Na madrugada de 30 de outubro de 2025, forças do Israel Defense Forces (IDF) realizaram uma incursão no vilarejo de Blida, na região sul do Líbano, a pouco mais de 1 quilómetro da fronteira demarcada (a “Blue Line”). Durante a ação, que envolveu veículos militares e possivelmente drones, soldados israelenses entraram no edifício da municipalidade local e dispararam contra um funcionário municipal, Ibrahim Salameh, que dormia no local. Ele foi morto.
Em resposta, o presidente libanês Joseph Aoun ordenou que o Lebanese Armed Forces (LAF) “confronte qualquer nova incursão israelense em território libanês libertado”. A ONU, através da missão United Nations Interim Force in Lebanon (UNIFIL), considerou a ação uma “violation flagrante” da United Nations Security Council (UNSC) Resolução 1701, e o governo libanês qualificou o episódio como agressão direcional à instituição do Estado.
Contexto: a trégua e o terreno
Em 27 de novembro de 2024, foi firmada uma trégua entre Israel e o Hezbollah, mediada pelos EUA e França, para encerrar o conflito aberto no sul do Líbano. Resolução 1701, de 2006, já estipulava a saída de combate entre Hezbollah e Israel na região, a presença apenas do LAF e da UNIFIL, e zona livre de armas ao sul do rio Litani.
Desde então, porém, incidentes cruzam a linha da trégua:
- Israel mantém tropas ou pontos de acesso em cinco locais no sul do Líbano.
- O LAF e a UNIFIL ainda não conseguiram assumir plenamente a zona ao sul do Litani, como previsto.
- Relatos de ataques, incursões e atividades de vigilância continuam, sugerindo que a “trégua” tem sido mais de baixa intensidade do que pacífica estabilidade.
Causas subjacentes
Estratégia israelense de contenção ao Hezbollah
Israel afirma que o Hezbollah está reconstruindo infraestrutura militar no sul do Líbano — depósitos de armas, bases de observação e sistemas de lançamento de foguetes. A incursão em Blida é descrita por Israel como uma medida para “desmantelar infraestrutura terrorista”.
Fragilidade do Estado libanês e presença de múltiplos atores armados
O Líbano vive sob severa crise econômica, institucional e de soberania. O Estado central (LAF, governo) enfrenta desafios para controlar completamente o sul do país e garantir a aplicação irrestrita da trégua e da soberania nacional. Ao mesmo tempo, o Hezbollah mantém presença e influência significativa nas regiões sulinas.
Dilema entre trégua e escalada
Apesar da assinatura da trégua, ambas as partes – Israel e Hezbollah – têm interesse em manter “opções de escalada” latentes. Israel para dissuadir e atacar potenciais ameaças; o Hezbollah para reafirmar que o seu papel de “resistência” continua relevante. Essa tensão latente cria risco de acidentes, ações de “prova de força” e reações que podem evoluir para escalada maior.
Consequências e riscos
Para o Líbano
- Soberania e prestígio do Estado: A resposta do presidente Aoun revela uma frustração com a incapacidade do Estado em impedir incursões e proteger civis. Isso mina a autoridade estatal.
- Escalada militar: Se o LAF realmente “confrontar” futuras incursões, como determinado, o risco de confronto direto com as forças israelenses aumenta.
- Impacto humanitário: Mais civis mortos, deslocados, destruição de infraestrutura local, como no caso da municipalidade em Blida. Isso agrava a já grave crise humanitária e de retornos no sul.
Para Israel
- Segurança e credibilidade: Do seu ponto de vista, reduzir a capacidade de ataque do Hezbollah é vital. No entanto, operações que matam civis ou funcionários municipais geram críticas internacionais e possibilidade de retorno de hostilidades mais amplas.
- Risco de guerra ampliada: Um incidente mal controlado pode escalar para um conflito com o Hezbollah em maior escala — algo que Israel busca evitar por custo e implicações regionais.
Para o cenário regional
- A linha de frente sul do Líbano torna‑se um “espaço de tensão permanente”, onde pequenas escaramuças têm potencial de deflagrar crises maiores.
- Autoridades internacionais e missões de paz, como a UNIFIL, veem sua autoridade e utilidade questionadas quando violações prosperam.
- A situação contribui para o ambiente de instabilidade no Levante, afetando não só Líbano e Israel, mas Síria, Irã, e atores externos (EUA, UE) empenhados na contenção.
Possíveis cenários adiante
- Escalada controlada: O Líbano reforça suas posições, Israel intensifica ataques de precisão, o Hezbollah responde com foguetes ou ataques pontuais — nenhum grande conflito, mas tensões elevadas.
- Confronto direto: Um incidente maior (como morte de vários soldados ou civis) leva a retaliação significativa — o Hezbollah lança ataques expressivos em Israel, convocando resposta militar em grande escala.
- Recompromisso diplomático: Pressões internacionais (das Nações Unidas, França, Alemanha, EUA) forçam as partes a retomar negociações para rever o acordo de trégua, aumentar a presença do LAF/UNIFIL no sul, e exigir a retirada israelense dos cinco “pontos” identificados.
- Congelamento do status quo: Manutenção do impasse: pequenas violações contínuas, nenhum ataque maciço, mas ausência de reconstrução e retorno à normalidade no sul do Líbano.
Conclusão
O ataque à municipalidade de Blida e a morte de Ibrahim Salameh saem como um símbolo da vulnerabilidade contínua do sul do Líbano — uma zona que, apesar da trégua de 2024, permanece em grande parte militarizada, sujeita a violações e com o Estado libanês fragilizado. A ordem do presidente libanês para que o exército “confronte” futuras incursões marca um ponto de inflexão: o Líbano formalmente abandona o papel de observador passivo, mas a prevenção de escalada dependerá de muitos fatores — vontade política, capacidade militar, controle interno do Hezbollah e o comportamento de Israel. Para analistas de geopolítica, este episódio reforça a conclusão de que a paz entre Israel e Líbano continua frágil — não em guerra aberta, mas distante de estabilidade real.

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