Crise na diplomacia da UE: detenção de ex-chefe expõe fragilidades institucionais

Federica Mogherini durante uma palestra em Hanói, Vietnã, em agosto de 2019.
A vice-presidente da União Europeia e Alta Representante para os Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini, participa de uma palestra em Hanói, Vietnã, em 5 de agosto de 2019. Foto: REUTERS/Kham.

Uma sacudida atípica percorreu os corredores da diplomacia europeia nesta semana: autoridades belgas detiveram a ex-chefe da diplomacia da União Europeia, Federica Mogherini, bem como outros altos funcionários, numa investigação sobre suposto uso indevido de fundos da UE para programas de formação de diplomatas. O escândalo não é apenas institucional — ele expõe fissuras profundas na governança do bloco, evidencia riscos de conflito de interesses e mergulha a reputação internacional da UE em um terreno delicado.

O que motivou o escândalo

A investigação gira em torno de um contrato concedido para formação de diplomatas juniores entre 2021 e 2022. Segundo as autoridades, há “fortes suspeitas” de que a licitação foi dirigida — ou seja, que critérios e informações privilegiadas teriam sido compartilhados antecipadamente, favorecendo a instituição que venceu o certame: o College of Europe, onde Mogherini exerce cargo de reitora desde 2020.

Entre as acusações formalisadas pela European Public Prosecutor’s Office (EPPO) estão: fraude em contrato público, corrupção, conflito de interesse e violação de segredo profissional. As buscas envolveram tanto os escritórios da diplomacia da UE em Bruxelas quanto o campus do College of Europe, em Bruges — além de residências particulares dos suspeitos.

Quem está envolvido

  • Federica Mogherini — ex-Alta Representante da UE para Assuntos Externos e Política de Segurança (2014–2019); reitora do College of Europe desde 2020.
  • Stefano Sannino — ex-secretário-geral do serviço diplomático da UE (EEAS), figura de alto escalão também detida.
  • Um terceiro funcionário ligado ao College of Europe — ainda não identificado publicamente.

Importante: após interrogatórios, todos foram libertados por não representarem risco de fuga; foram formalmente notificados das acusações, mas ainda não há condenações.

O que está em jogo: credibilidade, governança e futuro da diplomacia da UE

— Transparência e confiança institucional

A própria existência da investigação, conduzida por órgão independente da UE (EPPO), mostra disposição para fiscalizar altos cargos. No entanto, que um escândalo dessa magnitude atinja quem já foi a principal autoridade diplomática do bloco revela falhas graves na estrutura de controle, critérios de licitação e fiscalização interna.

— Conflito de interesses e integridade dos processos

A sobreposição entre o papel de Mogherini — primeiro como chefe da diplomacia e depois como reitora da instituição vencedora — levanta graves suspeitas de favorecimento. Isso compromete a percepção de imparcialidade e justiça nos processos de contratação com recursos comunitários.

— Repercussão internacional e risco reputacional

Em um momento em que a UE procura consolidar sua liderança global, promover cooperação com países terceiros e defender regras internacionais, o escândalo mina sua credibilidade. Parceiros externos, adversários e observadores internacionais certamente usarão o caso para questionar a integridade das instituições europeias.

— Impacto interno e pressão por reformulação

O episódio tende a gerar pressão política interna para reformas profundas: maior transparência nos contratos, regras mais rígidas de compliance, revisão de imunidades para altos cargos, e reavaliação dos mecanismos de supervisão sobre fundos da UE.

Possíveis cenários para os próximos meses

  1. Investigação aprofundada e processo judicial — se houver evidências suficientes, o caso deverá seguir pelos tribunais belgas e possivelmente europeus, com risco real de condenações e danos reputacionais graves.
  2. Reformas institucionais e reformas de governança interna da UE — reforço de controles, auditorias, exigência de segregação de funções para evitar conflitos de interesse, e revisão dos critérios de licitação.
  3. Clima de desconfiança sobre futuros contratos e programas da UE — governos, ONGs e instituições internacionais podem adotar postura cautelosa diante de ofertas de financiamento ou cooperação com o bloco.
  4. Reavaliação da liderança na diplomacia europeia — pressão política para maior rotatividade, transparência e nomeações com base em credenciais técnicas e histórico de integridade.

Conclusão

O escândalo envolvendo Federica Mogherini e outros altos funcionários destaca que, mesmo nas instituições mais centrais da União Europeia, existe vulnerabilidade a práticas de favorecimento, corrupção e violações éticas. A investigação em curso e a atuação da EPPO mostram que a UE — pelo menos institucionalmente — está disposta a enfrentar o problema.

Mas o desafio é muito maior: reconstruir a confiança interna e externa na integridade da diplomacia europeia, garantir que contratos com recursos da UE sejam conduzidos com transparência irrepreensível e adotar mecanismos de governança que impeçam abusos. O futuro do bloco e de sua influência global pode depender da capacidade da UE de aprender com esse episódio e se reformar.

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