Japão lança megaestímulo enquanto China prepara resposta: economia e geopolítica se cruzam na Ásia

A primeira-ministra japonesa Sanae Takaichi fala em coletiva de imprensa após a cúpula da APEC em Gyeongju, na Coreia do Sul, em 1º de novembro de 2025
A primeira-ministra japonesa Sanae Takaichi fala durante uma coletiva de imprensa após a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) em Gyeongju, Coreia do Sul, em 1º de novembro de 2025. Foto: Kim Hong-ji/Reuters.

O tabuleiro econômico da Ásia ganhou novos contornos nesta quinta-feira, 20 de novembro de 2025, com movimentos simultâneos de Japão e China que vão muito além de números de orçamento. Tóquio finaliza um pacote de estímulo de aproximadamente US$ 135 bilhões, o maior desde a pandemia de COVID-19, enquanto Pequim estuda novas medidas para resgatar o setor imobiliário, ainda em crise profunda.

Ao mesmo tempo, cresce na China o debate sobre retaliações econômicas contra o Japão, em resposta às declarações da primeira-ministra Sanae Takaichi sobre uma possível reação militar japonesa em caso de ataque chinês a Taiwan. Analistas e comentaristas ligados a Pequim sugerem restrições comerciais e até cortes na exportação de terras raras, insumo estratégico para a indústria japonesa.

O resultado é um cenário em que economia e geopolítica se misturam, com impacto potencial sobre cadeias produtivas globais, estabilidade financeira e a correlação de forças na região do Indo-Pacífico.

O megaestímulo japonês: alívio às famílias, risco aos mercados

Segundo rascunhos divulgados pela imprensa e por documentos obtidos por agências internacionais, o governo japonês prepara um pacote de estímulo de cerca de 21,3 trilhões de ienes (aproximadamente US$ 135 bilhões), configurando a maior ofensiva fiscal desde a pandemia.

O plano inclui:

  • Pagamentos diretos por criança para famílias, na faixa de 20 mil ienes;
  • Cortes de impostos de renda, aliviando parte da pressão sobre trabalhadores;
  • Redução de impostos sobre gasolina, numa tentativa de suavizar o impacto da inflação;
  • Subsídios para contas de energia e alimentação, buscando sustentar o consumo;
  • Investimentos em setores considerados estratégicos, como inteligência artificial, semicondutores, construção naval e segurança econômica.

A medida é apresentada pela primeira-ministra Sanae Takaichi como uma resposta à combinação de inflação persistente, salários pressionados e perda de poder de compra da classe média japonesa, além de um esforço para reposicionar o país em cadeias tecnológicas globais.

No entanto, o pacote chega num momento em que os mercados dão sinais de esgotamento em relação à tolerância com a dívida japonesa. Investidores vêm vendendo ienes e títulos públicos, fazendo os juros de longo prazo atingirem a maior alta em anos, o que acende alertas sobre a sustentabilidade da trajetória fiscal do país. Alguns analistas já comparam o movimento ao episódio britânico de 2022, quando um plano de corte de impostos detonou turbulência no mercado de bonds.

A aposta de Pequim: novo estímulo imobiliário em meio a crise prolongada

Enquanto Tóquio prepara sua ofensiva fiscal, Pequim avalia mais uma rodada de estímulo ao setor imobiliário, apontado como o elo fraco da economia chinesa. Mesmo após medidas anteriores, os preços de imóveis seguem em queda e a confiança de compradores e construtoras continua abalada.

De acordo com reportagens baseadas em fontes próximas ao governo, a China estuda:

  • Subsídios nacionais a hipotecas para compradores de primeira casa;
  • Rebates maiores de imposto de renda para quem já possui hipoteca;
  • Redução de custos em transações imobiliárias, como taxas e encargos;
  • Alívio adicional em financiamento para desenvolvedoras consideradas sistêmicas.

O objetivo é duplo: evitar que a crise imobiliária contamine o sistema financeiro e impedir que a desaceleração do setor puxe para baixo o crescimento chinês como um todo. O problema é que o espaço de manobra já não é tão amplo. Muitos analistas avaliam que sucessivas rodadas de estímulo têm efeito decrescente num mercado saturado, com demografia em mudança e confiança abalada.

Rivalidade econômica: estímulos em direções opostas, mas conectados

À primeira vista, Japão e China estão apenas tomando medidas independentes para enfrentar desafios domésticos. Mas, na prática, os dois pacotes têm implicações cruzadas:

  1. Moedas e competitividade
    Um megaestímulo japonês financiado por mais dívida pode pressionar ainda mais o iene, abrindo espaço para um câmbio mais desvalorizado. Isso tende a tornar exportações japonesas mais competitivas frente às chinesas, em especial em setores como automóveis, eletrônicos e máquinas industriais.
  2. Demanda global por commodities e insumos
    Um Japão gastando mais e uma China tentando reaquecer o mercado imobiliário podem impulsionar a demanda por metais, energia e insumos industriais, ajudando a sustentar preços globais. De fato, o simples rumor de novo estímulo imobiliário já fez ações e preços de commodities ligados à construção subirem em mercados asiáticos.
  3. Concorrência por cadeias tecnológicas
    Ao destinar parte do pacote para IA, semicondutores e segurança econômica, o Japão sinaliza que quer reduzir dependências estratégicas da China e disputar espaço em setores de alta tecnologia, onde Pequim também vem investindo pesado como parte de sua estratégia de “autossuficiência”.

Em resumo, não se trata apenas de aliviar a situação interna: ambos os movimentos reposicionam Japão e China na disputa por competitividade industrial, segurança econômica e influência regional.

Taiwan no centro do furacão: quando o estímulo encontra a geopolítica

O pano de fundo desses pacotes econômicos é um ambiente geopolítico em rápida deterioração, em grande parte por causa de Taiwan.

Em 7 de novembro de 2025, durante sessão parlamentar, a primeira-ministra Sanae Takaichi declarou que uma “contingência em Taiwan” poderia ser considerada uma situação de ameaça à sobrevivência do Japão, abrindo a possibilidade de Tóquio exercer o direito de autodefesa coletiva ao lado dos Estados Unidos.

Pequim reagiu com dureza, acusando o Japão de “interferir em assuntos internos chineses” e exigindo uma retratação. A partir daí, o atrito ganhou contornos econômicos:

  • China suspendeu importações de frutos do mar japoneses e emitiu avisos de viagem, desestimulando o turismo àquele país;
  • Medidas simbólicas e diplomáticas – como cancelamento de eventos culturais e postura hostil em encontros multilaterais – reforçam a deterioração da relação;
  • Analistas e comentaristas ligados a Pequim passaram a defender algo mais sério: proibição de exportação de terras raras para o Japão, restrição a produtos japoneses, boicote de turistas e até restrições de visto.

As terras raras são essenciais para a indústria de alta tecnologia, desde baterias até equipamentos militares. A China já utilizou anteriormente esse instrumento contra Tóquio, em 2010, durante disputa marítima. A simples possibilidade de um novo bloqueio gera preocupação em Tóquio e em aliados do G7.

Retaliação econômica: até onde a China pode ir?

A discussão em torno de retaliações econômicas não é apenas retórica. A China é um dos principais parceiros comerciais do Japão, e qualquer escalada pode ter efeitos significativos:

  • Exportações japonesas em setores como automóveis, componentes eletrônicos e produtos químicos correm risco se Pequim impor barreiras diretas ou indiretas;
  • Empresas japonesas instaladas na China podem enfrentar inspeções, obstáculos regulatórios e campanhas de boicote, como já ocorreu em crises anteriores;
  • O uso de turismo e consumo doméstico como arma – desestimulando cidadãos chineses a viajarem ao Japão ou comprarem produtos japoneses – tem impacto relevante em varejo, hotelaria e serviços nipônicos.

Por outro lado, a própria China precisa medir o custo de uma retaliação mais dura. Em um momento em que tenta estabilizar um setor imobiliário em crise, manter alguma previsibilidade nas relações econômicas com o Japão – fornecedor de tecnologia, insumos industriais e investimentos – também é do interesse de Pequim.

Essa interdependência é o que torna o embate mais complexo: ambos os lados têm capacidade de causar dano, mas também têm muito a perder.

Takaichi entre a pressão interna e o choque externo

Para Sanae Takaichi, o megaestímulo é, ao mesmo tempo:

  • Um instrumento econômico, para aliviar o custo de vida e evitar perda de dinamismo;
  • Um movimento político, para consolidar sua liderança recém-iniciada e demonstrar ação rápida;
  • Um componente de estratégia de poder, ao direcionar recursos para setores sensíveis na disputa com a China.

O problema é que a combinação de endividamento elevado, fragilidade cambial e tensão com o maior parceiro comercial cria um ambiente de alto risco. Comparações com o episódio britânico de 2022 – quando o mercado puniu duramente um plano fiscal mal recebido – aparecem com frequência em análises recentes sobre o Japão.

Se a retaliação chinesa se aprofundar justamente quando Tóquio expande gastos e emite mais dívida, o impacto pode ser duplo:

  1. Financeiro: aumento de juros, queda do iene e maior custo de rolagem da dívida;
  2. Real: perda de exportações, dificuldade em acesso a insumos estratégicos e queda de confiança empresarial.

Para onde vai a relação Japão–China?

Analistas já falam em uma possível “longa temporada de inverno” nas relações entre Tóquio e Pequim. Em crises anteriores, como a disputa pelas ilhas Senkaku/Diaoyu em 2012, a combinação de nacionalismo, atritos diplomáticos e boicotes econômicos mostrou ter custos altos para os dois lados.

Desta vez, o contexto é ainda mais delicado:

  • A disputa acontece em meio a uma ordem internacional em transformação, com competição aberta entre China e Estados Unidos;
  • O tema sensível é Taiwan, um dos potenciais gatilhos de crise global mais citados por estrategistas;
  • A política interna dos dois países também empurra líderes a adotarem posturas firmes, com pouco espaço para concessões aparentes.

Em paralelo, Japão e China continuam profundamente conectados por comércio, investimentos e cadeias de suprimentos. A questão central passa a ser: até que ponto a geopolítica pode tensionar essas conexões sem rompê-las?

Conclusão: estímulos gigantes, riscos proporcionais

O lançamento de um megaestímulo japonês e a preparação de um novo pacote chinês para o setor imobiliário mostram que a Ásia entra em uma fase de intervenção estatal intensa na economia, tentando lidar com inflação, desaceleração e crise de confiança.

Mas, desta vez, a fronteira entre “política econômica” e “estratégia geopolítica” é cada vez mais tênue:

  • O Japão usa o estímulo para aliviar famílias, mas também para reforçar setores estratégicos e sustentar sua posição num cenário de rivalidade com a China;
  • A China tenta salvar seu setor imobiliário, mas considera usar o peso econômico para punir o Japão por sua postura em relação a Taiwan;
  • Mercados, empresas e trabalhadores dos dois lados se tornam reféns de uma disputa que combina moeda, dívida, comércio, tecnologia e segurança.

Para a geopolítica global, o recado é claro: decisões de orçamento na Ásia hoje têm impacto muito além da região, influenciando preços internacionais, estratégias industriais de outros países e o equilíbrio de poder em um dos pontos mais sensíveis do planeta.

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