Europa prepara-se para um novo capítulo em sua relação econômica com a China. Após anos de dependência comercial e tecnológica, líderes europeus e autoridades econômicas, incluindo o presidente do Banco Central da Alemanha (Bundesbank), Joachim Nagel, afirmaram recentemente que o continente precisa adotar uma postura mais assertiva e coordenada nas relações comerciais com Pequim.
A fala de Nagel reflete um sentimento crescente dentro da União Europeia: a necessidade de reduzir vulnerabilidades estratégicas e proteger a competitividade europeia diante de práticas consideradas desleais por parte da China.
Mudança de tom em Bruxelas e Berlim
Nos últimos anos, a relação entre a União Europeia e a China tem se tornado cada vez mais complexa. Bruxelas reconhece a importância de Pequim como parceiro comercial — a China é o segundo maior parceiro da UE, atrás apenas dos Estados Unidos —, mas também a vê como um concorrente sistêmico e um rival estratégico.
O discurso mais recente do Bundesbank reforça a ideia de que a política comercial europeia precisa ser mais firme, principalmente em setores críticos como energia limpa, semicondutores e tecnologias emergentes.
Segundo Nagel, “a Europa não pode continuar vulnerável a pressões externas, especialmente quando há desequilíbrios evidentes nas condições de concorrência”. Ele defendeu o fortalecimento de instrumentos de defesa comercial e maior vigilância sobre investimentos estrangeiros que possam afetar setores estratégicos do continente.
Subsídios e competição desigual
A principal preocupação dos países europeus gira em torno dos subsídios estatais chineses, que, segundo autoridades da UE, distorcem o mercado e prejudicam a indústria europeia.
Empresas chinesas, especialmente nos setores de veículos elétricos, painéis solares e baterias, têm crescido rapidamente graças ao forte apoio financeiro do governo chinês, tornando difícil a competição justa com as empresas europeias.
A Comissão Europeia já abriu investigações sobre práticas de dumping e subsídios ilegais, e discute possíveis tarifas compensatórias sobre produtos importados da China. No entanto, há divisões internas na UE: países como Alemanha e Hungria temem que medidas mais duras possam prejudicar exportações europeias para o mercado chinês, um dos mais lucrativos do mundo.
Autonomia estratégica e reconfiguração das cadeias de suprimento
O debate sobre a China insere-se em um contexto mais amplo: o da autonomia estratégica europeia. Desde a pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia, a Europa tem buscado diversificar suas cadeias de suprimento, reduzindo a dependência de fornecedores únicos — sejam eles russos em energia ou chineses em manufatura.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, defendeu em diversos discursos que o bloco precisa “assumir o controle de seu destino econômico”. Isso inclui o incentivo à produção interna de chips, baterias e equipamentos de energia renovável, com base em programas como o European Chips Act e o Net-Zero Industry Act.
Essas iniciativas refletem uma tentativa de reindustrialização estratégica, mirando um equilíbrio entre competitividade e segurança econômica. Ainda assim, analistas alertam que uma separação completa (“decoupling”) entre Europa e China é improvável e poderia gerar graves impactos econômicos.
Entre os EUA e a China: a difícil posição europeia
Outro fator de peso nessa equação é a crescente rivalidade entre Estados Unidos e China.
Com o governo Trump pressionando aliados europeus a adotarem políticas comerciais mais alinhadas a Washington, a Europa encontra-se em uma posição delicada: precisa manter laços econômicos com Pequim, mas também preservar a aliança política e de segurança com os EUA.
Economistas observam que a UE busca um caminho intermediário, priorizando o “de-risking” — redução de riscos — em vez de um rompimento total. Isso significa proteger setores estratégicos e monitorar investimentos sensíveis, sem comprometer o comércio geral com a China, que movimentou mais de 700 bilhões de euros em 2024.
Impactos econômicos e perspectivas futuras
O endurecimento europeu pode ter consequências significativas. Para a China, representa a possibilidade de barreiras adicionais ao acesso ao mercado europeu. Para a UE, implica custos e ajustes nas cadeias produtivas, especialmente na indústria automotiva e energética.
A curto prazo, medidas de contenção podem elevar preços e reduzir margens de lucro de empresas europeias que dependem de insumos chineses.
A longo prazo, porém, especialistas acreditam que essa estratégia pode fortalecer a independência industrial e estimular a inovação dentro do bloco.
Conclusão
O debate sobre a relação comercial entre Europa e China simboliza um momento de redefinição geoeconômica global.
A União Europeia procura equilibrar seus princípios de livre comércio com a necessidade de proteger seus interesses estratégicos.
O desafio é grande: agir com firmeza sem romper pontes, defender a competitividade sem provocar uma guerra comercial, e fortalecer a economia europeia sem comprometer o crescimento global.
O tom mais assertivo do Bundesbank e de Bruxelas marca o início de uma nova fase — em que a Europa busca afirmar-se como ator independente no tabuleiro econômico mundial, capaz de dialogar com todas as potências, mas submisso a nenhuma.

Faça um comentário