A União Europeia reforçou nesta quarta-feira, 19 de novembro de 2025, a sua estratégia de pressão sobre o regime de facto no Níger ao anunciar que uma série de países europeus não membros do bloco — entre eles Albânia, Noruega, Sérvia, Ucrânia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Macedônia do Norte, Moldávia, Islândia, Liechtenstein e Armênia — decidiram alinhar-se integralmente ao regime de sanções e medidas restritivas adotado por Bruxelas em resposta à crise política no país do Sahel. Com a prorrogação dessas medidas até outubro de 2026, a UE transforma um instrumento originalmente comunitário em uma frente diplomática mais ampla, que combina pressão econômica, isolamento político e sinalização normativa, e projeta o alcance da sua política externa muito além das suas fronteiras formais.
Contexto: por que o Níger está sob sanções da UE?
O Níger tornou-se um foco central da política externa europeia após a sucessão de golpes e da deterioração institucional no Sahel. Desde o golpe de julho de 2023, que derrubou o presidente eleito Mohamed Bazoum, o país entrou em confronto com parte da comunidade internacional, levando a:
- ruptura ou redução de cooperação em segurança e defesa;
- suspensão parcial de ajuda financeira e de desenvolvimento;
- imposição de sanções individuais e econômicas por diferentes atores internacionais.
As sanções da UE em relação ao Níger fazem parte de um instrumento mais amplo da Política Externa e de Segurança Comum (PESC), que permite ao bloco impor medidas restritivas contra governos, entidades e indivíduos considerados responsáveis por:
- minar a democracia e o Estado de direito;
- cometer violações graves de direitos humanos;
- ameaçar a paz e a segurança regionais.
A decisão de outubro de 2025, agora prorrogada até outubro de 2026, mantém esse quadro de pressão sobre as autoridades de facto no Níger.
O que exatamente a UE decidiu?
Em 17 de outubro de 2025, o Conselho da UE adotou a Decisão (PESC) 2025/2136, que prorroga a aplicação das medidas restritivas contra o Níger até 24 de outubro de 2026.
Em resumo, essa decisão:
- Estende no tempo um regime de sanções já existente, em vez de criar um novo pacote do zero.
- Reafirma que a UE continua a considerar a situação política no Níger como grave e sem avanços suficientes que justifiquem a suspensão das medidas.
- Mantém a possibilidade de congelamento de bens e proibição de viagem para indivíduos e entidades listados, bem como restrições a determinadas formas de cooperação ou assistência.
O ponto central da nota publicada hoje, porém, não é apenas a extensão das medidas, e sim o fato de que terceiros países europeus decidiram acompanhar essa decisão.
Quem alinhou sua política às sanções da UE – e por quê?
Segundo a declaração do Alto Representante para a Política Externa, alinharam-se à decisão sobre o Níger:
Albânia, Armênia, Bósnia e Herzegovina, Islândia, Liechtenstein, Moldávia, Montenegro, Macedônia do Norte, Noruega, Sérvia e Ucrânia.
Esses países assumem o compromisso formal de:
- garantir que suas políticas nacionais sejam compatíveis com a decisão do Conselho da UE;
- aplicar, na prática, as mesmas medidas restritivas (congelamento de ativos, proibições de viagem, etc.) contra os mesmos alvos que a UE;
- não servir de “via de escape” para indivíduos e entidades sancionados buscarem recursos, negócios ou proteção fora do território da União.
Perfis dos países alinhados
- Candidatos ou potenciais candidatos à adesão à UE: Albânia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Macedônia do Norte, Sérvia, Moldávia e Ucrânia estão, em diferentes estágios, vinculados ao processo de ampliação da UE.
- Membros do Espaço Econômico Europeu (EEE) ou parceiros próximos: Islândia, Liechtenstein e Noruega são Estados europeus não membros da UE que tradicionalmente alinham suas políticas externas em áreas sensíveis, como sanções e direitos humanos.
- Armênia: país do Cáucaso com relação complexa com Rússia e UE, que vem tentando equilibrar sua política externa e recentemente dá sinais de aproximação maior com estruturas europeias de segurança e cooperação.
Ao alinhar-se às medidas, todos reforçam a mensagem de que:
“Nós partilhamos a avaliação da UE sobre a gravidade da situação no Níger e estamos dispostos a assumir custos políticos e econômicos para manter essa posição comum”.
O que significa, na prática, alinhar-se às sanções da UE?
Na prática, alinhar-se significa:
- Reprodução da lista de sanções:
Os países passam a incorporar, em sua própria legislação ou regulamentos administrativos, a mesma lista de indivíduos e entidades sancionadas pela UE em relação ao Níger. - Medidas financeiras e econômicas:
- Congelamento de ativos de pessoas e entidades listadas em bancos e instituições financeiras nacionais;
- Proibição de disponibilização de fundos ou recursos econômicos a esses alvos;
- Bloqueio de negócios que possam contornar as sanções europeias.
- Restrições de viagem:
Proibição de entrada ou trânsito no território desses países para pessoas listadas, o que, somado ao território da UE, amplia significativamente o “espaço geográfico” de pressão. - Coordenação diplomática:
Os países passam a falar em uníssono com a UE em fóruns internacionais, reforçando a narrativa de condenação ao retrocesso político no Níger.
Em termos geopolíticos, isso transforma um regime de sanções de “apenas UE” em algo mais pan-europeu, ampliando o custo de isolamento para os alvos e aumentando a credibilidade do discurso europeu sobre democracia e direitos humanos.
Por que esses países aceitam alinhar-se? Os cálculos políticos por trás da decisão
Países candidatos à UE: “mostrar serviço” em política externa
Para países como Albânia, Montenegro, Sérvia, Macedônia do Norte, Bósnia e Herzegovina, Moldávia e Ucrânia, alinhar-se às sanções é uma maneira de:
- provar convergência com o acervo político da UE (o chamado acquis em política externa);
- enviar sinal positivo às instituições europeias de que podem ser parceiros confiáveis em temas sensíveis;
- reforçar sua narrativa interna de “rumo à Europa” e integração com o bloco.
No caso da Ucrânia, que depende fortemente de apoio político, militar e financeiro da UE frente à agressão russa, acompanhar a linha da União em outros dossiês (como Níger, Guiné, Transnístria, armas químicas etc.) faz parte de uma estratégia mais ampla de alinhamento quase total à política externa europeia.
Países do EEE e parceiros próximos: coerência com uma política tradicional
Islândia, Liechtenstein e Noruega costumam alinhar sua política de sanções à da UE em vários casos – de Belarus à Ucrânia – justamente para:
- manter coerência com o padrão de política externa europeia;
- mostrar que, embora não sejam membros da UE, compartilham valores e prioridades estratégicas do bloco;
- evitar que seu território se torne uma “brecha regulatória” para fuga de capitais ou evasão de sanções.
Armênia: sinal geopolítico discreto, mas importante
A presença da Armênia na lista chama atenção: é um país que tradicionalmente manteve laços fortes com a Rússia, mas que, nos últimos anos, passou a buscar maior aproximação com o Ocidente diante da sua frustração com a falta de apoio efetivo em momentos de crise. Ao alinhar-se às sanções da UE contra o Níger, a Armênia:
- reforça sua busca por diversificar parceiros;
- envia um recado sutil sobre a vontade de se aproximar de estruturas europeias de segurança e cooperação;
- participa de uma agenda que, embora distante geograficamente (Sahel), é central para a política externa da UE.
A lógica estratégica da UE: projetar poder pelo regime de sanções
A decisão de hoje não é um caso isolado: há um padrão na política externa da UE de emitir declarações em que o Alto Representante anuncia que “certos países alinharam-se” às decisões europeias sobre sanções, seja no caso da Guiné, da Transnístria ou da proliferação de armas químicas.
Essa prática serve a vários objetivos estratégicos:
- Multiplicar o alcance geográfico das sanções
Quanto mais países replicam as medidas, mais difícil se torna para indivíduos e regimes sancionados encontrarem brechas para financiar atividades, viajar ou movimentar recursos. - Consolidar a UE como “pólo normativo”
A UE se apresenta como produtora de normas globais em temas como direitos humanos, democracia, não proliferação e combate ao terrorismo. Quando outros países adotam voluntariamente as sanções europeias, isso reforça o papel da União como referência em padrões de conduta internacional. - Criar um “círculo de convergência” em torno da UE
Países candidatos ou parceiros estratégicos vão sendo, gradualmente, integrados à lógica normativa da UE, o que facilita futuras fases de ampliação ou acordos de associação mais profundos. - Mostrar coerência em diferentes crises
Ao usar o mesmo mecanismo de alinhamento em dossiês distintos (Níger, Guiné, Rússia/Ucrânia, armas químicas, Transnístria etc.), a UE transmite a ideia de uma política externa coerente e previsível.
Impactos para o Níger e para o Sahel
Do ponto de vista do Níger, a ampliação do número de países alinhados às sanções pode ter efeitos concretos:
- Maior isolamento econômico e financeiro de figuras-chave do regime, que terão mais dificuldade em usar bancos e empresas de países europeus não membros da UE.
- Pressão política adicional ao mostrar que, mesmo fora da UE, outros Estados europeus consideram a situação no país grave o suficiente para adotar medidas restritivas.
- Possível efeito reputacional sobre investidores privados, fundos de desenvolvimento e instituições financeiras multilaterais que veem a combinação de sanções e instabilidade como um sinal de risco elevado.
No plano regional, a decisão se insere no esforço da UE para redefinir sua presença no Sahel, após a retirada de várias missões e o enfraquecimento de cooperações de segurança em países como Mali, Burkina Faso e o próprio Níger. A União tenta equilibrar:
- a necessidade de conter fluxos migratórios irregulares e ameaças de grupos armados;
- a preocupação com direitos humanos, golpes militares e retrocessos democráticos.
As sanções, nesse sentido, são um instrumento para manter pressão política sem recorrer à força militar direta.
O que isso revela sobre a política externa da UE em 2025?
A declaração de hoje ilustra alguns traços centrais da política externa da UE:
- Sanções como instrumento de primeira linha
A UE consolidou-se, ao longo da última década, como uma “potência de sanções”, utilizando medidas restritivas em crises que vão de Belarus à Rússia, passando por Guiné, Níger e outros casos. - Parceria estreita com países candidatos e do EEE
Ao trazer para dentro da sua lógica de sanções países como Albânia, Noruega, Sérvia e Ucrânia, a UE torna seu regime de política externa mais abrangente que suas fronteiras formais. - Uso de coerção econômica para defender valores declarados
A União tenta alinhar seu discurso – defesa da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos – com instrumentos concretos que tenham custo político para regimes que se afastam dessas normas. - Sinal ao Sul Global
Ao manter sanções e ampliar seu alcance, a UE envia um recado de que não pretende relativizar o tema da governança democrática no Sahel, mesmo diante de debates sobre “soberania”, “interferência externa” e relações com outros atores como Rússia ou potências regionais.
Perspectivas: o que observar daqui para frente?
Para acompanhar a evolução desse dossiê, alguns pontos merecem atenção:
- Mudanças internas no Níger:
Qualquer progresso em transição política, diálogo nacional ou retorno a uma ordem constitucional mais legítima poderá abrir espaço para revisão das sanções. - Reações do regime nigerino e de parceiros alternativos:
O regime pode tentar aprofundar cooperação com atores extraeuropeus (como Rússia ou outros países) para compensar o isolamento ocidental, alimentando uma disputa de influência no Sahel. - Posicionamento de países alinhados:
O modo como Albânia, Noruega, Sérvia, Ucrânia e demais Estados implementarão na prática essas sanções também será um termômetro do grau real de convergência com a UE. - Uso do mesmo modelo em outras crises:
A UE vem replicando esse mecanismo de “declaração de alinhamento” em diferentes dossiês (Guiné, Transnístria, armas químicas), o que indica que veremos mais decisões semelhantes em futuros casos de crise política ou violações de normas internacionais.
Conclusão
A decisão anunciada hoje de que países como Albânia, Noruega, Sérvia, Ucrânia e outros alinham sua política às sanções da UE sobre o Níger, prorrogadas até outubro de 2026, é mais do que um detalhe técnico de política externa.
Ela:
- amplia o alcance e a eficácia das sanções europeias;
- reforça a UE como eixo normativo e regulador de padrões democráticos e de direitos humanos no continente;
- integra ainda mais países candidatos e parceiros à arquitetura de política externa da União;
- envia um sinal claro ao Níger e ao Sahel de que a União não pretende normalizar o atual impasse político sem mudanças concretas.

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