A recente operação de autoridades anticorrupção em propriedades ligadas a Andriy Yermak, chefe de gabinete do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, marca um momento sensível para a política interna da Ucrânia e para sua trajetória rumo à União Europeia (UE). O caso, envolvido em acusações de um grande esquema de propinas, vai muito além de um escândalo individual: ele toca diretamente na imagem do governo Zelensky, na confiança dos parceiros ocidentais e na credibilidade do processo de combate à corrupção em um país em guerra.
Quem é Andriy Yermak e por que ele é central no poder ucraniano
Andriy Yermak não é apenas um assessor influente: ele é, na prática, o homem forte do círculo interno de Zelensky. Como chefe de gabinete:
- Coordena parte importante da agenda política do presidente.
- Tem influência sobre nomeações, articulações com o Parlamento e setores-chave do governo.
- É figura central nas negociações diplomáticas, inclusive com países ocidentais e aliados da Ucrânia.
Por isso, qualquer investigação que encoste no seu nome ganha uma dimensão política enorme. Não se trata de um funcionário secundário, mas de alguém visto como pilar do sistema de poder em Kiev.
A operação anticorrupção: mais que uma busca policial
As buscas realizadas pelas autoridades anticorrupção em imóveis ligados a Yermak são apresentadas oficialmente como parte de uma investigação sobre um suposto esquema de propinas. Mesmo que, juridicamente, a operação ainda esteja em fase inicial, politicamente ela já produz efeitos imediatos:
- Coloca em dúvida a integridade de um dos aliados mais próximos de Zelensky.
- Abre espaço para que a oposição interna questione o discurso de combate à corrupção do governo.
- Alimenta a percepção de que redes de influência e negócios escusos seguem presentes no topo do Estado.
Ao mesmo tempo, a própria realização da operação mostra que os órgãos anticorrupção não estão totalmente paralisados ou subordinados, o que é um ponto relevante para observadores externos, sobretudo na União Europeia.
A herança da corrupção na Ucrânia: um problema estrutural
Mesmo antes da guerra em larga escala com a Rússia, a corrupção sistêmica já era apontada como um dos principais problemas do Estado ucraniano. Ao longo de anos:
- Elites políticas e empresariais foram acusadas de capturar instituições e contratos públicos.
- O país ocupou posições desfavoráveis em índices internacionais de percepção de corrupção.
- Reformas anticorrupção foram cobradas de forma insistente por organizações internacionais e governos ocidentais.
A guerra não eliminou esse problema; ao contrário, crises tendem a aumentar o risco de desvio de recursos, especialmente em setores como defesa, reconstrução, ajuda humanitária e energia.
Por isso, um escândalo desse porte envolvendo alguém do núcleo do poder é visto como um teste decisivo: a Ucrânia está realmente disposta a enfrentar a corrupção, inclusive quando ela toca os mais poderosos?
O peso da União Europeia: integração condicionada a reformas
A União Europeia acompanha de perto o caso Yermak porque ele atinge um dos critérios centrais para a adesão ucraniana ao bloco: o Estado de Direito e a luta eficaz contra a corrupção.
Para avançar no processo de ingresso na UE, a Ucrânia precisa demonstrar:
- Independência real de promotores, juízes e órgãos de controle.
- Investigações sérias contra figuras influentes, não apenas “peixes pequenos”.
- Transparência no uso dos recursos, especialmente da ajuda externa.
- Reformas estruturais, e não apenas medidas simbólicas.
Nesse contexto, a operação que atinge o entorno de Yermak pode ser vista de duas maneiras:
- Como sinal positivo, se for conduzida com autonomia, transparência e resultado concreto, mostrando que ninguém está acima da lei.
- Como fator de preocupação, se houver tentativas de interferência política, abafamento do caso ou uso seletivo da investigação para proteger aliados e punir desafetos.
Em resumo, a forma como Kiev lidará com esse caso pode acelerar ou complicar o caminho da Ucrânia rumo à UE.
O dilema de Zelensky: proteger aliados ou preservar a credibilidade
Para Zelensky, a investigação sobre Yermak cria um dilema político delicado:
- Se defender demais o seu chefe de gabinete, corre o risco de ser acusado de acobertamento ou de tentar proteger um aliado influente, o que enfraqueceria seu discurso anticorrupção.
- Se se afastar rapidamente de Yermak, pode passar a impressão de fragilidade interna, divisão no núcleo do poder e até de instabilidade política em plena guerra.
A postura do presidente, portanto, será observada em detalhe:
- Se ele der carta branca às investigações, indicar colaboração e evitar ataques às instituições de controle, reforça a imagem de compromisso com as reformas.
- Se optar por desqualificar as investigações, pressionar órgãos anticorrupção ou apostar na narrativa de perseguição política, mina sua própria credibilidade diante dos parceiros europeus.
Zelensky, que construiu boa parte de sua popularidade em torno da promessa de renovação e combate à corrupção, sabe que esse caso é também um teste pessoal de liderança e coerência.
A percepção interna: entre cansaço da guerra e descrença na política
Dentro da Ucrânia, a repercussão de um escândalo ligado ao topo do governo se mistura com o contexto de cansaço da população com a guerra, destruição e dificuldades econômicas.
Alguns sentimentos podem emergir:
- Indignação, se o público enxergar que recursos ou influência estão sendo usados em benefício próprio enquanto soldados e civis sofrem as consequências do conflito.
- Ceticismo, reforçando a ideia de que “nada muda” e de que a corrupção continua sendo uma constante, independentemente de quem esteja no poder.
- Apoio às investigações, caso a sociedade veja na atuação dos órgãos de controle uma oportunidade de renovação real.
Esse clima interno é importante porque afeta:
- A legitimidade política do governo.
- A capacidade de manter mobilização social e apoio à guerra.
- A reação da opinião pública a possíveis medidas duras contra figuras influentes.
O olhar de fora: aliados atentos e adversários explorando o caso
No plano internacional, o escândalo em torno do nome de Yermak pode ser explorado de formas diferentes.
a) Pelos aliados ocidentais
Países que apoiam a Ucrânia com ajuda militar, financeira e humanitária tendem a usar esse tipo de caso como:
- Argumento para exigir mais transparência e mecanismos de controle.
- Critério para condicionar futuras parcelas de ajuda a garantias de fiscalização.
- Pressão para que reformas anticorrupção saiam do papel e sejam aplicadas de fato.
Não é apenas uma questão de imagem: essas nações precisam justificar perante suas próprias opiniões públicas por que continuam financiando o esforço de guerra e a reconstrução ucraniana. Casos de corrupção no topo do poder alimentam resistências internas.
b) Pela Rússia e por atores hostis à Ucrânia
Por outro lado, adversários da Ucrânia podem explorar esse episódio para:
- Tentar deslegitimar o governo de Zelensky, retratando-o como corrupto e hipócrita.
- Alimentar narrativas de que a Ucrânia seria um “Estado falido”, incapaz de se reformar.
- Dividir a opinião pública internacional, enfraquecendo o apoio à causa ucraniana.
A batalha em torno do caso Yermak não é apenas judicial ou política; ela também é informacional e propagandística.
Corrupção e guerra: um campo de batalha silencioso
A guerra na Ucrânia costuma ser vista, com razão, sob a ótica militar e geopolítica: ofensivas, linhas de frente, sanções, apoio da OTAN. Mas o combate à corrupção é um campo de batalha silencioso, com impacto direto:
- Sobre a capacidade do Estado de funcionar em situação de crise.
- Sobre a confiança dos cidadãos nas instituições.
- Sobre a disposição de países estrangeiros em continuar apoiando Kiev.
Investigações em torno de figuras poderosas, como Yermak, são um termômetro do quanto a Ucrânia está disposta a enfrentar esse desafio estrutural, mesmo em meio à guerra.
Se o combate à corrupção for consistente, com responsabilização real, o país ganha força moral e política para pedir mais ajuda, negociar sua entrada na União Europeia e se apresentar como um Estado em processo de modernização.
Se, ao contrário, predominar a impunidade ou a proteção a aliados, o discurso de renovação perde força, e a própria narrativa de defesa da democracia ucraniana contra a agressão externa fica fragilizada.
O que está em jogo: mais que um nome, um projeto de país
O caso envolvendo Andriy Yermak vai muito além de um personagem, por mais influente que ele seja. Ele coloca em questão:
- O modelo de governança que a Ucrânia quer consolidar após a guerra.
- A profundidade das reformas que o país está disposto a realizar para se aproximar dos padrões exigidos pela União Europeia.
- A imagem do Estado ucraniano perante seus próprios cidadãos e seus aliados internacionais.
A forma como essa investigação será conduzida — com transparência e independência ou com pressão e interferência — se tornará um marco simbólico:
- Ou como exemplo de que a Ucrânia é capaz de encarar a corrupção no coração do poder;
- Ou como prova de que velhos padrões de impunidade ainda prevalecem, mesmo sob nova liderança.
Conclusão
As buscas em propriedades ligadas a Andriy Yermak não são apenas um episódio policial: são um divisor de águas político para a Ucrânia em um momento decisivo de sua história.
Com o país em guerra, buscando garantir sua sobrevivência frente à Rússia e, ao mesmo tempo, mirando a adesão à União Europeia, a coerência entre discurso e prática no combate à corrupção se torna crucial.
A Europa observa, os aliados medem cada gesto, a população ucraniana acompanha com expectativa e desconfiança.
O desfecho desse caso, mais do que o destino de um homem poderoso, ajudará a definir se a Ucrânia conseguirá se afirmar como um Estado que rompe com a corrupção estrutural ou se continuará presa a ciclos de escândalos que corroem a confiança no poder.
Em meio às sirenes de guerra, a luta contra a corrupção é um teste silencioso — mas decisivo — para o futuro do país.

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