Previsão econômica de outono da União Europeia: crescimento moderado em meio às tempestades globais

Sede da Comissão Europeia em Bruxelas com bandeiras da União Europeia em frente ao edifício Berlaymont
Sede da Comissão Europeia, em Bruxelas, com bandeiras da União Europeia em frente ao edifício Berlaymont.

A Comissão Europeia divulgou a Previsão Econômica de Outono de 2025 com uma mensagem central: a economia da União Europeia (UE) não vai disparar, mas também está longe de uma recessão. Em um cenário global de guerras, choques de energia, inflação ainda elevada em alguns segmentos e novas barreiras comerciais, Bruxelas projeta um ritmo de crescimento moderado, porém resiliente, para os próximos anos.

Segundo o relatório, o PIB real da UE deve crescer 1,4% em 2025 e 2026, acelerando levemente para 1,5% em 2027. A zona do euro acompanha de perto esse movimento, com alta de 1,3% em 2025, 1,2% em 2026 e 1,4% em 2027.

Num contexto em que o mundo ainda sente o impacto da guerra na Ucrânia, da reconfiguração das cadeias energéticas, da disputa comercial com grandes potências e do aperto monetário pós-pandemia, a mensagem é clara: a UE não está em boom, mas também não está à beira do colapso.

De onde vem esse crescimento de 1,4%?

A projeção de 1,4% de crescimento em 2025 não surge no vazio. Ela reflete uma combinação de fatores:

  1. Consumo ainda contido, mas em recuperação gradual
    • A queda da inflação está devolvendo, aos poucos, o poder de compra das famílias.
    • Salários continuam crescendo, embora em ritmo mais moderado, o que ajuda a recompor parte das perdas reais dos últimos anos.
  2. Investimentos em alta, puxados por indústria e transição verde
    • A Comissão destaca a expectativa de aumento significativo dos investimentos em equipamentos e ativos intangíveis (tecnologia, digitalização, P&D), sobretudo a partir de 2026.
    • Programas ligados ao Pacto Verde Europeu, à autonomia energética e à digitalização continuam canalizando recursos para infraestrutura, energias renováveis e inovação.
  3. Emprego forte, embora com desaceleração
    • A UE gerou cerca de 380 mil novos empregos apenas no primeiro semestre de 2025, e a projeção é de que o emprego cresça 0,5% em 2025 e 2026, e 0,4% em 2027.
    • Desemprego deve ficar em torno de 5,9% em 2025 e 2026, caindo para 5,8% em 2027, um nível historicamente baixo para o bloco.
  4. Produtividade ganhando fôlego
    • A própria Comissão espera uma aceleração da produtividade, combinada com desaceleração dos salários, o que reduz o crescimento dos custos unitários do trabalho. Isso tende a aliviar pressões inflacionárias e melhorar a competitividade das empresas europeias.

Inflação em queda: alívio, mas não sem riscos

A inflação, que chegou a níveis historicamente altos após a pandemia e a invasão da Ucrânia, segue em rota de queda. A Comissão projeta que:

  • Na zona do euro, a inflação deve cair para 2,1% em 2025 e ficar próxima de 2% em 2026 e 2027, alinhada à meta do Banco Central Europeu (BCE).
  • No conjunto da UE, a inflação deve permanecer um pouco acima, alcançando cerca de 2,2% em 2027.

Por trás desses números, há movimentos distintos:

  • Serviços e alimentos: devem registrar desaceleração de preços, acompanhando a moderação dos salários e a queda dos custos ao longo da cadeia produtiva.
  • Energia: após o choque de 2022–2023, os preços de energia se estabilizaram em patamar mais administrável, mas a Comissão alerta que, com a implementação do novo sistema de comércio de emissões (ETS2), a energia pode voltar a pressionar a inflação a partir de 2027.
  • Bens industriais não energéticos: tendência de inflação baixa, refletindo concorrência internacional intensa e apreciação do euro, que barateia importações.

Para o BCE, esse cenário dá algum espaço para ajustes graduais na política monetária, mas a combinação entre inflação ainda sensível e incertezas globais deve manter os juros em nível relativamente restritivo por mais tempo do que gostariam governos e mercados.

Mercado de trabalho: resiliência com novas pressões

O mercado de trabalho europeu é um dos pontos fortes da previsão:

  • Taxa de desemprego em níveis historicamente baixos, perto de 6%.
  • Crescimento de emprego positivo, ainda que moderado.

Mas essa fotografia esconde desafios importantes:

  1. Envelhecimento populacional e escassez de mão de obra
    • A Comissão prevê que o crescimento da população em idade ativa vai desacelerar, o que reduz o chamado “crescimento potencial” da economia (de 1,5% em 2024 para cerca de 1,3% em 2027 no conjunto da UE).
    • Em vários setores — como saúde, tecnologia, construção e indústria — falta de trabalhadores qualificados já é um gargalo.
  2. Maior importância da imigração
    • O relatório destaca que a imigração de fora da UE tende a ganhar peso para suprir a demanda por trabalho, especialmente em países com população envelhecida e baixa taxa de natalidade.
  3. Transição tecnológica
    • Digitalização e automação exigem requalificação, sob risco de ampliar desigualdades entre trabalhadores com alta e baixa qualificação.

Em resumo, a UE tem emprego, mas precisa garantir mão de obra adequada ao tipo de economia que quer construir.

Contas públicas sob pressão: déficit e dívida em alta

Se, de um lado, o crescimento é moderado mas positivo, do outro, as contas públicas acendem um sinal amarelo.

A Comissão projeta que:

  • O déficit público da UE deve subir de cerca de 3,1% do PIB em 2024 para 3,3% em 2025 e 2026, e 3,4% em 2027.
  • A dívida pública deve aumentar de 82% do PIB em 2024 para 85% em 2027 no conjunto da UE (e de 88% para 91% na zona do euro), refletindo déficits persistentes e juros mais altos.

Entre os principais fatores que pressionam as finanças públicas estão:

  1. Aumento dos gastos com defesa
    • Em resposta à guerra na Ucrânia, à deterioração da segurança no entorno europeu e aos compromissos assumidos na OTAN, a UE projeta que as despesas militares subam de 1,5% para cerca de 2% do PIB até 2027.
  2. Juros mais altos e custo da dívida
    • Após anos de dinheiro “barato”, governos agora convivem com custos de financiamento maiores, o que consome parcela crescente do orçamento.
  3. Receitas fiscais abaixo do esperado em alguns países
    • Em parte por causa do crescimento modesto, em parte por medidas fiscais adotadas na pandemia e prorrogadas, alguns Estados-membros enfrentam dificuldades para recompor a base de arrecadação.

A Comissão estima que 12 países da UE terão déficit acima de 3% do PIB em 2027, patamar que, em teoria, fere as regras fiscais do bloco. Isso deve manter no centro do debate a discussão sobre reformas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, ajustes graduais e eventuais procedimentos por déficit excessivo.

Um bloco, várias velocidades: divergências entre os países

Embora o relatório traga uma visão consolidada para a UE, as realidades nacionais são bastante distintas:

  • Alemanha
    • Após um período de quase estagnação, a Alemanha deve voltar a crescer, ainda que pouco, ajudada por um forte impulso fiscal em investimentos civis e de defesa, estimado em centenas de bilhões de euros nos próximos anos.
  • França, Itália e Espanha
    • A França tenta conciliar consolidação fiscal com tensão política interna.
    • A Itália segue com crescimento frágil e dívida elevada.
    • A Espanha e alguns países do leste europeu exibem taxas de crescimento mais robustas, mas ainda vulneráveis a choques externos.
  • Europa Central e Oriental
    • Países como Polónia e outros da região devem continuar crescendo acima da média da zona do euro, mas enfrentam desafios de inflação mais persistente e maior sensibilidade a choques comerciais e de energia.

Essas diferenças mostram que a expressão “crescimento moderado de 1,4%” esconde uma Europa em múltiplas velocidades, na qual alguns países avançam bem mais rápido do que outros.

Riscos no horizonte: guerra, tarifas e clima

A Comissão Europeia é clara ao listar os principais riscos que podem alterar o cenário traçado na previsão de outono:

  1. Conflitos geopolíticos e guerra na Ucrânia
    • Uma escalada militar, novas sanções ou dificuldades no abastecimento de gás e petróleo podem voltar a pressionar preços de energia e confiança dos investidores.
  2. Tarifas e tensões comerciais com os EUA e outras potências
    • A UE já enfrenta tarifas mais altas sobre alguns de seus produtos, principalmente industriais. Um agravamento da disputa comercial ou novas medidas protecionistas podem atingir exportações e investimentos.
  3. Mercados financeiros voláteis e bolha em tecnologia
    • Bolsas, em especial no setor de tecnologia nos EUA, têm mostrado sinais de volatilidade. Uma correção abrupta poderia afetar a confiança global, inclusive na Europa.
  4. Eventos climáticos extremos
    • Secas, enchentes e ondas de calor, cada vez mais frequentes, têm impacto direto sobre agricultura, infraestrutura e custos de energia — e podem exigir ainda mais gastos públicos.
  5. Instabilidade política interna em alguns Estados-membros
    • Governos frágeis, eleições polarizadas e contestação de reformas fiscais ou sociais podem atrasar medidas importantes para a sustentabilidade da dívida e para reformas estruturais.

O que essa previsão significa para o futuro da UE?

A Previsão Econômica de Outono não é apenas uma fotografia; ela é um instrumento político e técnico que orienta decisões em várias frentes:

  • Política fiscal
    • Os números servem de base para avaliar se os países estão cumprindo — ou não — as regras fiscais do bloco.
    • A combinação de crescimento moderado, dívida elevada e mais gastos em defesa indica que a UE precisará de equilíbrio delicado entre disciplina e flexibilidade.
  • Política monetária
    • Com inflação se aproximando de 2%, mas ainda sujeita a choques, o BCE deve adotar uma linha de cautela, ajustando juros gradualmente e evitando movimentos bruscos que possam sufocar ainda mais o crescimento.
  • Política industrial, climática e de inovação
    • O foco em investimentos produtivos, transição verde e digitalização mostra que o bloco está apostando em crescimento de qualidade, não apenas em números de curto prazo.
    • A resposta europeia à competição com EUA e China, especialmente em setores como baterias, semicondutores, energia limpa e inteligência artificial, será decisiva para o crescimento potencial além de 2027.

Conclusão: um crescimento “suficiente”, mas não confortável

A mensagem da Previsão Econômica de Outono da Comissão Europeia pode ser resumida assim:

  • A economia da UE vai crescer, mas pouco.
  • Não há recessão generalizada à vista, mas também não há sobra de margem.
  • Os riscos são significativos — guerra, tarifas, clima, política interna — e qualquer choque mais forte pode tirar esse crescimento de rota.

O número de 1,4% de crescimento em 2025 ganha importância justamente por ser um ponto de equilíbrio frágil: suficiente para evitar crise profunda, mas insuficiente para resolver, sozinho, problemas estruturais como envelhecimento populacional, baixa produtividade em alguns países e endividamento elevado.

Para a União Europeia, o desafio é transformar esse cenário de resiliência moderada em um ciclo de crescimento mais robusto e sustentável, capaz de combinar estabilidade macroeconômica com inovação, inclusão social e transição verde. Se isso vai acontecer, depende menos da estatística de 1,4% e mais das decisões políticas que virão nos próximos anos.

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