Grécia: consolidando-se como hub energético da Europa

Estação de compressão de gás pronta para hidrogênio inaugurada na Grécia, destacando o papel do país como hub energético europeu.
A Grécia inaugura uma estação de compressão compatível com hidrogênio, reforçando sua infraestrutura energética e integração com o corredor de gás europeu. (Foto: Gas Compression Magazine)

A Grécia está passando por uma transformação significativa no seu perfil energético — de país receptor de energia para porta de entrada e redistribuidor regional — o que a posiciona cada vez mais como um hub energético europeu. Essa mudança se dá em meio a esforços para diversificar suprimentos, recortar dependência de insumos russos, ampliar infraestrutura de gás (incluindo GNL/LNG) e explorar hidrocarbonetos no Mediterrâneo — tudo com implicações econômicas, geopolíticas e tecnológicas. A seguir, um panorama analítico e detalhado desse processo.

Contexto e motivações

Historicamente, a Grécia importava boa parte de seus combustíveis fósseis e dependia de rotas energéticas de terceiros. Com o aumento das tensões entre a Europa e a Rússia — e a consequente política da União Europeia (UE) de reduzir ou eliminar a dependência de gás russo — o país viu uma oportunidade de reconfigurar sua posição geográfica e estratégica.

Algumas motivações centrais:

  • Diversificar origens de gás e energia elétrica, evitando riscos concentrados e fortalecendo a segurança energética europeia.
  • Aproveitar sua localização geográfica: no sudeste da Europa, fazendo‐se de interface entre Mediterrâneo, Bálcãs e Europa Central.
  • Atrair investimentos estrangeiros (principalmente dos EUA) e tecnologia para novas infraestruturas.
  • Converter a mudança em vantagem econômica: exportar, retransmitir ou reexportar energia, não apenas consumir.
  • Integrar energias renováveis, infraestruturas elétricas e gás numa estratégia mais ampla de transição energética.

O premiê grego enfatizou recentemente que “antes éramos um destino para o gás no fim da Europa. A partir de 2024 vemos uma figura completamente diferente” — sublineando que “a maior parte do gás que entra na Grécia já não fica aqui, é redirecionado para outros países”.

Infraestrutura chave que sustenta o hub

Para que a Grécia atue como “hub”, é preciso mais do que discurso: requer grande investimento em gasodutos, terminais de GNL, estações de compressão, interconexões elétricas e novas fontes de energia. A seguir, os principais pilares.

Terminal de GNL e unidades flutuantes (FSRU)

  • O terminal de GNL da ilha de Revithoussa, perto de Atenas, já opera como entrada de gás liquefeito. Segundo relatório, a capacidade nacional de importação de GNL supera 10 milhões de metros cúbicos anuais via Revithoussa e a unidade flutuante de Alexandroupoli.
  • A partir de 2020, os Estados Unidos já são o principal fornecedor de GNL para a Grécia: dos cerca de 7 bcm de GNL que o país consome, cerca de 3 bcm vêm dos EUA.
  • A unidade flutuante de regaseificação em Alexandroupoli está posicionada para transformar a origem de gás e redirecionar volumes para a Europa Central e Bálcãs.

Corredor de gás “Vertical Corridor” – Sul–Norte

  • A estratégia do chamado Vertical Gas Corridor prevê que o gás importe pela Grécia (via terminais/GNL) e siga por gasodutos para Bulgária, Roménia, Hungria, Eslováquia, Moldávia e Ucrânia.
  • Exemplo concreto: A estação de compressão em Komotini (Norte da Grécia) — um investimento de €134 milhões — foi inaugurada para aumentar a capacidade de exportação de gás para o norte da Europa.
  • Essa infraestrutura permite o fluxo bidirecional: tanto importações quanto exportações, fundamental para responder aos novos fluxos de energia europeus.

Exploração de hidrocarbonetos

  • A Grécia retomou a agenda de exploração de gás e petróleo offshore. Segundo dados, em torno de 70 a 90 Tcf (trilhões de pés cúbicos) de gás potencial estão identificados em áreas marítimas ao oeste e sul da ilha de Creta e no Mar Jónico.
  • Recentemente, houve um acordo com ExxonMobil, Energean e Hellenic Energy para exploração em bloco ao largo da costa ocidental, na região da Jônia.

Interconexões eléctricas e renováveis

  • A Grécia vem investindo em ligações de alta tensão submarinas/terrestres, por exemplo a ligação com a ilha de Creta ou com a Itália. Essa rede permite exportar ou redistribuir energia elétrica, especialmente renovável.
  • Um cabo elétrico de alta tensão entre Grécia e Itália foi contratado: cerca de €2 bilhões para um cabo submarino (capacidade ~1.000 MW) entre Púglia (Itália) e Grécia.

Geopolítica e economia: o jogo por trás

A ascensão da Grécia como hub energético reflete não apenas fatores técnicos, mas também geopolíticos e econômicos, com múltiplas intersecções.

Geopolítica: Rússia, EUA, UE e o Mediterrâneo

  • O fim iminente da importação de gás russo pela UE (previsto para 2028) dá urgência à diversificação de rotas de energia. A Grécia se posiciona como alternativa às rotas tradicionais russas.
  • A presença dos EUA é forte: acordos e participação norte‐americana em projetos gregos de gás e GNL indicam que a Grécia se torna gateway para a energia americana na Europa.
  • A cooperação regional 3+1 (Grécia, Israel, Chipre, EUA) é mencionada como “aliança de alto nível” para energia no Mediterrâneo Oriental.
  • Debates sobre zonas marítimas, direitos de exploração e rivalidades regionais continuam a complicar o cenário offshore (especialmente perto de Creta).

Economia: benefícios e desafios

Benefícios esperados

  • Melhor balança de energia: ao explorar hidrocarbonetos ou reexportar gás, pode reduzir importações e gerar receitas de trânsito.
  • Atração de investimento estrangeiro, tecnologia e parcerias internacionais.
  • Criação de empregos nas infraestruturas, construção e operação de terminais, gasodutos e redes elétricas.
  • Maior segurança de abastecimento doméstico, o que favorece crescimento econômico e estabilidade energética.

Desafios e riscos

  • Risco de investimento elevado em infraestrutura que pode tornar‐se ociosa ou com baixo retorno se os cenários de transição energética forem mais rápidos do que previstos.
  • Dependência de condições externas: preços internacionais do gás, políticas da UE, tensões geopolíticas.
  • Oportunidade de “lock-in” de combustíveis fósseis, caso a Grécia invista demasiado cedo ou em explorações de hidrocarbonetos sem que haja garantia de longo prazo de demanda.
  • Questões ambientais e locais de oposição às explorações offshore ou grandes infraestruturas terrestres.

O que está em jogo para a Grécia e para a Europa

Para a Grécia

  • Se bem‐sucedida, a Grécia ganha maior peso estratégico, quer regionalmente (Bálcãs, SEE) quer na Europa como um todo, passando de periférica a central.
  • Também expande suas fontes de energia e reduz vulnerabilidades históricas face à dependência de importações.
  • Pode transformar‐se numa „porta“ de entrada de energias renováveis do norte de África ou Oriente Médio, e não apenas de combustíveis fósseis. Por exemplo, o cabo entre Grécia e Egito para transportar energia renovável.

Para a Europa

  • A diversificação de rotas e fornecedores fortalece a segurança energética do continente, reduzindo o risco de chantagem ou interrupções por parte de grandes exportadores como a Rússia.
  • Um hub greg o poderia contribuir para a convergência de preços de energia na Europa Oriental e Ocidental, e menor vulnerabilidade às flutuações de abastecimento.
  • Ajuda o processo de transição energética, se as infraestruturas forem projetadas com flexibilidade (gás que poderá transportar também hidrogénio no futuro, por exemplo).

Cronograma e impacto estimado

  • Em um dos estudos, prevê‐se que o Vertical Corridor possa transportar entre 20 a 25 bcm/ano de gás entre a Grécia e a Europa Central/Ucrânia.
  • A meta da Grécia de que fontes renováveis cubram 80 % da eletricidade até 2030 (sinal do relatório de comércio externo de energia) expõe o duplo papel: combustíveis fósseis hoje, renováveis amanhã.

Limitações, pontos de atenção e cenários de risco

  • Mesmo com boa infraestrutura, a exploração de hidrocarbonetos offshore é incerta: reservas estimadas podem não se concretizar, ou custos/exploração podem inviabilizar economicamente.
  • Se a transição energética for mais rápida ou radical (por exemplo, abandono do gás antes do previsto), a infra-estrutura de gás pode tornar‐se obsoleta ou “stranded”.
  • O crescimento de renováveis exige igualmente reforço de redes elétricas, armazenamento e integração regional; o foco exagerado em gás pode atrasar essa agenda.
  • A dependência de capitais estrangeiros e de contratos longos pode colocar a Grécia em posição de vulnerabilidade frente a mudanças nas políticas dos investidores ou das grandes companhias.
  • Situações geopolíticas (por exemplo, tensões no Mediterrâneo Oriental, com a Turquia) podem afetar exploração ou interconexões.

Conclusão

A Grécia está claramente em uma trajetória de realinhamento estratégico no panorama energético europeu. A combinação de localização geográfica, novas infraestruturas de gás e energia elétrica, e parcerias internacionais coloca-a em posição de assume­-r um papel “hub” — não apenas para consumo doméstico, mas para entrada, redistribuição e exportação de energia no Sudeste e Centro da Europa.

No entanto, esta transformação não é automática nem garantida: depende da concretização de investimentos, da manutenção de políticas estáveis, da adaptação à transição energética (gás versus renováveis) e de como a Grécia irá gerir o equilíbrio entre exploração de hidrocarbonetos e metas ambientais.

Para a Europa, é uma oportunidade relevante: mais um pilar para reduzir riscos e aumentar a resiliência energética. Para a Grécia, é uma chance de reposicionar-se economicamente e geopolíticamente — mas com a necessidade de navegar bem entre fosséis, renováveis e diversificação real.

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