Tribunal da UE veta plano italiano para campos de migrantes na Albânia: impactos e desdobramentos

Giorgia Meloni cumprimenta o Presidente Kais Saied durante reunião oficial na Tunísia, 31 de julho de 2025.
Primeira-ministra italiana Giorgia Meloni reunida com o Presidente tunisiano Kais Saied, em missão diplomática na Tunísia, para discutir cooperação bilateral, migração e energia, em 31 de julho de 2025.

Em 1º de agosto de 2025, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) rejeitou o principal fundamento jurídico do plano do governo italiano de criar centros de processamento de migrantes na Albânia, enfraquecendo acordos bilaterais e escancarando limites legais e políticos na gestão migratória europeia.

O projeto italiano e o “modelo Albânia”

Contexto da proposta
Em outubro de 2024, a Itália promulgou uma lei que classificou países como Bangladesh, Egito, Tunísia e Albânia como “países de origem seguros” — mecanismo que permite acelerar rejeições de pedidos de asilo e transferir indocumentados para centros externos, conforme acordo assinado com Tirana em 2023, prevendo cerca de 36 mil vagas anuais para esses centros.

Infraestrutura pronta, mas ociosa
Foram inaugurados dois centros principais na Albânia: um em Gjadër, próximo a Lezhë, e outro em Shengjin, cidade portuária no norte do país. O centro de Gjadër tem capacidade para aproximadamente 1.200 pessoas, enquanto Shengjin abriga cerca de 600 vagas. Ambos foram construídos com recursos europeus e italianos, em torno de € 200 milhões investidos, com infraestrutura moderna para acomodação, processamento documental e assistência médica. Contudo, devido à liminar do TJUE, permanecem praticamente vazios, representando um custo político e financeiro para ambos os países.

A decisão do TJUE

  • Núcleo da sentença
    Em seu acórdão, o Tribunal afirmou: “A designação de um país como seguro deve ser fundamentada em evidências claras, acessíveis e atualizadas, garantindo proteção efetiva aos direitos humanos dos requerentes de asilo, bem como acesso a mecanismos judiciais efetivos.” O Tribunal concluiu que a Itália não apresentou “fontes de informação suficientemente acessíveis e transparentes” para justificar a inclusão da Albânia como país seguro, tampouco assegurou o direito à revisão judicial individual para os migrantes afetados.
  • Caso-teste: requerentes de Bangladesh
    A controvérsia teve início com dois cidadãos bengaleses resgatados no mar e levados à Albânia, onde seus pedidos de asilo foram recusados com base na designação de país seguro. O Tribunal considerou essa prática violadora do direito fundamental ao devido processo.
  • Limites à prerrogativa nacional
    A sentença reforçou que:
    1. “A designação de países seguros deve considerar a proteção integral, sem exceções regionais ou específicas de grupos.”
    2. “A proteção judicial efetiva é requisito mínimo para assegurar direitos humanos.”

Exemplos comparativos na Europa

  • Grécia e o Acordo UE-Turquia (2016)
    A Grécia, sob intensa pressão migratória, assinou em 2016 um acordo com a Turquia para que migrantes interceptados no mar fossem retornados à Turquia, considerada país seguro. Esse modelo enfrentou forte contestação jurídica, com várias liminares e revisões sobre a proteção efetiva de direitos, gerando um impasse similar ao que agora ocorre com a Itália e Albânia.
  • Hungria e a designação de países seguros
    A Hungria também tentou designar países do norte da África como seguros para acelerar deportações, mas teve suas práticas questionadas pelo TJUE, que reforçou o direito à análise individualizada e à proteção contra deportações para locais onde o risco de perseguição ou maus-tratos existe.

Esses exemplos mostram que a externalização do controle migratório enfrenta barreiras jurídicas em todo o bloco europeu.

Perfis dos centros em Gjadër e Shengjin

  • Centro de Gjadër
    Localizado próximo à cidade de Lezhë, o centro foi projetado para receber até 1.200 migrantes, com instalações modernas, incluindo dormitórios coletivos, área de convivência, serviços médicos e administrativos. O centro possui um sistema de segurança reforçado e acesso facilitado à cidade. Inaugurado em 2023, está atualmente ocioso devido a bloqueios jurídicos.
  • Centro de Shengjin
    Menor que o de Gjadër, com capacidade para 600 pessoas, está situado em uma área portuária estratégica para controle de fluxos marítimos irregulares. O centro conta com infraestrutura para triagem rápida e atendimento básico, mas também está parado, gerando questionamentos sobre a sustentabilidade do investimento.

Repercussões políticas e jurídicas

  • Reação de Roma
    A primeira-ministra Giorgia Meloni declarou: “Essa decisão do Tribunal não só ignora a realidade das fronteiras italianas, mas também limita nossa soberania e capacidade de defender nossos cidadãos.”
  • Posicionamento da oposição e ONGs
    Organizações como Anistia Internacional saudaram a decisão: “É uma vitória para os direitos humanos e para a dignidade dos migrantes, que não podem ser tratados como mercadoria para descarte em países sem estrutura adequada.”
  • Impacto regional e na UE
    Países dos Balcãs, observando o impasse jurídico, podem se tornar mais cautelosos em aceitar parcerias que impliquem transferência de migrantes sob o regime de “país seguro”. A UE, por sua vez, vê reforçada a importância da solidariedade e de uma política migratória integrada, supervisionada por critérios uniformes de proteção de direitos.

Estatísticas e tendências atuais

  • Até julho de 2025, as desembarcações irregulares na Itália totalizaram cerca de 75 mil, uma queda de 20% em relação ao mesmo período de 2023, segundo dados do Ministério do Interior italiano.
  • A rota dos Balcãs apresentou aumento de 15% no fluxo migratório, com destaque para cidadãos do Afeganistão e Paquistão, segundo a Agência Europeia de Apoio ao Asilo.

Desafios futuros e alternativas

  1. Fortalecer os centros internos italianos em Lampedusa e Sicília, com melhorias em infraestrutura e agilidade nos processos de asilo.
  2. Avançar na redistribuição de migrantes dentro da UE, conforme o Pacto de Migração e Asilo de 2020, para aliviar a pressão sobre países de entrada.
  3. Investir em cooperação técnica e financeira com os Balcãs para melhorar as condições de acolhimento, evitando externalização irresponsável.

Conclusão

O veto do TJUE ao “modelo Albânia” impõe limites claros à externalização do controle migratório, reafirmando a centralidade dos direitos humanos e do devido processo. Para a Itália, o desafio será repensar sua política migratória diante do escrutínio jurídico e da necessidade de maior cooperação europeia. Para a UE, a decisão reforça a necessidade de políticas integradas, transparentes e justas, que respeitem os direitos fundamentais de migrantes e refugiados.

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