Com discurso de que “já se comporta como membro”, governo de Milojko Spajić aposta em reformas aceleradas e alinhamento total com Bruxelas para transformar o pequeno país balcânico no próximo integrante da UE.
Montenegro, um pequeno país de pouco mais de 620 mil habitantes nos Bálcãs, voltou ao centro do debate sobre a ampliação da União Europeia. O primeiro-ministro Milojko Spajić tem repetido, em entrevistas e encontros em Bruxelas, que espera ver o país como membro pleno da UE até o fim do mandato da atual Comissão Europeia, em 2029. A mensagem é clara: Montenegro quer ser o próximo Estado a se juntar ao bloco e está disposto a acelerar reformas para isso.
Mais do que um objetivo técnico, trata-se de uma estratégia política e geopolítica. Em meio à guerra na Ucrânia, às tensões com a Rússia e à disputa de influência nos Bálcãs, a adesão de Montenegro é vista, em Podgorica e em várias capitais europeias, como um teste da credibilidade da política de ampliação da UE.
Onde Montenegro está no processo de adesão
Montenegro é um dos nove países atualmente candidatos à União Europeia e, entre os que já abriram negociações formais, é considerado o mais avançado. O governo de Spajić fala em concluir o escrutínio técnico e a avaliação formal até 2026, o que abriria caminho para fechar todos os capítulos de negociação nos anos seguintes.
O processo de adesão envolve:
- 33 capítulos temáticos de negociação, que vão de justiça e direitos fundamentais a meio ambiente, concorrência, energia e política externa;
- Reformas constitucionais, judiciais e econômicas, exigidas para aproximar o país dos padrões da UE;
- Monitoramento constante por parte da Comissão Europeia, que avalia avanço ou retrocesso em cada área.
Na prática, Montenegro já cumpre boa parte das exigências ligadas à política externa e de segurança, alinhando-se às posições europeias em temas sensíveis, como sanções à Rússia e ajustes em regras de vistos. O discurso do governo é que o país “já se comporta como membro, só não colhe os benefícios”.
O discurso de Spajić: “não há alternativa à União Europeia”
Milojko Spajić, líder do partido pró-europeu “Europa Agora!”, construiu seu capital político em cima de uma mensagem direta: para Montenegro, não existe alternativa à integração plena na União Europeia. Segundo ele, o país já vive, na prática, como se fizesse parte do bloco, seja pelo padrão de reformas, seja pelo grau de abertura econômica e social.
Esse discurso se apoia em alguns argumentos centrais:
- Geografia e economia: Montenegro é um país pequeno, cercado por Estados que já são membros da UE ou também candidatos, e altamente dependente de comércio, investimentos e turismo europeus;
- Segurança: em um cenário de instabilidade na região, a entrada na UE é apresentada como garantia de estabilidade institucional e amarração definitiva ao campo euro-atlântico;
- Fadiga de transição: após anos de reformas, parte da sociedade montenegrina espera ver “recompensas” concretas, como acesso pleno ao mercado único, fundos europeus e livre circulação.
Ao insistir em um horizonte temporal relativamente curto, até 2029, o governo também busca pressionar a própria UE a manter a porta da ampliação realmente aberta, e não apenas no discurso.
Por que Montenegro é um caso importante para a UE
Do ponto de vista de Bruxelas, Montenegro é, ao mesmo tempo, um caso de teste e um sinal político.
1. Teste de credibilidade da política de ampliação
Há anos, países dos Bálcãs Ocidentais ouvem promessas de que “o futuro está na União Europeia”, mas os processos de adesão avançam lentamente, travados por disputas internas, reformas inacabadas e hesitação de alguns Estados-membros. Montenegro, por estar mais adiantado, tornou-se um candidato ideal para provar que a ampliação ainda é uma prioridade real.
Se o país conseguir fechar capítulos de negociação rapidamente e aderir até o fim da década, a mensagem para os demais candidatos será: “quem faz as reformas, entra”. Se isso não ocorrer, a narrativa de que a UE “empurra com a barriga” a integração dos Bálcãs ganhará força.
2. Sinal geopolítico nos Bálcãs
Os Bálcãs continuam sendo uma região de competição de influência entre União Europeia, Rússia, China e, em menor escala, Turquia e outros atores. Demonstrar que o processo de alargamento está vivo e pode funcionar é uma forma de contrabalançar a presença de outros atores na região.
Um Montenegro plenamente integrado ao bloco:
- Consolida a UE como principal referência política e econômica no país;
- Dificulta a penetração de narrativas ou investimentos que contrariam os interesses europeus;
- Reforça a mensagem de que os Bálcãs são, a longo prazo, parte do projeto europeu.
Reformas internas: do combate à corrupção à justiça
A aceleração do processo de adesão passa, inevitavelmente, pela agenda interna de reformas. Os capítulos mais sensíveis costumam ser os ligados a:
- Estado de Direito: independência do Judiciário, combate à corrupção e ao crime organizado, transparência;
- Direitos fundamentais: proteção de minorias, liberdade de imprensa, direitos civis;
- Economia e concorrência: fortalecimento de instituições regulatórias, combate a monopólios, ambiente de negócios previsível.
Montenegro carrega, como outros países da região, um histórico de clientelismo político, concentrações de poder e denúncias de corrupção. Para convencer os parceiros europeus, o governo Spajić precisa demonstrar que essas estruturas estão sendo de fato desmontadas, não apenas maquiadas.
A rapidez das reformas, porém, traz riscos:
- Resistência de grupos de interesse afetados por mudanças em contratos, privilégios e esquemas de poder;
- Fadiga social, caso os custos de ajuste econômico sejam percebidos pelas camadas mais vulneráveis sem benefícios imediatos;
- Polarização política, em um cenário em que forças pró-Europa disputam espaço com grupos nacionalistas, conservadores e eventualmente pró-Rússia.
Economia, turismo e o impacto da adesão
Montenegro tem uma economia pequena, com forte peso do turismo, setor imobiliário e serviços. A entrada na UE tende a intensificar algumas dinâmicas já em curso, ao mesmo tempo em que exige ajustes.
Benefícios esperados
- Acesso a fundos europeus para infraestrutura, meio ambiente, educação e inovação;
- Maior segurança jurídica para investidores, o que pode atrair mais capital estrangeiro;
- Integração plena ao mercado único, com facilitação de comércio e serviços;
- Livre circulação de pessoas, fortalecendo ainda mais o turismo e as oportunidades de trabalho e estudo.
Desafios potenciais
- Concorrência maior para empresas locais, que terão de competir com grandes grupos europeus;
- Necessidade de adequar legislações e padrões a normas europeias, o que gera custos de transição;
- Risco de aumento da desigualdade regional dentro do próprio país, se investimentos se concentrarem em áreas mais desenvolvidas e turísticas.
Para o governo, a narrativa é de que os benefícios superam amplamente os custos, desde que o país use bem os recursos e as oportunidades que a adesão abrirá.
Obstáculos políticos: unanimidade e ceticismo em alguns Estados-membros
Mesmo que Montenegro cumpra sua parte, a adesão à UE não é uma decisão exclusivamente técnica. A entrada de um novo país exige aprovação unânime de todos os Estados-membros, o que transforma a ampliação em um processo também político e sujeito a vetos.
Alguns obstáculos possíveis:
- Cansaço com a ampliação em certos países, onde parte da opinião pública vê com desconfiança a entrada de novos membros;
- Uso do processo de adesão como moeda de troca em outras disputas dentro da UE;
- Preocupações com governança interna do bloco: quanto mais membros, mais complexas se tornam as tomadas de decisão.
Nesse contexto, Montenegro depende não apenas de seu próprio desempenho, mas também do clima político geral dentro da União e da capacidade de Bruxelas de convencer as capitais mais céticas de que a ampliação fortalece, e não enfraquece, o projeto europeu.
O simbolismo de um pequeno país que “chega lá antes”
Se Montenegro conseguir concluir as negociações até meados da década e aderir até 2029, o fato de ser um país pequeno, mas rápido e determinado, terá um peso simbólico importante.
Esse cenário enviaria algumas mensagens-chave:
- Para outros candidatos (como Sérvia, Macedônia do Norte, Albânia, Bósnia, Ucrânia e Moldávia): o tamanho ou o peso econômico não são o único critério; capacidade de reforma e alinhamento político contam muito;
- Para a opinião pública europeia: a ampliação pode ser feita de forma organizada, com países que chegam relativamente “prontos” e não trazem grandes desequilíbrios;
- Para atores externos: a UE ainda é um polo de atração, capaz de oferecer um horizonte concreto e previsível a seus vizinhos.
Por outro lado, se o processo travar, a frustração pode alimentar ceticismo em relação à UE, aumentar espaço para narrativas antiocidentais e reforçar a percepção de que o bloco fala muito em ampliação, mas entrega pouco.
Conclusão
Montenegro transformou sua candidatura à União Europeia em um projeto nacional e em uma vitrine da política de ampliação do bloco. Ao prometer adesão até 2029, o governo de Milojko Spajić não está apenas estabelecendo um cronograma ambicioso; está também testando o compromisso da UE com a integração dos Bálcãs e com sua própria credibilidade.
O sucesso desse processo dependerá de três fatores principais:
- Determinação interna de Montenegro em aprofundar reformas, combater corrupção e fortalecer o Estado de Direito;
- Capacidade da UE de manter a porta realmente aberta, oferecendo um caminho claro e previsível para quem cumpre as exigências;
- Clima político nas capitais europeias, que precisarão aprovar por unanimidade a entrada de um novo membro em um período de desafios internos, guerra no continente e tensão geopolítica.
Se tudo convergir, Montenegro pode se tornar, até o fim da década, o mais novo membro da União Europeia – e um exemplo de que, apesar das crises, o projeto europeu continua sendo uma promessa de estabilidade, prosperidade e integração para seus vizinhos.

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