Operação Southern Spear: os EUA escalam ofensiva militar na América Latina

Navio USS Iwo Jima deixa Norfolk em direção ao Caribe e à América do Sul para operações do Comando Sul dos EUA.
USS Iwo Jima partindo de Norfolk rumo ao Caribe e à América do Sul em apoio às operações do SOUTHCOM.

Os Estados Unidos anunciaram oficialmente a Operação Southern Spear (“Lança do Sul”), uma nova fase militar sob coordenação do Comando Sul (SOUTHCOM), com o objetivo declarado de “remover narcoterroristas” do Hemisfério Ocidental e “proteger a pátria de drogas que estão matando nosso povo”.
A estratégia marca uma escalada significativa da presença militar americana no Caribe e no Pacífico, gerando tanto apoio quanto críticas, inclusive de atores de direitos humanos e líderes latino-americanos.

Contexto e justificativa oficial

Motivações dos EUA

Segundo o secretário de Defesa americano, Pete Hegseth, a operação visa:

  • Defender os Estados Unidos, especialmente frente à crise de drogas doméstica.
  • Eliminar os chamados “narco-terroristas” no Hemisfério Ocidental.
  • Interromper rotas de tráfico marítimo que, segundo Washington, abastecem os EUA com substâncias ilegais.

Escala e meios empregados

  • A presença militar dos EUA na região tem se intensificado: segundo reports, o porta-aviões USS Gerald R. Ford foi deslocado para águas do Caribe, acompanhado por navios de escolta e aeronaves de combate.
  • O SOUTHCOM confirmou que fuzileiros-marinhos realizam treinamento de artilharia a bordo do USS Iwo Jima no Caribe, em apoio à missão.
  • Também foi mencionada a operação de uma Joint Task Force Southern Spear, com uso de embarcações de superfície, drones, vigilância aérea, e interceptações marítimas.

A campanha marítima: ataques a embarcações

Dados de ataques

  • Desde o início da ofensiva, os EUA afirmam ter realizado cerca de 20 ataques a embarcações no Caribe e no Pacífico oriental.
  • De acordo com reportagens, esses ataques deixaram pelo menos 76 pessoas mortas, segundo os próprios números do Pentágono.
  • Em outro levantamento, o Poder360 registra 10 embarcações já destruídas, com 43 mortes.
  • Especificamente no Pacífico, um ataque relatado em outubro resultou na morte de 14 suspeitos de tráfico, segundo Hegseth.

Alvos e justificativas

  • Washington afirma que algumas dessas embarcações pertencem a organizações designadas como “terroristas”, incluindo o chamado Tren de Aragua.
  • As rotas visadas, segundo os EUA, são bem conhecidas para o tráfego de narcóticos, o que, para o governo americano, legitima o uso de força para interceptar essas embarcações.
  • No entanto, nem sempre há confirmação pública de provas independentes que sustentem todas as alegações de que os navios atacados estavam envolvidos em narcotráfico ou em atividades terroristas. A CNN Brasil, por exemplo, aponta que autoridades do Pentágono não apresentaram evidências conclusivas para alguns dos alvos.

Reações e críticas

Países latino-americanos

  • A Venezuela, em particular, denunciou a operação como uma ameaça à sua soberania. O governo de Nicolás Maduro mobilizou cerca de 200 mil soldados para exercícios militares, dizendo que se prepara para uma possível confrontação com os EUA.
  • Analistas apontam que parte da estratégia dos EUA pode ter como alvo não só o tráfico, mas também pressionar regimes que Washington considera problemáticos, como o venezuelano.

Especialistas em segurança

  • Elizabeth Dickinson, analista da International Crisis Group, afirma que grande parte da mobilização (como o deslocamento do porta-aviões) não parece ter uma função clara no combate ao narcotráfico, sugerindo que é mais uma demonstração de poder e pressão geopolítica do que uma ação puramente antidrogas.
  • Juristas debatem a legalidade desses ataques: alguns afirmam que pode haver violação do direito internacional, especialmente se as embarcações eram civis ou não ofereceram ameaça imediata.

Críticas de direitos humanos

  • Grupos de direitos humanos alertam que ações letais em alto mar sem transparência suficiente podem representar abuso de poder e risco para civis.
  • A falta de detalhes claros sobre os alvos, a ausência de prestação de contas pública e a natureza letal das operações geram apreensão democrática.

Implicações geopolíticas

Reconfiguração das prioridades de segurança dos EUA

A Operação Southern Spear indica que os EUA estão reposicionando sua estratégia de segurança hemisférica, combinando discurso antinarcótico com uma lógica de segurança nacional ampliada. A narrativa de “narco-terrorismo” serve para legitimar medidas militares robustas, não apenas patrulhamento contra traficantes, mas ações ofensivas que antes seriam consideradas controversas.

Impacto nas relações com governos latino-americanos

Para países como Venezuela, a operação reforça a percepção de intervenção americana direta e ameaça à soberania nacional.

Para outras nações da região, pode haver efeito colateral diplomático: aumenta a pressão para que governos repensem seus alinhamentos estratégicos e de segurança, especialmente em um momento de tensões políticas e econômicas globais.

Riscos de escalada

  • A mobilização de grandes ativos militares (porta-aviões, drones, fuzileiros) pode não se limitar a operações navais: há especulação de que os EUA poderiam considerar ataques em terra, caso justifiquem como parte da missão.
  • Se a operação for prolongada, pode haver resistência política regional, sanções diplomáticas, e até um realinhamento de alianças em torno de países que veem essa presença como uma ameaça.

Cenários futuros

Aqui estão alguns possíveis desdobramentos para os próximos meses:

  1. Operações contínuas e mais letais: Se a Southern Spear continuar com ataques em alto mar, é provável que o número de confrontos e mortos aumente, especialmente se os EUA mantiverem sua justificativa de alvos “terroristas”.
  2. Pressão sobre países específicos: A Venezuela pode ser um foco principal se os EUA quiserem usar a guerra ao narcotráfico como pretexto para outras metas estratégicas.
  3. Reação diplomática: Países latino-americanos podem buscar contra-movimentos, alianças com potências externas (como Rússia ou China) ou medidas legais para denunciar a operação.
  4. Desgaste da narrativa antinarcóticos: Caso haja muitos incidentes com civis, a legitimidade das ações pode ser questionada internamente nos EUA e externamente, o que pode forçar uma revisão da estratégia.
  5. Aumento de fiscalização internacional: Organismos de direitos humanos, ONGs e talvez a ONU podem pressionar por investigações sobre os ataques marítimos, exigindo prestação de contas sobre os critérios usados para classificar embarcações como “narcoterroristas”.

Conclusão

A Operação Southern Spear representa uma guinada importante na abordagem dos Estados Unidos em relação ao narcotráfico na América Latina. Sob a retórica de “narco-terrorismo”, Washington mobiliza recursos militares consideráveis, alega defender seus cidadãos e cortar rotas de drogas, mas levanta sérias dúvidas sobre legalidade, transparência e motivação estratégica.

Esse tipo de operação não é apenas uma ação tática contra tráfico: tem implicações estratégicas profundas para a geopolítica hemisférica, para a soberania dos países latino-americanos e para a narrativa global sobre como os Estados Unidos exercem poder militar próximo de seus vizinhos.

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