A visita do primeiro-ministro do Togo a Moscou, para um encontro oficial com o presidente russo Vladimir Putin, é mais do que um gesto protocolar na agenda diplomática. Ela simboliza o avanço calculado da Rússia no continente africano, em um momento em que disputas de influência com países ocidentais se intensificam. Ao buscar estreitar laços com governos africanos em áreas como segurança, energia, comércio e agricultura, Moscou tenta se consolidar como um parceiro alternativo às antigas potências coloniais e aos Estados Unidos. Para o Togo, um pequeno país da África Ocidental com importância estratégica no Golfo da Guiné, essa aproximação oferece oportunidades econômicas e de segurança – mas também impõe novos desafios geopolíticos.
O encontro Moscou–Lomé: por que o Togo importa para a Rússia?
O Kremlin anunciou que Vladimir Putin receberia o chefe de governo togolês em Moscou para discussões sobre o aprofundamento da cooperação bilateral. Segundo comunicados oficiais e cobertura de agências internacionais, a agenda inclui:
- Diplomacia e coordenação política
- Comércio e investimentos
- Agricultura, energia e fertilizantes
- Treinamento, segurança e possivelmente cooperação militar
O Togo é um país pequeno da costa oeste africana, mas com importância estratégica:
- Localização chave no Golfo da Guiné, área sensível para rotas marítimas e segurança regional.
- Exportador de fosfatos, insumo importante para fertilizantes.
- Ponto de apoio potencial para a presença russa em uma região onde França, EUA e União Europeia perderam espaço político em alguns países do Sahel.
Para Moscou, receber o líder togolês em visita oficial, no Kremlin, tem um peso simbólico: sinaliza que até estados menores e tradicionalmente alinhados ao Ocidente estão dispostos a abrir espaço para a Rússia.
O contexto maior: a estratégia Rússia–África
A visita se insere numa linha contínua de iniciativas russas:
- Cúpulas Rússia–África (2019 em Sochi e 2023 em São Petersburgo)
- Reuniram dezenas de líderes africanos.
- Moscou se apresentou como parceiro “sem condicionantes políticas”, em contraste com as exigências de reformas e direitos humanos discutidas por atores ocidentais.
- Expansão de influência em segurança
- A Rússia (antes via grupo Wagner, agora por estruturas rebatizadas como “Africa Corps”) ganhou espaço em países como Mali, República Centro-Africana e outros, oferecendo treinamento, assessoria militar e apoio a governos fragilizados por insurgências jihadistas.
- Uso de grãos e fertilizantes como instrumentos de poder
- A Rússia é um dos maiores exportadores de trigo e o maior exportador global de fertilizantes.
- Em meio à crise alimentar agravada pela guerra na Ucrânia, Moscou tem enviado grãos e fertilizantes a países africanos, muitas vezes com forte carga política e de propaganda.
A mensagem central da diplomacia russa é:
“Oferecemos segurança, energia e alimentos sem interferir na política interna.”
Isso ressoa particularmente em governos que se sentem pressionados por críticas ocidentais sobre democracia, direitos humanos e sucessões no poder – caso do próprio Togo, governado há décadas pela mesma família.
O que o Togo busca em Moscou?
Do ponto de vista togolês, a aproximação com a Rússia atende a várias prioridades:
Segurança frente à ameaça jihadista no Sahel
O norte do Togo tem sido afetado pelo transbordamento dos conflitos no Burkina Faso e na região do Sahel, com ataques atribuídos a grupos jihadistas. Lomé vem reforçando postos militares, inteligência e cooperação com vizinhos.
Nesse quadro, a Rússia se apresenta como:
- Fornecedora de armas e treinamento.
- Parceira disposta a cooperar em inteligência e contraterrorismo.
- Alternativa ou complemento às parcerias tradicionais com França e EUA, que enfrentam rejeição em parte da opinião pública africana.
Diversificação de parceiros econômicos
O Togo tenta posicionar o porto de Lomé como hub logístico regional:
- Modernização de infraestrutura (portos, estradas, energia).
- Atração de investimentos em mineração, energia e transporte.
A Rússia pode oferecer:
- Empresas de energia e mineração interessadas em fosfatos e outros recursos.
- Projetos em energia elétrica, petróleo, gás e possivelmente energia renovável.
- Acesso privilegiado a grãos e fertilizantes a preços negociados, importantes para a segurança alimentar togolesa.
Ganhos políticos internos
Estar ao lado de um líder global como Putin rende prestígio ao governo togolês:
- Ref ref orça a imagem de um país “cortejado” por grandes potências.
- Mostra ao público doméstico que o governo diversifica parcerias e busca soluções para segurança e desenvolvimento.
- Ajuda a escapar da narrativa de isolamento ou dependência exclusiva de antigos parceiros coloniais.
O que Moscou quer de Lomé?
Para a Rússia, o Togo oferece mais do que um parceiro econômico:
- Um aliado político em fóruns internacionais
- Votos e posições moderadas em instâncias como ONU, União Africana e outras organizações regionais.
- Apoio ou neutralidade em resoluções sensíveis referentes à guerra na Ucrânia, sanções, direitos humanos e ordem internacional.
- Ponto de apoio geopolítico na África Ocidental
- Potencial abertura de uma embaixada russa em Lomé, já cogitada em análises especializadas.
- Facilitação de movimentação de pessoal, equipamentos e possíveis futuras missões de segurança.
- Acesso a recursos naturais e mercados
- Participação em cadeias ligadas a fosfatos e fertilizantes.
- Exportação de grãos, combustíveis, armamentos e serviços de segurança.
- Narrativa de liderança global alternativa ao Ocidente
Ao mostrar que recebe líderes africanos na mesma agenda em que recebe presidentes de grandes potências (como China e outros parceiros dos BRICS), Putin reforça a mensagem de que:
- A Rússia não está isolada.
- Moscou continua sendo polo de atração para países do Sul Global.
Disputa de influência com o Ocidente no continente africano
A visita ocorre num momento em que:
- França foi forçada a recuar em Mali, Burkina Faso e Níger, enfrentando forte sentimento antifrancês.
- EUA e União Europeia tentam recuperar espaço com pacotes de ajuda, programas de segurança e diplomacia climática.
- A Rússia se posiciona como parceiro disposto a ocupar vácuos deixados pelo Ocidente.
No Golfo da Guiné, região do Togo, essa disputa é visível:
- A segurança marítima frente à pirataria e ao tráfico é prioridade para potências navais ocidentais.
- Ao estreitar laços com Lomé, Moscou aumenta sua capacidade de influência numa área até então sob forte presença francesa, europeia e norte-americana.
Para governos africanos, a competição Rússia–Ocidente pode ser usada de forma pragmática:
- Mais opções de financiamento, armas, projetos e acordos.
- Capacidade de barganhar melhores condições com um lado usando o outro como contrapeso.
Economia, grãos e fertilizantes: o eixo “pão e energia” da parceria
Um dos pontos centrais da relação Rússia–África é a combinação de:
- Exportação de grãos e fertilizantes pela Rússia.
- Necessidade crônica de alimentos e insumos agrícolas em muitos países africanos, inclusive o Togo.
Para o Togo, um acordo mais estável com Moscou pode significar:
- Maior previsibilidade no fornecimento de trigo e fertilizantes.
- Condições de pagamento mais flexíveis ou politicamente negociadas.
- Possibilidade de programas conjuntos de modernização agrícola.
Do lado russo:
- Abre mercados alternativos diante das sanções ocidentais.
- Reforça a imagem de “parceiro contra a fome” no discurso público.
Segurança e o possível componente militar
Embora detalhes mais sensíveis raramente sejam divulgados, a visita ocorre após:
- Ratificação recente de acordos de cooperação militar entre Rússia e países africanos, incluindo Togo em algumas reportagens.
Em termos práticos, isso pode envolver:
- Treinamento de forças armadas togolesas por militares ou instrutores russos.
- Fornecimento de armas leves, sistemas de vigilância e veículos.
- Cooperação em inteligência, especialmente voltada ao combate a grupos armados na fronteira norte.
A presença russa, se se intensificar, deve ser observada também sob o ângulo da competição com missões de treinamento europeias e com parcerias de defesa com EUA e França.
Riscos e dilemas para o Togo
Apesar das oportunidades, a aproximação com Moscou traz desafios:
- Equilíbrio diplomático delicado
- O Togo ainda depende de ajuda, investimentos e cooperação de atores ocidentais.
- Um alinhamento excessivamente visível com a Rússia pode gerar desconforto em capitais europeias e em Washington.
- Imagem internacional
- Associações com um parceiro envolvido em sanções, guerra na Ucrânia e críticas por violações de direitos humanos podem afetar a reputação internacional de Lomé.
- Dependência de um único parceiro em segurança
- Se a cooperação militar russa se tornar dominante, o Togo pode ficar vulnerável a mudanças de humor em Moscou ou a reconfigurações internas na própria Rússia.
Por isso, a tendência mais provável é de equilibrar: aprofundar laços com Moscou sem romper com a União Europeia, França e Estados Unidos.
Significado geopolítico mais amplo
O encontro entre Putin e o líder togolês é mais do que uma visita de cortesia:
- Consolida o eixo Rússia–África como um dos pilares da política externa russa no pós-guerra da Ucrânia.
- Reforça a presença russa na África Ocidental, região que se tornou um dos novos campos centrais da disputa de influência global.
- Dá ao Togo espaço de manobra, recursos e visibilidade, ao custo de um xadrez diplomático mais complexo.
Em síntese, a visita simboliza um movimento de rearranjo de alianças no continente africano:
governos africanos buscam parceiros que ofereçam segurança, investimentos e alimentos; a Rússia oferece tudo isso combinando pragmatismo, narrativa anti-ocidental e ambição geopolítica. O Togo, ao se aproximar de Moscou, mostra que até países de menor peso demográfico podem desempenhar um papel significativo no novo tabuleiro multipolar.
Conclusão
A aproximação entre Rússia e Togo ilustra com clareza a mudança em curso no equilíbrio de poder na África. De um lado, Moscou tenta transformar capital militar, energético e alimentar em influência política, apresentando-se como parceiro pragmático e “sem condicionantes”. De outro, governos africanos, como o togolês, veem na diversificação de aliados uma forma de obter mais segurança, investimentos e margem de manobra frente a antigos e novos parceiros ocidentais.
No caso específico do Togo, o ganho potencial é significativo: acesso facilitado a grãos e fertilizantes, possibilidade de reforço da capacidade militar diante da ameaça jihadista no Sahel e maior visibilidade internacional. Em contrapartida, o país precisa administrar o risco de se ver no centro da disputa entre Rússia e Ocidente, preservando suas relações com União Europeia, França e Estados Unidos.
Mais do que um evento isolado na agenda diplomática, o encontro em Moscou reforça a tendência de um sistema internacional cada vez mais multipolar, em que a África deixa de ser apenas “palco” e passa a atuar como agente ativo, explorando a competição entre grandes potências para tentar extrair benefícios concretos para seus próprios projetos nacionais. A relação Rússia–Togo é um pequeno, mas revelador, capítulo desse novo tabuleiro geopolítico.

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