A economia do Zimbábue entra em 2025 com uma projeção oficial de crescimento robusto, estimado em 6,6%, mas o próprio governo já admite que esse ritmo não será sustentável. Para 2026, a previsão é de desaceleração para cerca de 5%, reflexo direto de “ventos contrários” no cenário global e de fragilidades internas ainda não resolvidas.
Mais do que números, essas projeções revelam um país tentando equilibrar discurso de otimismo com a realidade de uma economia vulnerável a choques externos, limites estruturais e um histórico de instabilidade monetária.
Crescimento de 6,6%: o que está por trás do otimismo de 2025?
A estimativa de 6,6% para 2025 indica, à primeira vista, uma economia em forte expansão. Esse tipo de crescimento, se confirmado, colocaria o Zimbábue entre as economias de desempenho mais alto do continente em termos de taxa percentual.
Alguns fatores ajudam a explicar essa projeção otimista:
- Agricultura em recuperação:
O país é fortemente dependente do setor agrícola, especialmente de culturas como tabaco e milho. Uma boa temporada agrícola, combinada com preços internacionais relativamente favoráveis, tende a impulsionar o PIB. - Mineração em destaque:
O Zimbábue tem reservas importantes de minerais como ouro, platina e lítio. O aumento da demanda global por insumos estratégicos, especialmente ligados à transição energética (como o lítio para baterias), pode dar fôlego à produção e às exportações. - Investimentos em infraestruturas e projetos públicos:
Programas de obras públicas, projetos em energia e transportes e algum fluxo de investimento estrangeiro em mineração e agricultura ajudam a turbinar o crescimento no curto prazo.
Contudo, esse otimismo convive com um pano de fundo complexo: inflação ainda sensível, moeda frágil, falta de confiança de investidores e um histórico recente de políticas econômicas instáveis.
Desaceleração para 5% em 2026: o peso dos “ventos contrários”
Ao projetar um crescimento menor de 5% para 2026, o próprio governo reconhece que o impulso de 2025 pode não se repetir. Três grupos de fatores tendem a pressionar essa desaceleração:
1. Economia global mais fraca
A expressão “ventos contrários” geralmente aponta para:
- possível desaceleração de grandes economias, reduzindo a demanda por commodities;
- incertezas geopolíticas que impactam preços e cadeias de suprimento;
- condições financeiras internacionais mais apertadas, com juros elevados, tornando o crédito mais caro e limitando investimentos.
Para uma economia dependente de exportações de minerais e produtos agrícolas, qualquer enfraquecimento na demanda externa ou oscilações bruscas de preços pode significar queda de receitas e menor fôlego de crescimento.
2. Limites internos de capacidade
Mesmo com crescimento elevado em um ano, a estrutura produtiva do Zimbábue enfrenta gargalos:
- redes de energia e transporte com problemas crônicos;
- falta de infraestrutura moderna em algumas regiões;
- ambiente de negócios ainda visto como arriscado por muitos investidores;
- dificuldades de acesso a financiamento para empresas locais.
Quando a economia se expande rapidamente sem reformas de fundo, tende a esbarrar nesses limites, o que naturalmente desacelera o ritmo em anos seguintes.
3. Riscos de instabilidade macroeconômica
O Zimbábue tem um histórico recente de:
- inflação alta e períodos de hiperinflação;
- mudanças frequentes no regime cambial;
- perda de confiança na moeda local e forte dolarização informal.
Qualquer retomada mais forte do crescimento, se não vier acompanhada de disciplina fiscal e monetária, pode reativar pressões inflacionárias e causar novas turbulências na taxa de câmbio, o que, por sua vez, limita o potencial de expansão futura.
Crescimento não é sinônimo de bem-estar: o desafio da qualidade
Uma taxa de 6,6% pode impressionar, mas a pergunta central é: quem se beneficia desse crescimento?
Na prática, o PIB pode subir sem necessariamente melhorar, na mesma velocidade, a vida cotidiana da população. Alguns pontos críticos:
- Desemprego e informalidade:
Se o dinamismo vier concentrado em mineração de grande escala e projetos de capital intensivo, o impacto em empregos diretos pode ser limitado. - Pobreza e desigualdade:
Sem políticas de distribuição de renda, investimento em serviços sociais (saúde, educação, saneamento) e fortalecimento do setor produtivo local, ganhos de crescimento tendem a se concentrar em poucos setores e grupos. - Serviços públicos fragilizados:
O Estado precisa de receitas para melhorar escolas, hospitais e infraestrutura básica. Se o aumento de crescimento não se traduz em arrecadação eficiente – por falhas de gestão, evasão ou isenções excessivas – a população pode pouco sentir os efeitos.
Assim, o grande desafio do Zimbábue não é apenas crescer, mas transformar crescimento em desenvolvimento sustentável, com redução efetiva de vulnerabilidades sociais.
Confiança, moeda e credibilidade econômica
Um dos elementos centrais para o futuro da economia zimbabuense é a confiança – dos cidadãos, dos investidores e dos parceiros internacionais.
Três aspectos são decisivos:
1. Estabilidade da moeda
Depois de anos de instabilidade extrema, qualquer sinal de descontrole inflacionário assusta investidores e população. Manter uma política monetária consistente, com maior transparência e previsibilidade, é essencial para ancorar expectativas.
2. Disciplina fiscal e gestão do Estado
Gastos públicos desordenados, endividamento elevado e falta de transparência em contratos e projetos minam a confiança. Um quadro fiscal mais sólido, com prioridades claras e prestação de contas, melhora a credibilidade do país.
3. Segurança jurídica e ambiente de negócios
Investidores – locais e estrangeiros – observam:
- respeito a contratos;
- previsibilidade das regras;
- ausência de expropriações arbitrárias;
- sistema tributário menos caótico.
Sem avanços nessa frente, mesmo boas taxas de crescimento em um ano específico podem ser encaradas como episódicas, e não como parte de um ciclo sustentável.
Dependência de commodities: oportunidade e armadilha
O Zimbábue, como muitos países africanos, tem na exportação de commodities um dos pilares da sua economia. Isso cria uma combinação de oportunidades e riscos:
- Oportunidade:
ciclos de alta de preços globais de minerais e produtos agrícolas podem gerar entradas expressivas de divisas, impulsionar o PIB e financiar projetos de infraestrutura. - Risco:
quando os preços caem ou a demanda externa arrefece, a receita do país despenca, afetando orçamento público, empregos e investimentos.
A saída de longo prazo passa por:
- diversificar a economia, fortalecendo indústria leve, agroindústria e serviços;
- investir em valor agregado (por exemplo, processar minerais e produtos agrícolas dentro do país, em vez de exportá-los brutos);
- desenvolver cadeias produtivas internas, reduzindo a vulnerabilidade externa.
Enquanto essa diversificação não ocorre de forma robusta, o país seguirá exposto a ciclos de boom e crise, o que limita a previsibilidade de crescimento.
O que significam, na prática, as projeções para 2025 e 2026?
Do ponto de vista econômico e político, as projeções de 6,6% para 2025 e 5% para 2026 transmitem três mensagens principais:
- Sinal de recuperação e dinamismo
O governo quer mostrar que a economia está reagindo, que há oportunidades em setores como mineração e agricultura e que o país busca se reposicionar na região. - Reconhecimento de limites e riscos
Ao admitir a desaceleração em 2026, as autoridades reconhecem que o contexto global e os gargalos internos impõem um teto ao ritmo de expansão. - Necessidade de reformas estruturais
Crescer alguns anos acima de 5% é importante, mas, sem reformas profundas em instituições, ambiente de negócios, política fiscal e estabilidade monetária, o risco é que o Zimbábue continue preso a ciclos de crescimento intercalados com crises.
Conclusão: entre o otimismo dos números e a realidade da economia
As projeções oficiais colocam o Zimbábue em posição de destaque entre as economias de maior crescimento percentual na África, ao menos no curto prazo. No entanto, a combinação de dependência de commodities, fragilidade institucional, histórico inflacionário e cenário global incerto faz com que esses números precisem ser lidos com cautela.
O verdadeiro teste para o país não será apenas alcançar 6,6% em 2025 ou 5% em 2026, mas responder a perguntas mais profundas:
- esse crescimento será inclusivo?
- haverá geração de empregos de qualidade?
- a moeda e os preços permanecerão relativamente estáveis?
- o ambiente político e institucional dará segurança para investimentos de longo prazo?
Se o governo conseguir transformar essas projeções em uma trajetória consistente, com reformas estruturais e foco em desenvolvimento humano, o Zimbábue poderá converter a atual fase de expansão em uma oportunidade concreta de mudança. Caso contrário, os números de crescimento correm o risco de se tornarem apenas mais um capítulo de uma história marcada por altos e baixos, sem romper o ciclo de vulnerabilidade econômica e social.

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