Zimbábue projeta crescimento de 6,6% em 2025, mas prevê desaceleração em 2026 com cenário global adverso

Ministro das Finanças do Zimbábue, Mthuli Ncube, chega ao Parlamento em Harare para apresentar o Orçamento Nacional de 2020, em 14 de novembro de 2019
O ministro das Finanças do Zimbábue, Mthuli Ncube, chega ao prédio do Parlamento, em Harare, para apresentar o Orçamento Nacional de 2020, em 14 de novembro de 2019 [Philimon Bulawayo/Reuters]

A economia do Zimbábue entra em 2025 com uma projeção oficial de crescimento robusto, estimado em 6,6%, mas o próprio governo já admite que esse ritmo não será sustentável. Para 2026, a previsão é de desaceleração para cerca de 5%, reflexo direto de “ventos contrários” no cenário global e de fragilidades internas ainda não resolvidas.

Mais do que números, essas projeções revelam um país tentando equilibrar discurso de otimismo com a realidade de uma economia vulnerável a choques externos, limites estruturais e um histórico de instabilidade monetária.

Crescimento de 6,6%: o que está por trás do otimismo de 2025?

A estimativa de 6,6% para 2025 indica, à primeira vista, uma economia em forte expansão. Esse tipo de crescimento, se confirmado, colocaria o Zimbábue entre as economias de desempenho mais alto do continente em termos de taxa percentual.

Alguns fatores ajudam a explicar essa projeção otimista:

  • Agricultura em recuperação:
    O país é fortemente dependente do setor agrícola, especialmente de culturas como tabaco e milho. Uma boa temporada agrícola, combinada com preços internacionais relativamente favoráveis, tende a impulsionar o PIB.
  • Mineração em destaque:
    O Zimbábue tem reservas importantes de minerais como ouro, platina e lítio. O aumento da demanda global por insumos estratégicos, especialmente ligados à transição energética (como o lítio para baterias), pode dar fôlego à produção e às exportações.
  • Investimentos em infraestruturas e projetos públicos:
    Programas de obras públicas, projetos em energia e transportes e algum fluxo de investimento estrangeiro em mineração e agricultura ajudam a turbinar o crescimento no curto prazo.

Contudo, esse otimismo convive com um pano de fundo complexo: inflação ainda sensível, moeda frágil, falta de confiança de investidores e um histórico recente de políticas econômicas instáveis.

Desaceleração para 5% em 2026: o peso dos “ventos contrários”

Ao projetar um crescimento menor de 5% para 2026, o próprio governo reconhece que o impulso de 2025 pode não se repetir. Três grupos de fatores tendem a pressionar essa desaceleração:

1. Economia global mais fraca

A expressão “ventos contrários” geralmente aponta para:

  • possível desaceleração de grandes economias, reduzindo a demanda por commodities;
  • incertezas geopolíticas que impactam preços e cadeias de suprimento;
  • condições financeiras internacionais mais apertadas, com juros elevados, tornando o crédito mais caro e limitando investimentos.

Para uma economia dependente de exportações de minerais e produtos agrícolas, qualquer enfraquecimento na demanda externa ou oscilações bruscas de preços pode significar queda de receitas e menor fôlego de crescimento.

2. Limites internos de capacidade

Mesmo com crescimento elevado em um ano, a estrutura produtiva do Zimbábue enfrenta gargalos:

  • redes de energia e transporte com problemas crônicos;
  • falta de infraestrutura moderna em algumas regiões;
  • ambiente de negócios ainda visto como arriscado por muitos investidores;
  • dificuldades de acesso a financiamento para empresas locais.

Quando a economia se expande rapidamente sem reformas de fundo, tende a esbarrar nesses limites, o que naturalmente desacelera o ritmo em anos seguintes.

3. Riscos de instabilidade macroeconômica

O Zimbábue tem um histórico recente de:

  • inflação alta e períodos de hiperinflação;
  • mudanças frequentes no regime cambial;
  • perda de confiança na moeda local e forte dolarização informal.

Qualquer retomada mais forte do crescimento, se não vier acompanhada de disciplina fiscal e monetária, pode reativar pressões inflacionárias e causar novas turbulências na taxa de câmbio, o que, por sua vez, limita o potencial de expansão futura.

Crescimento não é sinônimo de bem-estar: o desafio da qualidade

Uma taxa de 6,6% pode impressionar, mas a pergunta central é: quem se beneficia desse crescimento?

Na prática, o PIB pode subir sem necessariamente melhorar, na mesma velocidade, a vida cotidiana da população. Alguns pontos críticos:

  • Desemprego e informalidade:
    Se o dinamismo vier concentrado em mineração de grande escala e projetos de capital intensivo, o impacto em empregos diretos pode ser limitado.
  • Pobreza e desigualdade:
    Sem políticas de distribuição de renda, investimento em serviços sociais (saúde, educação, saneamento) e fortalecimento do setor produtivo local, ganhos de crescimento tendem a se concentrar em poucos setores e grupos.
  • Serviços públicos fragilizados:
    O Estado precisa de receitas para melhorar escolas, hospitais e infraestrutura básica. Se o aumento de crescimento não se traduz em arrecadação eficiente – por falhas de gestão, evasão ou isenções excessivas – a população pode pouco sentir os efeitos.

Assim, o grande desafio do Zimbábue não é apenas crescer, mas transformar crescimento em desenvolvimento sustentável, com redução efetiva de vulnerabilidades sociais.

Confiança, moeda e credibilidade econômica

Um dos elementos centrais para o futuro da economia zimbabuense é a confiança – dos cidadãos, dos investidores e dos parceiros internacionais.

Três aspectos são decisivos:

1. Estabilidade da moeda

Depois de anos de instabilidade extrema, qualquer sinal de descontrole inflacionário assusta investidores e população. Manter uma política monetária consistente, com maior transparência e previsibilidade, é essencial para ancorar expectativas.

2. Disciplina fiscal e gestão do Estado

Gastos públicos desordenados, endividamento elevado e falta de transparência em contratos e projetos minam a confiança. Um quadro fiscal mais sólido, com prioridades claras e prestação de contas, melhora a credibilidade do país.

3. Segurança jurídica e ambiente de negócios

Investidores – locais e estrangeiros – observam:

  • respeito a contratos;
  • previsibilidade das regras;
  • ausência de expropriações arbitrárias;
  • sistema tributário menos caótico.

Sem avanços nessa frente, mesmo boas taxas de crescimento em um ano específico podem ser encaradas como episódicas, e não como parte de um ciclo sustentável.

Dependência de commodities: oportunidade e armadilha

O Zimbábue, como muitos países africanos, tem na exportação de commodities um dos pilares da sua economia. Isso cria uma combinação de oportunidades e riscos:

  • Oportunidade:
    ciclos de alta de preços globais de minerais e produtos agrícolas podem gerar entradas expressivas de divisas, impulsionar o PIB e financiar projetos de infraestrutura.
  • Risco:
    quando os preços caem ou a demanda externa arrefece, a receita do país despenca, afetando orçamento público, empregos e investimentos.

A saída de longo prazo passa por:

  • diversificar a economia, fortalecendo indústria leve, agroindústria e serviços;
  • investir em valor agregado (por exemplo, processar minerais e produtos agrícolas dentro do país, em vez de exportá-los brutos);
  • desenvolver cadeias produtivas internas, reduzindo a vulnerabilidade externa.

Enquanto essa diversificação não ocorre de forma robusta, o país seguirá exposto a ciclos de boom e crise, o que limita a previsibilidade de crescimento.

O que significam, na prática, as projeções para 2025 e 2026?

Do ponto de vista econômico e político, as projeções de 6,6% para 2025 e 5% para 2026 transmitem três mensagens principais:

  1. Sinal de recuperação e dinamismo
    O governo quer mostrar que a economia está reagindo, que há oportunidades em setores como mineração e agricultura e que o país busca se reposicionar na região.
  2. Reconhecimento de limites e riscos
    Ao admitir a desaceleração em 2026, as autoridades reconhecem que o contexto global e os gargalos internos impõem um teto ao ritmo de expansão.
  3. Necessidade de reformas estruturais
    Crescer alguns anos acima de 5% é importante, mas, sem reformas profundas em instituições, ambiente de negócios, política fiscal e estabilidade monetária, o risco é que o Zimbábue continue preso a ciclos de crescimento intercalados com crises.

Conclusão: entre o otimismo dos números e a realidade da economia

As projeções oficiais colocam o Zimbábue em posição de destaque entre as economias de maior crescimento percentual na África, ao menos no curto prazo. No entanto, a combinação de dependência de commodities, fragilidade institucional, histórico inflacionário e cenário global incerto faz com que esses números precisem ser lidos com cautela.

O verdadeiro teste para o país não será apenas alcançar 6,6% em 2025 ou 5% em 2026, mas responder a perguntas mais profundas:

  • esse crescimento será inclusivo?
  • haverá geração de empregos de qualidade?
  • a moeda e os preços permanecerão relativamente estáveis?
  • o ambiente político e institucional dará segurança para investimentos de longo prazo?

Se o governo conseguir transformar essas projeções em uma trajetória consistente, com reformas estruturais e foco em desenvolvimento humano, o Zimbábue poderá converter a atual fase de expansão em uma oportunidade concreta de mudança. Caso contrário, os números de crescimento correm o risco de se tornarem apenas mais um capítulo de uma história marcada por altos e baixos, sem romper o ciclo de vulnerabilidade econômica e social.

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