Os confrontos ocorreram entre os dias 10 e 12 de outubro de 2025, marcando uma das mais graves escaladas recentes entre o Afeganistão governado pelo Talibã e o Paquistão. As trocas de ataques e bombardeios nas regiões fronteiriças evidenciam a deterioração das relações entre os dois países, que há meses se acusam mutuamente de abrigar grupos militantes e violar a soberania territorial um do outro.
Troca de fogo e fechamento de fronteiras
De acordo com fontes oficiais citadas pela Reuters e Associated Press, o Paquistão fechou várias passagens fronteiriças com o Afeganistão após intensos confrontos na linha divisória. A decisão veio em resposta a ataques realizados por combatentes do Talibã contra postos militares paquistaneses, que teriam ocorrido após bombardeios do exército do Paquistão em áreas próximas à capital afegã, Cabul.
Os ataques paquistaneses, segundo fontes em Islamabad, tinham como alvo membros do Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP), um grupo militante que compartilha raízes ideológicas com o Talibã afegão, mas que atua principalmente contra o Estado paquistanês. Apesar de partilharem origens ideológicas, o TTP é um movimento distinto do Talibã afegão, com agenda e liderança próprias.
O governo do Afeganistão, por sua vez, afirmou que o Paquistão violou o espaço aéreo afegão e atacou civis, chamando a ação de “provocação injustificável”.
O papel do TTP e as tensões internas do Paquistão
O Tehreek-e-Taliban Pakistan (TTP), também conhecido como Talibã paquistanês, é uma organização insurgente que busca derrubar o governo paquistanês e impor uma interpretação rigorosa da lei islâmica. O grupo tem base em regiões montanhosas próximas à fronteira com o Afeganistão e, segundo Islamabad, utiliza território afegão como refúgio para planejar ataques dentro do Paquistão.
Desde o retorno do Talibã ao poder em Cabul, em agosto de 2021, as autoridades paquistanesas vêm acusando o governo afegão de dar abrigo e apoio logístico ao TTP. Já o Talibã afegão nega as acusações e afirma que o Paquistão tenta transferir para fora de suas fronteiras os problemas internos de segurança que enfrenta.
O Paquistão, por sua vez, enfrenta uma grave crise política e econômica, além de uma crescente instabilidade nas províncias fronteiriças — fatores que aumentam a pressão sobre o governo para demonstrar firmeza militar diante dos ataques insurgentes.
Um relacionamento histórico marcado por desconfiança
A relação entre Afeganistão e Paquistão sempre foi complexa. Embora Islamabad tenha apoiado o Talibã durante a década de 1990, buscando manter influência política sobre o país vizinho, a situação mudou drasticamente após os atentados de 11 de setembro de 2001. Desde então, o Paquistão tornou-se aliado dos Estados Unidos na “guerra ao terror”, mas continuou a ser acusado de manter vínculos ambíguos com facções talibãs.
A retirada das tropas norte-americanas em 2021 e o retorno do Talibã ao poder foram inicialmente vistos como um possível benefício estratégico para Islamabad. No entanto, a crescente força do TTP e os ataques em território paquistanês mostraram que o efeito foi o oposto: a ascensão do Talibã em Cabul fortaleceu as redes jihadistas regionais, incluindo as que ameaçam diretamente o próprio Paquistão.
Impactos regionais e preocupações internacionais
A recente escalada preocupa os países vizinhos e as potências envolvidas na região, como China, Irã e Rússia. A estabilidade do Afeganistão é vista como essencial para a segurança regional, especialmente diante das rotas comerciais e energéticas que cruzam a Ásia Central.
Organizações internacionais alertam que novos confrontos entre Talibã e Paquistão podem levar ao fechamento prolongado das fronteiras — uma medida que afeta diretamente o comércio e o fornecimento de alimentos, combustível e medicamentos para a população afegã, já duramente atingida por uma crise humanitária.
Além disso, analistas alertam que a intensificação das tensões pode abrir espaço para o fortalecimento de outros grupos extremistas ativos na região, como o Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), que tem realizado ataques tanto no Afeganistão quanto no Paquistão.
Perspectivas e riscos futuros
A escalada recente demonstra a fragilidade das relações entre Islamabad e Cabul e o risco crescente de que as hostilidades se transformem em um conflito mais amplo. Sem um canal de diálogo efetivo e sem a mediação de atores externos — como China ou Qatar —, a situação tende a se agravar.
Enquanto o Paquistão insiste que não tolerará mais ataques de militantes a partir do território afegão, o Talibã acusa o vizinho de usar a luta contra o terrorismo como pretexto para interferir em sua soberania.
Com ambos os lados armados e sem disposição aparente para concessões diplomáticas, a fronteira entre Afeganistão e Paquistão volta a ser um dos pontos mais voláteis da Ásia, com potencial de desestabilizar toda a região do sul e centro da Ásia.
Conclusão
A escalada entre o Talibã afegão e o Paquistão nas passagens fronteiriças expõe não apenas um confronto militar pontual, mas falhas profundas na arquitetura de segurança regional. O episódio entre 10 e 12 de outubro de 2025 evidencia como interesses divergentes, grupos insurgentes transnacionais e fragilidades estatais podem rapidamente transformar incidentes localizados em crises com efeitos humanitários e econômicos mais amplos.
Sem mecanismos de diálogo confiáveis e uma agenda de segurança cooperativa que envolva as potências regionais, o risco é que a violência se perpetue — alimentando deslocamentos, interrompendo comércio e dando terreno fértil a outras organizações extremistas. A única via plausível para reduzir a tensão passa por negociações multilaterais, monitoramento independente das fronteiras e compromissos concretos para separar a política entre estados das ações de grupos armados.
Enquanto isso, a comunidade internacional e os atores regionais têm papel decisivo para evitar que uma disputa bilateral se transforme em uma crise de escala maior. A estabilidade do Afeganistão e do Paquistão não é apenas uma questão local: é um elemento-chave para a segurança e o desenvolvimento do conjunto da Ásia Central e do Sul — e qualquer solução duradoura exigirá tanto pressão quanto incentivos diplomáticos e humanitários coordenados.

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