Paquistão e Afeganistão negociam cessar-fogo com mediação da Turquia em meio a escalada de violência na fronteira

Representantes do Paquistão e Afeganistão durante assinatura de acordo em mesa de negociações
Autoridades do Paquistão e Afeganistão participam de reunião mediada por representantes estrangeiros para discutir um cessar-fogo e medidas de cooperação.

O Paquistão e o Afeganistão iniciaram novas negociações de cessar-fogo com o apoio diplomático da Turquia, em uma tentativa de encerrar meses de tensões e confrontos armados na fronteira entre os dois países. O diálogo ocorre após uma série de ataques atribuídos ao Tehreek-i-Taliban Pakistan (TTP), grupo militante que tem realizado ofensivas contra forças paquistanesas a partir de território afegão.

As discussões, conduzidas de forma discreta em Ancara, contam com a participação de altos representantes dos governos paquistanês e afegão, além de mediadores turcos e observadores da Organização de Cooperação Islâmica (OCI). O objetivo é chegar a um acordo de cooperação antiterrorista e estabelecer mecanismos de controle fronteiriço, reduzindo a crescente instabilidade na região do sul da Ásia.

Um histórico de tensões e desconfiança

A relação entre Paquistão e Afeganistão tem sido marcada por décadas de desconfiança, disputas territoriais e divergências sobre o combate a grupos armados. O ponto central do conflito é a Linha Durand, fronteira de mais de 2.600 quilômetros traçada ainda no período colonial britânico, e nunca formalmente reconhecida por Cabul.

Desde que o Talibã retomou o poder no Afeganistão em 2021, o Paquistão tem acusado o governo afegão de abrigar combatentes do TTP, também conhecido como Talibã paquistanês. O grupo, ideologicamente alinhado ao Talibã afegão, intensificou seus ataques contra postos militares, especialmente nas províncias de Khyber Pakhtunkhwa e Baluchistão, regiões historicamente instáveis e palco de insurgências separatistas.

De acordo com o projeto de monitoramento de conflitos ACLED (Armed Conflict Location & Event Data Project), os confrontos transfronteiriços aumentaram nas últimas semanas, com dezenas de incidentes registrados entre as forças de segurança paquistanesas e militantes baseados em território afegão.

O papel da Turquia e os esforços diplomáticos

A Turquia surgiu como mediadora natural nas conversas devido às suas relações estáveis com ambos os países e à sua influência crescente na política da Ásia Central e do sul da Ásia. Ancara tem buscado se consolidar como um ator diplomático neutro capaz de facilitar o diálogo entre governos muçulmanos em conflito.

Fontes diplomáticas turcas afirmam que as negociações buscam um “entendimento estratégico de longo prazo”, que inclua:

  • Troca de informações de inteligência sobre grupos militantes;
  • Reforço do controle fronteiriço conjunto;
  • Acordos de repatriação e extradição de insurgentes;
  • Criação de canais permanentes de comunicação militar.

Segundo a agência Reuters, representantes do Talibã afegão teriam sinalizado abertura para “medidas de confiança mútua”, embora mantenham a posição de não reconhecer a Linha Durand como fronteira legítima.

O desafio do Tehreek-i-Taliban Pakistan (TTP)

O TTP é considerado uma das maiores ameaças à estabilidade do Paquistão. Criado em 2007, o grupo reúne diversas facções militantes sunitas com o objetivo de impor uma interpretação rígida da sharia (lei islâmica) e derrubar o governo paquistanês.

Desde a ascensão do Talibã em Cabul, o TTP ganhou novo fôlego, beneficiando-se da falta de controle efetivo do governo afegão em áreas montanhosas próximas à fronteira. Analistas apontam que o grupo se reestruturou e ampliou sua presença, explorando o vácuo de poder e a complexa rede tribal transfronteiriça que dificulta ações militares coordenadas.

Apesar dos esforços de Islamabad, que já conduziu operações militares em larga escala nas regiões tribais, o TTP continua ativo e vem expandindo ataques com drones improvisados, emboscadas e atentados suicidas.

Impactos regionais e segurança no sul da Ásia

O eventual sucesso das negociações pode ter repercussões diretas na segurança regional, afetando países como China, Irã e Índia, que observam de perto a instabilidade crescente no eixo Afeganistão-Paquistão.

Para Pequim, por exemplo, a fronteira ocidental do Paquistão é estratégica, pois abriga parte do Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC), peça central da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI). Qualquer prolongamento da violência ameaça a infraestrutura e os investimentos chineses, especialmente em estradas, oleodutos e zonas industriais próximas à fronteira.

Além disso, um cessar-fogo bem-sucedido poderia diminuir o risco de radicalização regional e abrir espaço para cooperação em segurança e desenvolvimento, envolvendo também organismos multilaterais e parceiros internacionais.

Perspectivas e obstáculos

Apesar do otimismo inicial, as negociações enfrentam grandes desafios. O principal deles é a falta de confiança entre Islamabad e o Talibã afegão, além da ausência de um mecanismo de verificação independente para monitorar o cumprimento de eventuais acordos.

Outro obstáculo é a complexidade política interna de ambos os países. No Paquistão, o governo enfrenta pressão doméstica por resultados concretos, enquanto o Talibã afegão lida com crises econômicas e sanções internacionais, que limitam sua margem de manobra diplomática.

Ainda assim, diplomatas turcos afirmam que o processo “representa o início de um novo capítulo” e pode pavimentar o caminho para cooperação antiterrorista regional, caso ambas as partes mantenham o compromisso com o diálogo.

Conclusão

As conversas entre Paquistão e Afeganistão, mediadas pela Turquia, representam uma rara oportunidade de reduzir a tensão em uma das fronteiras mais instáveis do mundo.

Se concretizado, o acordo de cessar-fogo poderá conter a expansão do TTP, melhorar a segurança regional e abrir um canal de cooperação estratégica no sul da Ásia. No entanto, o sucesso dessas negociações dependerá da vontade política dos envolvidos e da capacidade de implementar compromissos concretos em um contexto de rivalidades históricas e desconfiança mútua.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*