A guerra na Ucrânia continua a moldar o destino da Europa. Mesmo após quase três anos de conflito em larga escala, o continente segue preso a um duplo movimento: de um lado, a escalada militar no campo de batalha; de outro, um esforço diplomático renovado para esboçar algum tipo de paz — ainda distante, mas cada vez mais discutida nos bastidores.
Nos últimos dias, esses dois vetores ficaram particularmente claros: uma delegação ucraniana esteve nos Estados Unidos para discutir um plano de paz apoiado pelo governo Donald Trump, enquanto relatórios militares descrevem novos bombardeios russos e ações de drones ucranianos contra alvos em território controlado por Moscou. O resultado é um cenário em que diplomacia e guerra avançam em paralelo, sem que uma, por enquanto, consiga conter a outra.
O contexto da guerra: um conflito que se prolonga
Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, a guerra na Ucrânia passou por diferentes fases: avanço rápido de tropas russas, resistência ucraniana, contra-ofensivas, estabilização de frentes e guerra de desgaste. Em 2025, o conflito deixou de ser uma “crise aguda” para se tornar uma realidade estrutural da segurança europeia.
Alguns elementos definem o momento atual:
- Fronteiras fluidas, mas sem grandes viradas: as linhas de frente se movem, mas não há mudanças dramáticas de território em curto espaço de tempo. O que predomina é a disputa por pequenas localidades, vilarejos estratégicos e posições logísticas, ao custo de altas perdas humanas.
- Guerra de atrito e tecnologia: artilharia pesada, drones de reconhecimento e ataque, mísseis de longo alcance e sistemas de defesa aérea são hoje o “coração” do conflito. A guerra se tornou, em grande medida, um duelo tecnológico e industrial.
- Cansaço social e político: tanto na Rússia quanto na Ucrânia (e também na Europa) há sinais de fadiga — econômica, social e política. Esse cansaço é um dos fatores que alimenta, por um lado, o desejo de negociação e, por outro, discursos de endurecimento.
É nesse cenário de conflito prolongado que o movimento diplomático recente precisa ser entendido.
A delegação ucraniana nos EUA e o plano de paz apoiado por Trump
A visita da delegação ucraniana aos Estados Unidos, no fim de semana, teve um objetivo central: discutir um plano de paz apoiado pela administração Trump. As conversas foram descritas como “produtivas”, expressão diplomática que costuma indicar, ao mesmo tempo, algum avanço concreto e a decisão de manter o conteúdo em sigilo.
Mesmo sem detalhes oficiais, alguns pontos são plausíveis e ajudam a entender o quadro:
- Reconfiguração do papel dos EUA
Com Donald Trump na presidência, a política externa americana em relação à guerra muda de tom. Em vez de enfatizar exclusivamente o fornecimento militar e a pressão econômica sobre a Rússia, ganha força a retórica de “fazer um acordo” e “acabar com a guerra”.
Isso não significa um abandono automático da Ucrânia, mas sugere uma pressão maior para que Kiev aceite discutir termos que até pouco tempo eram considerados politicamente inaceitáveis. - Objetivos ucranianos na conversa
Para a Ucrânia, participar dessas discussões é, ao mesmo tempo:- uma necessidade diplomática — os EUA continuam sendo o aliado mais importante, tanto em armas quanto em apoio financeiro;
- um risco político — qualquer percepção de que o governo ucraniano estaria disposto a “ceder demais” pode gerar forte reação interna, especialmente entre militares e parte da sociedade civil.
- Sinalização a Moscou e à Europa
Ao aceitar dialogar sobre um plano de paz apoiado pelos EUA, Kiev envia mensagens múltiplas:- à Rússia: de que está aberta a discutir, mas em um cenário em que os EUA continuam envolvidos;
- à Europa: de que não quer ser vista como o lado que “recusa a paz”;
- à opinião pública internacional: de que tenta, pelo menos formalmente, explorar vias diplomáticas.
Moscou no horizonte: o próximo passo das negociações
Os relatos mencionam a expectativa de novos contatos em Moscou nos próximos dias. Isso não significa, necessariamente, uma mesa de negociação formal, mas pode incluir:
- conversas exploratórias por meio de enviados especiais;
- encontros discretos em canais diplomáticos tradicionais;
- uso de intermediários — países ou organizações que funcionam como ponte entre russos, ucranianos e americanos.
A disposição em falar com Moscou, em si, já é significativa. Ela indica que:
- há um reconhecimento tácito de que a guerra não terá um desfecho rápido exclusivamente militar;
- existe interesse em testar os limites de uma eventual negociação — quais concessões cada lado estaria disposto a fazer, e em que sequência.
No entanto, há um obstáculo fundamental: as posições declaradas por Kiev e Moscou continuam amplamente incompatíveis. A Ucrânia insiste em sua integridade territorial, enquanto a Rússia considera regiões ocupadas como “parte” de seu território. Qualquer plano de paz terá de enfrentar esse núcleo duro do conflito.
Paralelo ao diálogo: bombardeios, drones e o campo de batalha
Enquanto diplomatas falam, a guerra continua.
Relatos militares recentes apontam:
- novos bombardeios russos em diferentes frentes, atingindo infraestrutura energética, posições militares e áreas próximas de centros urbanos;
- operações de drones ucranianos contra ativos russos — tanto em território ocupado quanto em áreas mais distantes, como depósitos de munição, instalações logísticas e eventualmente alvos dentro da própria Rússia.
Esse paralelismo entre negociação e intensificação de ataques não é uma contradição; na prática, é parte da lógica da guerra moderna:
- cada lado tenta melhorar sua posição no campo de batalha para chegar mais forte a qualquer mesa de negociação futura;
- o uso de drones, em particular, permite ataques de precisão com menor custo político interno, já que reduz o risco de baixas entre os próprios soldados;
- a guerra de longo alcance (mísseis, drones, artilharia) serve também como instrumento de pressão psicológica e estratégica.
O resultado é que, quanto mais se fala em “paz”, mais se vê, muitas vezes, um curto aumento de violência — uma espécie de “último empurrão” para tentar alterar o equilíbrio militar antes de qualquer acordo.
O papel da Europa: entre apoio, pressão e preocupação
A Europa olha para esse movimento com uma mistura de esperança e apreensão.
5.1. Esperança em uma saída negociada
Países europeus, especialmente aqueles mais próximos da linha de frente (como Polônia e Estados bálticos), vivem sob constante preocupação de segurança. Outros, como Alemanha, França e Itália, lidam com:
- impactos econômicos da guerra (energia, inflação, custos com refugiados);
- desgaste político interno (cansaço com o prolongamento do conflito, debates sobre envio de armas e ajuda financeira).
Uma solução negociada, mesmo que parcial, poderia:
- reduzir o risco de uma escalada direta entre Rússia e OTAN;
- aliviar pressões sobre orçamentos públicos;
- trazer alguma previsibilidade energética e comercial.
5.2. Apreensão com os termos e com o precedente
Ao mesmo tempo, há um temor profundo em várias capitais europeias:
- que um acordo “rápido” empurre a Ucrânia a fazer concessões duras demais em termos de território e soberania;
- que isso envie ao mundo o recado de que agressão militar compensa, criando um precedente perigoso para outros conflitos.
Assim, muitos governos europeus defendem duas linhas simultâneas:
- Continuar apoiando militar e economicamente a Ucrânia para que ela não chegue fragilizada a eventual negociação;
- Participar do debate sobre paz para não deixar que um eventual acordo seja decidido apenas entre Washington e Moscou, com Kiev em posição fraca e a Europa como mera espectadora.
As dificuldades de um plano de paz realista
Falar em plano de paz é sempre mais fácil do que implementá-lo. Alguns dos principais nós a serem desatados incluem:
- Território
- Quem fica com o quê?
- Como fica o status das regiões ocupadas?
- Haveria referendos supervisionados internacionalmente ou algum tipo de “congelamento” da situação atual?
- Segurança
- Que garantias de segurança a Ucrânia teria?
- Haveria um compromisso formal (e crível) de defesa por parte de potências ocidentais?
- Qual o papel da OTAN? A questão da eventual entrada da Ucrânia na aliança é um dos pontos mais sensíveis para Moscou.
- Sanções e reconstrução
- Em que momento parte das sanções contra a Rússia seria suspensa?
- Como dividiria a conta da reconstrução da Ucrânia?
- Existiriam mecanismos para responsabilização por crimes de guerra, sem inviabilizar o próprio acordo?
- Política interna em cada lado
- Qualquer liderança que assine um acordo controverso corre o risco de enfrentar forte reação interna, protestos, crises políticas e, em casos extremos, perda de poder.
- Por isso, mesmo quando há alguma convergência em conversas de bastidores, transformá-la em tratado formal é um processo lento, cheio de idas e vindas.
Porque a guerra na Ucrânia continua sendo o “centro de gravidade” da Europa
A combinação de ofensiva militar crescente e sinais de movimentação diplomática reforça um fato: a guerra na Ucrânia é, hoje, o principal eixo em torno do qual gira a política europeia.
Ela impacta:
- Segurança – reposicionamento de tropas, aumento de gastos militares, reforço da OTAN.
- Economia – energia, inflação, cadeias produtivas, orçamento público.
- Política interna – crescimento de partidos críticos ao apoio à Ucrânia em alguns países, e fortalecimento de discursos de firmeza em outros.
- Relações externas – redefinição das relações com Rússia, China e Estados Unidos; busca de maior autonomia estratégica da União Europeia.
Mesmo um eventual avanço diplomático significativo não apagará, de imediato, essas transformações. O continente já entrou em uma nova fase histórica: mais militarizado, mais atento à segurança do seu leste e mais desconfiado de que a ordem internacional pós-Guerra Fria possa garantir paz apenas com instituições e acordos formais.
Perspectivas: o que observar nos próximos meses
A partir dos movimentos recentes, alguns sinais serão decisivos para entender se estamos caminhando para uma negociação real ou apenas para mais uma rodada de declarações:
- Retórica oficial
Mudanças no discurso público de Kiev, Moscou, Washington e capitais europeias serão um termômetro importante. A simples adoção de termos como “cessar-fogo”, “fase transitória” ou “acordo provisório” já indicaria um passo além. - Intensidade dos combates
Uma queda consistente na intensidade dos ataques — sobretudo contra infraestrutura civil — pode sinalizar preparação para algum tipo de entendimento. O contrário (uma escalada forte) indica que cada lado ainda aposta em ganhos militares antes de negociar. - Formato de negociação
Se surgirem notícias de conferências multilaterais, fóruns específicos ou grupos de contato envolvendo UE, EUA, Ucrânia, Rússia e outros atores (como Turquia ou países do Sul Global), isso mostrará que o debate deixou o plano das conversas discretas para um canal mais institucional. - Posicionamento da Europa
A unidade europeia será testada: haverá países mais dispostos a aceitar um acordo rápido, mesmo com concessões maiores, e outros que insistirão em uma posição mais dura em relação à Rússia. Como esse equilíbrio se formará pode definir o peso real da UE na mesa.
Conclusão
O momento atual da guerra na Ucrânia é paradoxal: nunca se falou tanto em paz, ao mesmo tempo em que o campo de batalha segue ativo, com bombardeios e ataques de drones em múltiplas frentes. A visita da delegação ucraniana aos Estados Unidos para discutir um plano de paz apoiado por Trump e a possibilidade de novos contatos em Moscou indicam que as engrenagens diplomáticas voltaram a girar.
Mas a realidade é dura: não há, por enquanto, sinais de que as posições centrais de Kiev e Moscou tenham mudado o suficiente para permitir um acordo rápido. O que existe é um jogo de forças em que diplomacia, pressão militar e interesses políticos internos se entrelaçam.
Para a Europa, essa combinação significa seguir vivendo sob a sombra do conflito: entre a necessidade de apoiar a Ucrânia, o desejo de conter a Rússia e a urgência de encontrar uma saída que não comprometa a segurança futura do continente. A guerra na Ucrânia, portanto, continua sendo não apenas um conflito regional, mas o eixo central da política e da segurança europeias neste início de década.

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