com importância logística e turística.
  • Alguns setores, como saúde, biotecnologia e turismo, têm potencial reconhecido.
  • O fato de o governo estruturar um pacote de medidas econômicas já indica disposição em negociar e ajustar regras.

5.2. Desafios

  • A persistência de sanções internacionais dificulta operações financeiras e comerciais.
  • Há dúvidas sobre segurança jurídica, estabilidade regulatória e previsibilidade em contratos:
    • Como serão tratados conflitos entre Estado e investidores?
    • Haverá garantias claras para propriedade e repatriação de lucros?
  • A própria fragilidade econômica do país levanta questões sobre sua capacidade de honrar compromissos e dar suporte a grandes projetos.

Assim, os novos anúncios são bem recebidos como sinal político, mas ainda exigem demonstrações práticas para converter interesse em investimento concreto em grande escala.

Impacto interno: o que pode mudar para o cidadão cubano?

Do ponto de vista da população, a grande questão é: essas medidas vão se traduzir em melhorias perceptíveis no dia a dia?

Há alguns possíveis efeitos:

  1. Geração de empregos em projetos específicos
    Investimentos em turismo, construção, energia e serviços podem abrir vagas, especialmente em cidades com maior presença estrangeira.
  2. Aumento da oferta de alguns produtos e serviços
    Parcerias com empresas externas podem melhorar o acesso a bens hoje escassos, seja diretamente, seja por efeitos indiretos na cadeia de produção.
  3. Desigualdades internas entre quem tem acesso a moeda forte e quem não tem
    Caso setores ligados ao turismo e a investimentos externos se beneficiem mais rapidamente, pode haver ampliação de assimetrias sociais entre trabalhadores com acesso a dólares/euros e aqueles que dependem exclusivamente do salário em moeda local.
  4. Expectativa x frustração
    Se o discurso de mudança não vier acompanhado de resultados tangíveis, o risco é aumentar a frustração, especialmente entre jovens que já enxergam a emigração como única saída.

Em resumo, as medidas têm potencial de aliviar partes da crise, mas não representam, por si só, uma solução rápida e estrutural.

Política e economia: uma relação inseparável em Cuba

Em Cuba, decisões econômicas nunca são apenas econômicas. Toda mudança nesse campo:

  • é avaliada em função da manutenção da estabilidade política;
  • passa por considerações ideológicas sobre o que é aceitável dentro do projeto revolucionário;
  • é apresentada para o público como parte de um esforço de “atualização” do modelo, não como rendição ao capitalismo.

Desse modo, as medidas anunciadas na FIHAV 2025 também cumprem uma função política:

  • sinalizar ao povo que o governo está agindo, não está parado diante da crise;
  • reforçar a ideia de que qualquer abertura é conduzida “desde cima”, sob controle da liderança;
  • consolidar alianças internacionais com países e empresas dispostos a cooperar, mesmo em um cenário de tensões com potências que mantêm sanções.

Limites estruturais: por que as reformas avançam lentamente

Apesar das tentativas de flexibilização, há fatores que limitam o alcance das medidas:

  • Dependência histórica de poucos parceiros externos, o que torna o país vulnerável a mudanças geopolíticas.
  • Infraestrutura defasada, que exige grandes investimentos apenas para recuperar níveis básicos de eficiência em energia, transporte e logística.
  • Burocracia pesada e centralização decisória, que dificultam a implementação rápida de projetos e geram incerteza.
  • Dificuldade em criar um ambiente estável para pequenas e médias iniciativas econômicas internas, que poderiam dinamizar o mercado doméstico.

Enquanto essas questões de fundo não forem enfrentadas de maneira mais profunda, cada pacote de medidas tende a funcionar mais como alívio parcial do que como mudança estrutural.

Conclusão: um passo necessário, mas não suficiente

As novas medidas econômicas de Cuba, anunciadas na FIHAV 2025, mostram um país que reconhece a gravidade de sua crise e tenta reagir dentro dos limites de seu modelo político. Ao buscar atrair investimentos e redesenhar regras econômicas, o governo admite, na prática, que a economia planificada tradicional, isolada e pouco flexível, já não dá conta de sustentar o país em um ambiente global competitivo e carregado de pressões.

No entanto, as medidas também deixam claro que Havana está determinada a manter o controle sobre o ritmo e a profundidade das transformações. Trata-se de uma abertura gradual, seletiva e politicamente calibrada, na qual cada passo é calculado para preservar a estabilidade interna.

Se esses ajustes serão capazes de redefinir o futuro econômico da ilha ou apenas prolongar um modelo em desgaste é algo que ainda será testado nos próximos anos. O certo é que, para Cuba, a FIHAV 2025 não foi apenas uma feira de negócios: foi um palco onde o governo tentou mostrar ao mundo – e a si mesmo – que ainda existe espaço para mudança, mesmo em meio a uma das conjunturas mais difíceis de sua história recente.

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